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BAURU, SP (FOLHAPRESS) - A alta comissária de direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, expressou "séria preocupação" com o cenário de ameaças às populações indígenas e aos ativistas no Brasil durante sua fala na abertura da sessão do Conselho de Direitos Humanos nesta segunda-feira (13).
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"No Brasil, estou alarmada com os recentes ataques contra membros dos povos yanomami e munduruku por mineradores ilegais na Amazônia. As tentativas de legalizar a entrada de empresas em territórios indígenas e limitar a demarcação de terras indígenas -notadamente por meio de um projeto de lei que está em análise na Câmara dos Deputados– também são motivo de séria preocupação", disse a ex-presidente chilena.
Bachelet fez referência ao projeto de lei 490/2007, que muda as regras e dificulta a demarcação de terras indígenas. Aprovado com folga na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em junho, o texto se baseia na tese do marco temporal, ou seja, considera terras indígenas apenas as tradicionalmente ocupadas pelos índios na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em outubro de 1988.
A constitucionalidade do PL, no entanto, está sendo julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que deve retomar a análise na próxima quarta-feira (15).
A chefe de direitos humanos da ONU também exortou as autoridades brasileiras a "reverter as políticas que afetam negativamente os povos indígenas" e a abandonar a ideia de se retirar da convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), adotada em 1989 em Genebra, na Suíça, aprovada pelo Congresso brasileiro em 2002 e tornada lei em 2004 por decreto presidencial.
A norma referida prevê que comunidades tradicionais -como povos indígenas e quilombolas- devem ser ouvidas caso projetos ou empreendimentos, como grandes obras de infraestrutura, afetem seus territórios.
Bachelet fez ainda uma terceira observação sobre o Brasil ao criticar o projeto de lei antiterrorismo. Segundo ela, o texto "inclui disposições excessivamente vagas que representam riscos de abuso, especialmente contra ativistas sociais e defensores dos direitos humanos".
O texto, de autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), propõe, entre outros tópicos, "reprimir ato que, embora não tipificado como terrorismo", seja "potencialmente destrutivo em relação a alguma infraestrutura".
Entidades como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) veem a proposta como um fator de risco de perseguição a movimentos sociais e, se aprovada, como a inauguração de um "Estado de exceção permanente".
No discurso de Bachelet, o Brasil foi o primeiro país a ser citado após uma menção a regiões em que "defensores dos direitos humanos e ambientais são ameaçados, assediados e até mortos, muitas vezes com total impunidade". Levantamento anual feito pela ONG Global Witness e divulgado neste domingo (12), coloca o Brasil na quarta posição no ranking dos países que mais matam defensores do meio ambiente e do direito à terra –os três primeiros são Colômbia, México e Filipinas.
Segundo a ONG, mais de 70% dos casos do país aconteceram na Amazônia, e metade deles teve como alvo os povos indígenas, a quem Bachelet descreveu nesta segunda como um grupo "essencial para os esforços globais de lidar com a degradação ambiental" devido a seus conhecimentos e práticas tradicionais.Para a alta comissária da ONU, a "tripla crise planetária", formada pela combinação de mudanças climáticas, poluição e perda da natureza, está na raiz da ampliação de conflitos, tensões e desigualdades estruturais que forçam as populações a situações cada vez mais vulneráveis.
"À medida que essas ameaças ambientais se intensificam, elas constituem o maior desafio para os direitos humanos em nossa era", afirmou Bachelet, convocando as lideranças mundiais a agirem diante do cenário descrito como "dolorosamente claro".