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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Horas depois que o Nobel da Paz foi entregue a um editor russo, Dmitri Muratov –além da filipina Maria Ressa–, por sua "coragem de lutar pela liberdade de expressão", o Ministério da Justiça da Rússia informou que passou a considerar uma série de jornalistas e publicações como "agentes estrangeiros".
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A designação era usada nos tempos da Guerra Fria para rotular dissidentes políticos e hoje é dada a veículos de imprensa e ONGs em geral críticos ao governo Putin. Nesta sexta (8), nove jornalistas e três empresas ganharam o rótulo.
O portal Bellingcat publicou ao longo dos últimos anos investigações que apontaram a participação do governo russo nos envenenamentos do oposicionista Alexei Navalni em 2020 e do ex-agente secreto Sergei Skripal em 2018. O site também investigou as responsabilidades de Moscou na derrubada do voo MH17 em 2014, que deixou 298 mortos.
Eliot Higgins, britânico fundador do site hoje baseado na Holanda, fez piada no Twitter. "O Bellingcat foi considerado uma ameaça tão grande para a Rússia que fomos declarados agentes estrangeiros", escreveu. "Imagino que este seja o Nobel da Paz russo?"
Os portais MNews.world, com sede nos Estados Unidos, e Caucasus Knot também ganharam a tarja, junto de nove jornalistas, alguns deles bem conhecidos no país. Entre eles estão um conhecido jornalista do serviço em russo da BBC, Andrei Zakharov, além de repórteres de rádio e TV. Daniil Sotnikov, do canal Dozhd TV, escreveu no Twitter: "É desagradável, mas não é o fim do mundo."
Quem recebe o rótulo de agente estrangeiro deve fornecer ao governo russo um relatório detalhado de suas atividades e de suas movimentações financeiras a cada seis meses. Além disso, todo o material que publicam, seja reportagens ou mensagens em redes sociais, deve conter um longo aviso que indica o status de agente externo.
Muratov, um dos jornalistas vencedores do Nobel da Paz nesta sexta-feira, afirmou a um site russo após receber o prêmio que vai "tentar ajudar essas pessoas que foram declaradas agentes, que estão sendo reprimidas, que estão sendo exiladas do país".
O laureado é cofundador e editor-chefe do Novaia Gazeta (novo jornal, em russo), um dos principais veículos de oposição ao governo de Vladimir Putin. O comitê norueguês descreveu o veículo como o mais independente da Rússia atualmente.
Ele é conhecido por investigações sobre corrupção no governo russo e coberturas sobre o conflito na Ucrânia. Ele já perdeu seis colegas do jornal, mortos desde 2001, uma das quais Anna Politkovskaia, morta a tiros no dia do aniversário de Putin em 2006. O prêmio vem um dia após expirar o prazo para que os suspeitos pelo assassinato da repórter fossem indiciados.
O editor russo dedicou a premiação aos colegas mortos e disse que pretende transferir parte do dinheiro do prêmio para uma fundação russa que ajuda crianças com doenças graves e raras.
Ainda que seja alvo de críticas de Muratov, o Kremlin parabenizou o jornalista pela premiação. "Ele trabalha persistentemente de acordo com seus próprios ideais, é dedicado a eles, talentoso e corajoso", afirmou o porta-voz Dmitri Peskov a repórteres pouco após o anúncio do comitê norueguês.
Muratov é o primeiro russo a ganhar o prêmio Nobel da Paz desde o ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov, laureado em 1990 pelo papel desempenhado nas mudanças radicais nas relações Leste-Oeste. Gorbachov, aliás, ajudou a fundar o Novaia Gazeta em 1993, com parte do dinheiro que recebeu do prêmio.