© Waldemir Barreto/Agência Senado
(FOLHAPRESS) - No relatório entregue nesta quarta-feira (20) à CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) aponta ao menos 12 achados da investigação que levaram ao pedido de indiciamento de 66 pessoas e duas empresas.
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Renan conclui que há provas de que o governo Jair Bolsonaro foi omisso e escolheu agir "de forma não técnica e desidiosa" no enfrentamento da pandemia, "expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa".
Ainda argumenta que o presidente era assessorado por uma espécie de gabinete paralelo, com membros que disseminavam fake news e promoviam tratamento ineficaz.
Renan aponta irregularidades em negociações de vacinas, demora para comprar imunizantes eficazes, negligência para evitar o colapso sanitário no Amazonas e falta de planejamento para elaborar e executar o orçamento na pandemia.
O relatório de Renan, ainda sujeito a mudanças, será colocado em votação em sessão na próxima terça-feira (26).
A CPI ainda tem algum poder após a apresentação o relatório final?
Não, pois a aprovação e o encaminhamento do relatório constituem a etapa final da CPI.
Como estratégia para acompanhar os desdobramentos das investigações da comissão, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que preside a CPI, e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentaram a proposta de criação de um grupo permanente, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia.
A iniciativa, porém, depende de aprovação no Senado
A quem o relatório é enviado?
Cada uma das conclusões do relatório pode implicar no envio para órgãos distintos. No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.
No caso de autoridades com foro, caso do presidente, esse papel é desempenhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
GABINETE PARALELO
O governo federal optou por uma forma "não técnica e desidiosa" no enfrentamento da pandemia. O relatório aponta a formação de um gabinete paralelo que aconselhava o presidente Jair Bolsonaro, sem os critérios e protocolos apontados pelos servidores e técnicos do Ministério da Saúde.
O gabinete seria composto por médicos, políticos e empresários, sem cargos oficiais. O grupo defendia que o país adotasse a chamada imunidade de rebanho pela contaminação natural da doença e tratamentos ineficazes.Segundo a CPI, isto teria colaborado para que o governo resistisse à adoção de medidas como distanciamento social, uso de máscaras e a compra de vacinas.
A população foi estimulada a seguir normalmente sua rotina, sem alertar para as cautelas necessárias, apesar de toda a informação disponível apontando o alto risco dessa estratégia.
TRATAMENTO PRECOCE
Segundo a CPI, Bolsonaro ignorou todos os alertas, estudos científicos e as principais autoridades sanitárias do mundo a respeito da ineficácia de medicamentos como a hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19.
A defesa e promoção destes medicamentos foi mantida mesmo quando as principais autoridades sanitárias recomendavam abandonar o tratamento, também em pleno colapso sanitário no Amazonas, aponta o relatório.
A CPI apontou esforços do governo, inclusive diplomáticos, para produzir, comprar ou buscar doação destes fármacos.
A opção de Bolsonaro por induzir o uso destas drogas contribuiu para "uma aterradora tragédia", na qual centenas de milhares de brasileiros foram sacrificados e outras dezenas de milhões foram contaminados, escreve Renan.
O relator ainda afirma que insistir nestes medicamentos em detrimento da vacinação aponta para o presidente como o principal responsável pelos erros do governo na crise sanitária.
PREVENT SENIOR
Renan pede o indiciamento de 8 médicos, um diretor e dos dois donos da Prevent Senior.
Ele aponta que a CPI revelou a "macabra atuação" da operadora, que teria agido em parceria com o governo federal para falsear dados e documentos e promover o uso de medicamentos sem eficácia para a Covid, como a hidroxicloroquina.
"A verdade é que testes clínicos foram conduzidos sem autorização dos comitês de ética em pesquisa, transformando os segurados do plano em verdadeiras cobaias humanas", afirma Renan sobre estudos da operadora.
Ele ainda cita que kits de medicamentos ineficazes eram utilizados sem aval dos pacientes, e que médicos foram perseguidos por se recusarem a prescrevê-los. O relator ainda cita que mortes por Covid foram supostamente ocultadas por declarações de óbito fraudadas.
DISTORÇÃO DE DADOS DA PANDEMIA
O presidente deu declarações falsas para promover a ideia de que os dados da pandemia foram inflados.
Ele apresentou um suposto relatório do TCU, em junho, para argumentar que o número real de mortes no Brasil era menor do que o divulgado pelo próprio governo, mas o tribunal negou a autoria do levantamento.
Mesmo assim, Bolsonaro manteve as declarações baseadas no relatório que era apenas uma análise interna de um servidor do tribunal, filho de um amigo do presidente, com dados frágeis e não validada.
O relatório ainda aponta que houve alteração no documento para dar a impressão de que o papel era mesmo do TCU.
RECUSA E ATRASO NA AQUISIÇÃO DE VACINAS
O relatório aponta que "a mais grave omissão" do governo Bolsonaro na pandemia foi o "atraso deliberado" na compra de vacinas.
O texto cita atraso deliberado para a compra dos imunizantes Coronavac e da Pfizer, com impacto no calendário de vacinação. Renan afirma que o governo "centralizou sua atenção" na vacina da AstraZeneca, em vez de ampliar opções.
Aponta ainda falta de iniciativa do governo para promover mudanças legislativas necessárias para fechar contratos.
"Essa atuação negligente apenas reforça que se priorizou a cura via medicamentos, e não a prevenção pela imunização, e optou-se pela exposição da população ao vírus, para que fosse atingida mais rapidamente a imunidade de rebanho", afirma o relatório.
O texto ainda cita que 12,6 mil pessoas com mais de 60 anos não teriam morrido se as vacinas da Pfizer fossem compradas com antecedência.
CRISE DO ESTADO DO AMAZONAS E FALTA DE COORDENAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL
O relatório aponta que o colapso sanitário no Amazonas no começo de 2021 era previsível, pois o estado havia enfrentado crise sanitária na primeira onda da doença e especialistas apontavam chance alta de aumento do contágio com as festas de fim de ano.
O texto afirma que Manaus "se tornou um laboratório humano", pois no auge da crise na cidade o Ministério da Saúde promoveu a entrega de hidroxicloroquina e lançou um TrateCov, aplicativo que indicava o kit Covid até para bebês.
Ainda aponta falhas na entrega de insumos básicos, como oxigênio. "Essas ações e omissões revelaram que, a um só tempo, o povo amazonense foi deixado à própria sorte e serviu de cobaia para experimentos desumanos", escreveu Renan.
O CASO COVAXIN
A CPI também aponta que descortinou esquema de corrupção no Ministério da Saúde ao levantar supostas irregularidades e de crimes nas negociações de vacinas.
Um dos casos mais impactantes foi o da vacina Covaxin, comprada por meio da Precisa Medicamentos, que empurrou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), ao centro das apurações da CPI.
Isso porque o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luís Ricardo Miranda, servidor da Saúde, dizem que levaram as suspeitas a Bolsonaro, que teria perguntado se Barros estava envolvido. O presidente nunca negou o questionamento.
A contratação da Covaxin por R$ 1,6 bilhão foi marcado por açodamento e pressão da cúpula da gestão de Eduardo Pazuello para liberar a importação das doses, atropelando ritos sanitários, no momento em que o governo desdenhava de ofertas como a da Pfizer.
O contrato com o governo foi rompido após estourarem as suspeitas, que incluem a falsificação de documentos e emissão de carta-fiança com uma empresa (Fib Bank) que não é habilitada para a operação. A fabricante da vacina, Bharat Biotech, também rompeu com a Precisa.
A CPI também avalia que o Ministério da Saúde passou a negociar vacinas num mercado paralelo, por meio de pequenos empresários, militares e até um líder religioso que prometiam milhões de doses, mas não tinham acesso algum às farmacêuticas.
A soma destes casos levou à demissão de Roberto Ferreira Dias do cargo de diretor de Logística da Saúde. A Folha de S.Paulo revelou que Dias, indicado do centrão, teria pedido propina para negociar as doses, segundo o cabo da PM Luiz Dominghetti.
HOSPITAIS FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO
A partir de uma relação de 37 empresas, chegou ao conhecimento da CPI uma análise preliminar de extratos de contratos de seis hospitais e dos três institutos federais do Rio de Janeiro, com indícios de conluio entre empresas concorrentes para partilha dos contratos de prestação de serviços continuados.
Tal suspeita decorre da existência de muitas contratações mediante dispensa de licitação; constatação de frequentes alterações de prazo, valor e objeto dos contratos; além da desproporcionalidade dos valores dos serviços prestados quando levada em consideração o porte das unidades de saúde entre si e em relação a outros estabelecimentos hospitalares públicos.
A CPI, porém, teve pouco tempo para analisá-las, até porque os fatos relativos aos Hospitais Federais do Rio de Janeiro surgiram no curso da investigação. Por isso, a CPI pediu o compartilhamento de documentos com o Ministério Público Federal para que promova a responsabilização civil ou criminal dos eventuais infratores.
CASO VTCOPERADORA DE LOGÍSTICA LTDA (Vtclog)
A CPI também identificou uma autorização de pagamento que teria contrariado parecer da área técnica do Ministério da Saúde gerando benefício financeiro irregular à empresa VTCLog, responsável pela logística do órgão. Pelo método proposto pelos técnicos, o reajuste devido seria de R$ 1 milhão.
O então diretor de logística da pasta, Roberto Dias fez uma contraproposta e aceitou pagar R$ 18,9 milhões a mais do que o valor originalmente contratado.
Ao analisar os documentos do processo licitatório, a CPI identificou a presença de uma série de indícios que demonstram a possível ocorrência do chamado "jogo de planilha", artifício que seria utilizado para possibilitar que um licitante vença o certame de maneira aparentemente legal e, posteriormente, passasse a manipular preços mediante termos aditivos, em prejuízo ao erário.
Identificaram-se saques de vultosas quantias em dinheiro feitas por um empregado da VTCLog, supostamente para pagamento de boletos e fornecedores.
Segundo a CPI, o uso desse artifício aponta para a tentativa de ocultar a destinação do dinheiro, que provavelmente serviu para o pagamento de propina.
Verificou-se também que boletos de Roberto Dias foram pagos pela VTCLog com dinheiro proveniente desses saques, o que constitui indício de corrupção nas transações entre o Ministério da Saúde e a empresa.
INDÍGENAS
Na véspera de apresentar o relatório à CPI, Renan atendeu a pedidos de colegas e retirou as sugestões de indiciar Bolsonaro e outras autoridades pelo crime de genocídio por ações ligadas à saúde de indígenas na pandemia.
No relatório, porém, o senador afirma que há "fortes indícios" de crimes contra a humanidade praticados contra povos indígenas na pandemia. Diz ainda que "não é segredo" que o governo deliberadamente agiu contra os direitos indígenas.
O senador cita que a gestão Bolsonaro se recusou a fornecer insumos vitais, como água, e que manteve "atitude ambígua e recalcitrante" quando cobrado judicialmente a elaborar plano robusto de assistência aos povos tradicionais.
Renan afirma ainda que a campanha de fake news sobre a vacina promovida por Bolsonaro atingiu as comunidades indígenas, dificultando a adesão às políticas de imunização.
FAKE NEWS
Renan pede o indiciamento que Bolsonaro e seus filhos Carlos, Flavio e Eduardo por incitação ao crime, por causa da disseminação de fake news. Ele aponta que os quatro lideravam a propagação de informações falsas e distorcidas sobre a pandemia.
Renan ainda pede ações pelo mesmo crime contra integrantes do suposto "gabinete paralelo", além de deputados e outras pessoas que teriam atuado para desenformar.
"A falsa sensação de segurança, desencadeada por informações inverídicas contribuiu decisivamente para o aumento do número de infectados e mortes", escreve o relator.
ANÁLISE ORÇAMENTÁRIA
O relator afirma que o governo distorceu dados sobre repasses de verbas a estados e municípios relacionados ao combate à pandemia. Ele afirma que as cifras apresentadas pela gestão Bolsonaro somavam até mesmo transferências obrigatórias e ordinárias.
As "informações incompletas" tentam sugerir "esforço maior do que o realmente ocorrido", escreve o relator. Ele ainda aponta que a maioria das ações realizadas por meio dos orçamentos da União teve participação decisiva do Congresso.
Destaca também que a gestão Bolsonaro reservou recursos para fabricar e comprar medicamentos sem eficácia, como a hidroxicloroquina, mesmo quando já se sabia que estes fármacos não funcionam para Covid.