© Pedro França/Agência Senado
RENATO MACHADO E JULIA CHAIBBRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - No momento decisivo da CPI da Covid, o grupo majoritário que comanda as ações do colegiado precisou enfrentar mais uma crise interna que colocou em risco a unidade para aprovar o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
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A atuação de bombeiros e acordos para promover ajustes no relatório ajudaram a contornar momentaneamente o problema. O clima de tensão e disputas, no entanto, seguem nos bastidores, inclusive com a ameaça de defecções na votação do documento final da comissão, nesta terça-feira (26).Na última quarta-feira (20), Renan leu o relatório final em uma sessão da comissão marcada por emoção e discursos de impacto. Foram ressaltados o caráter histórico da CPI e houve muitas promessas de justiça. Renan e o presidente Omar Aziz (PSD-AM) trocaram uma série de elogios.
O clima contrastava com os momentos que precederam a sessão. O chamado G7 havia mergulhado em uma grave crise por causa de divergências sobre o relatório e pelo seu vazamento.
Os integrantes do grupo apontam que havia um acordo para que Renan se reunisse individualmente com os senadores para discutir pontos do relatório.
Ainda na semana anterior à leitura do relatório, em uma reunião virtual na sexta-feira (15), os senadores deixaram claro que havia discordância sobre propor o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por genocídio da população indígena.
O relator escutou a demanda por mais debate a respeito do assunto e prometeu discutir o tema. Mais tarde no mesmo dia, porém, senadores explodiram em revolta ao lerem na imprensa os pri ncipais trechos do relatório final, que continha a tipificação de genocídio.
Embora a reação tivesse sido geral, deixando Renan isolado, as expressões de descontentamento mais fortes partiram justamente de Aziz.
"É de conhecimento dele [Renan]. Ele não vazou esse relatório sem saber que a gente queria discutir essa questão. Então, se você me perguntar se está tudo bem, não, não está tudo bem", afirmou o presidente da CPI.
"Ia haver divergência? Ia. Mas [a gente chegaria] unificado. E não a imposição de um relatório achando que alguém é dono da verdade a essa altura do campeonato", disse o senador.Os membros do grupo majoritário afirmaram que por trás da reação a Renan estava um sentimento de traição, ciúmes, discordâncias técnicas e mesmo feridas antigas abertas.Os senadores acusaram Renan de buscar protagonismo no momento decisivo da CPI da Covid. Aziz e Otto Alencar (PSD-BA) foram as principais vozes críticas ao relator no grupo de WhatsApp dos membros.
Em relação a Aziz, não foi o primeiro ponto de atrito com o relator. O presidente da CPI disse a colegas que ainda "não engoliu" o episódio do pedido de prisão do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten.
Aziz achava estar claro que havia um acordo de não determinar a medida contra o ex-secretário, mas foi surpreendido com o pedido de prisão de Renan, ato que rapidamente inflamou outros senadores. Ao presidente caiu o ônus de negar a prisão.
Outro ponto de discordância foi quando Renan tomou o lado do senador Eduardo Braga (MDB-AM), amazonense como Aziz.O presidente da CPI exigiu apoio para aprovar requerimentos de quebras de sigilo e convocações de adversários políticos no Amazonas, sendo alguns deles aliados próximos de Braga.
Renan resistiu, e Aziz reagiu não pautando nenhum requerimento do alagoano na sessão seguinte da comissão. A relação entre os dois foi restabelecida, mas ainda com fissuras.O relatório final da CPI da Covid do Senado Pedro Ladeira/Folhapress O relatório final da CPI da Covid do Senado ** A questão específica do genocídio enfrentava uma dupla resistência. Juridicamente, alguns membros afirmaram que não havia elementos para usar a tipificação. Além disso, Aziz tinha resistência política.
No Amazonas, a defesa de questões indígenas significa desagradar o importante eleitorado evangélico, fundamental na eleição local.
Em meio à crise, o senador Humberto Costa (PT-PE) e o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entraram em campo para tentar reaproximar Aziz e Renan. Reuniram-se com o presidente da CPI e ouviram que ele não "queria papo" com o relator.
Tasso Jereissati (PSDB-CE) também se posicionou para buscar uma solução. Promoveu no dia anterior à leitura do relatório, terça-feira (19), uma reunião em sua casa para acertar os ponteiros do relatório, marcada por bate-bocas e discussões ríspidas entre os congressistas.
A polêmica questão do genocídio contra indígenas, tema central das trocas de acusações públicas, acabou resolvida na reunião sem grandes problemas.
Costa levou uma cópia do Tratado de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, para argumentar que não seria possível enquadrar as ações e omissões de Bolsonaro referentes aos indígenas.
Ainda segundo relatos de participantes, Braga deixou claro ao colega de partido, Renan, que ficara insatisfeito com o teor do parecer.
Além de discordar do pedido de indiciamento do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) por advocacia administrativa, entre outros pontos, o que mais irritou o senador foi a ausência do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e ex-secretários de Saúde do estado.
O senador do Amazonas elaborou um adendo ao relatório de Renan propondo novos indiciamentos. Se os pedidos não forem acatados, Braga admitiu a pessoas próximas que pode apresentar um voto em separado, isto é, um relatório alternativo ao do correligionário.
Segundo aliados, o amazonense ficou bastante chateado com Renan, até porque partiu dele próprio a indicação do nome do alagoano para ser o relator da CPI.
No início da semana, Renan foi chamado de traidor e exibicionista.
O grupo majoritário conta com 7 das 11 vagas titulares na CPI. O relatório precisa ser aprovado por maioria simples dos membros participantes da sessão.
Em outro momento tensão da reunião, Renan foi cobrado pelo vazamento do relatório. Aziz disse exaltado para o relator que ele teria vazado o documento para aparecer mais que os colegas.Outros membros então tentaram colocar panos quentes. Mais para a frente, Renan explicava um ponto do texto e disse que o relatório teria vazado, sinalizando que a ação não partiu dele. Puxados por Aziz, todos explodiram em uma sonora gargalhada.Na hora da descontração, porém, em um jantar em que foi servido peixe e arroz de pato, Aziz já não estava mais presente.Após a apresentação do relatório, além de Braga, outros senadores começaram a pressionar Renan para a inclusão de novos nomes na lista de indiciamentos.
Muitos senadores afirmam ser bem possível a realização de novas negociações em bastidores e jantares, para que na sessão de terça-feira (26) todos possam voltar a trocar elogios públicos.
PRÓXIMOS PASSOS DA CPIPrevisão de votação do texto Terça (26)Principais divergências Um dos pontos, como relatou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, é a proposta de indiciamento de Bolsonaro pelo crime de genocídio contra a população indígena.Os membros do G7, como é conhecido o grupo majoritário da comissão, também divergem sobre a inclusão de membros da família do presidente Bolsonaro entre as propostas de indiciamento
O QUE ACONTECE APÓS A VOTAÇÃO DO RELATÓRIOA CPI ainda tem algum poder após a apresentação o relatório final? Não, pois a aprovação e o encaminhamento do relatório constituem a etapa final da CPI.Como estratégia para acompanhar os desdobramentos das investigações da comissão, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que preside a CPI, e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentaram a proposta de criação de um grupo permanente, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia.A iniciativa, porém, depende de aprovação no SenadoA quem o relatório é enviado? Cada uma das conclusões do relatório pode implicar no envio para órgãos distintos. No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.No caso de autoridades com foro, caso do presidente, esse papel é desempenhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR)