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RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - A primeira música em espanhol de Marília Mendonça, "Amigos con Derechos", que acaba de ser lançada nas plataformas de streaming, revive uma discussão antiga entre a indústria musical -a dificuldade de exportar o sertanejo.
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A canção, sobre as frustrações de uma amizade colorida, é fruto de uma parceria de Mendonça, morta há um mês e meio, com Dulce María, ex-atriz de "Rebelde", uma novela mexicana que fez sucesso entre crianças e adolescentes nos anos 2000.
Se estivesse viva, Mendonça não seria o primeiro nome do sertanejo a tentar cruzar as fronteiras. No início dos anos 1990, a dupla mais emblemática do gênero, Chitãozinho & Xororó, tentou se lançar no exterior, começando pela América Latina.
Com sucessos como "Guadalupe", Chitãozinho & Xororó abasteceram trilhas-sonoras de novelas em espanhol e chegaram ao topo da principal parada musical latina -a "Hot Latin Singles", da revista Billboard-, posição que Roberto Carlos tinha sido o único brasileiro a alcançar.
A dupla trilhou um caminho que, ano após ano, seus contemporâneos tentam seguir sem sucesso. Não funciona nem quando tentam verter suas composições para o espanhol, como fez a dupla Victor & Léo, nem quando se distanciaram do gênero e fazem parcerias com nomes já estabelecidos no mercado latino, caso de Luan Santana, que gravou com Enrique Iglesias.
Há exceções. É o caso de "Ai se Eu te Pego", de Michel Teló, que viralizou em 2011, quando Cristiano Ronaldo, um dos maiores jogadores de futebol do mundo, à época com a carreira ainda em ascensão, dançava o hit em campo ao marcar um gol.
A música era alavancada pelos jornais estrangeiros, que tentavam explicar ao público de onde vinha a dancinha do jogador, que ainda passou a ser reproduzida por outros astros do futebol e de outros esportes.
Mas por que será que Teló, assim como Chitãozinho & Xororó, não transformou um hit que se popularizou mundo afora numa carreira internacional?
É uma dúvida que ressurge com o lançamento de "Amigos con Derechos". Embora tenha sido María que convidou Mendonça para o dueto, a sertaneja já publicava nas redes sociais versões em espanhol de seus maiores sucessos, estudava espanhol semanalmente e marcava shows no exterior, indicando a vontade que tinha de cruzar as fronteiras.
Mas será que, se estivesse viva e de fato tivesse essa vontade, Mendonça seria bem-sucedida ao se lançar no mercado latino? Será que, vertidas em espanhol, suas letras seriam cantadas a pleno pulmão por multidões em países como o México?
Para jornalistas e pesquisadores que se debruçam há anos sobre a indústria musical, é uma pergunta cuja resposta dependeria muito mais da cantora do que da música.
Especializada na cobertura do cenário musical latino-americano, Mariana Cananda diz que, embora seja distante de ritmos dançantes como a bachata e o reggaeton, a sofrência da qual Mendonça era a rainha encontra paralelos noutros ritmos latinos de sucesso, como o bolero de Luiz Miguel e a ranchera de Vicente Fernández.
"São ritmos com letras fortes -sobre amor, tristeza e decepções-, que poderiam ter um diálogo [com o trabalho de Mendonça]", explica a jornalista, que escreve para o portal Hits Perdidos e para a página Rádio Color, no Instagram.
Ocorre que o sucesso de uma música não depende somente da sonoridade, principalmente na era em que canções são criadas para viralizar a partir de dancinhas e desafios no TikTok. É o que relembra o jornalista André Piunti, autor do livro "Bem Sertanejo", que narra a trajetória de Michel Teló com "Ai se Eu te Pego".
"Chance de fazer sucesso no exterior a Marília teria, mas ela precisaria ir além de lançar uma música. Teria que abrir mão de ser uma grande artista no Brasil para baixar a bola e começar do zero lá fora. Teria que ir morar num país como o México, ou pelo menos passar alguns meses do ano lá, para fazer uma social com compositores, gravadoras e até outros cantores."
É o que os sertanejos como Teló e Victor & Léo não quiseram fazer, diz Piunti, por não quererem abrir mão do conforto e do sucesso -ou seja, do dinheiro- que tinham garantido no Brasil.
É uma trajetória diferente, o jornalista ainda diz, da de Anitta, que tem feito sucesso na América Latina, onde faz parcerias com nomes de peso, como Maluma e J. Balvin.
Além de ter esculpido sua carreira no funk, o gênero brasileiro que mais faz sucesso no exterior, e ter se enveredado pelo pop, que também arrasta multidões mundo afora, diferentemente do sertanejo, Anitta se dispõe a sair do país para encontrar seu espaço -não para fazer shows para brasileiros, mas para marcar presença e manter contato próximo com figuras importantes do mercado.
"A Anitta faz isso porque o dinheiro dela não vem só de show. Na verdade, vem mais de publicidade e de outras apostas. É diferente dos sertanejos, porque a renda deles vem praticamente toda de shows. Para eles, é difícil abrir mão de dezenas de shows para ir para fora fazer uma aposta que ninguém sabe se vai dar certo", diz Piunti.