Grupos repudiam proposta do Ministério da Saúde de tratar autistas com eletrochoque

O método usa uma corrente elétrica a fim de produzir uma convulsão generalizada a fim de controlar o comportamento do paciente

© Shutterstock

Brasil SAÚDE-AUTISMO 17/12/21 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (UOL-FOLHAPRESS) - Mais de 50 entidades e grupos atuantes nas áreas da psiquiatria, psicologia e direitos humanos publicaram nesta sexta-feira (17) nota de protesto contra consulta pública realizada pela Conitec/SUS (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) sobre o tratamento com eletrochoques em pacientes do espectro autista.

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O órgão, vinculado ao Ministério da Saúde, abriu a sondagem neste mês e indicou sua recomendação favorável ao procedimento. Procurada pelo UOL, a pasta não havia se manifestado sobre a nota de protesto até a última atualização desta reportagem

A Conitec, defende o uso de eletroconvulsoterapia (ETC) para tratar comportamentos agressivos de pacientes do espectro autista (TEA) no Brasil. O método usa uma corrente elétrica a fim de produzir uma convulsão generalizada a fim de controlar o comportamento do paciente.

Mas, segundo as entidades signatárias da nota de repúdio, o método, além de arcaico, o uso desse tipo de procedimento viola a convenção dos direitos humanos e é considerado como tortura pela própria ONU (Organização das Nações Unidas).

"As referências bibliográficas apresentadas no protocolo do Ministério da Saúde apontam para as situações de catatonia (caso em que psiquiatria argumenta que há evidências científicas para o seu uso) e estudos de valor científico precário. Das 17 citações para fundamentar o procedimento, nenhuma delas se dirige à questão central do documento que é o comportamento agressivo", afirmam as entidades.

Embora apontada como recurso para tratamento de pacientes com depressão grave, a eletroconvulsoterapia no passado foi associada a torturas em pacientes e abusos cometidos por profissionais de hospitais psiquiátricos.

Em 2013, um relatório da ONU apontou que o uso do tratamento com choque para controlar o comportamento de pacientes violava a convenção da ONU contra a tortura.

No ano passado, a FDA, órgão equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, proibiu a prática em pessoas que possam ser agressivas ou que ofereçam perigo de se machucar. A FDA justificou que o método expõe os pacientes a "risco irracional e substancial de doença ou lesão".

O QUE INSPIROU A CONSULTA

Baseado num relatório intitulado "Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do comportamento agressivo no transtorno do espectro do Autismo", o relatório da Conitec, publicado em novembro, afirma que os resultados do procedimento "têm sido promissores".

Na avaliação da comissão, a avaliação é fruto de "cobertura midiática" e "indicação" inadequadas ocorridas anteriormente.

"O uso da ECT da psiquiatria e neurologia declinou de maneira significativa na década de 1970 e se deu por diversos motivos: o avanço das terapias farmacológicas, uma cobertura midiática inadequada durante a luta antimanicomial e relatos de pacientes que foram submetidos a essa técnica sem indicação adequada ou até de maneira punitiva, todos esses fatores estigmatizaram o uso da ECT", diz o texto do órgão do governo.

De acordo com o texto, as técnicas atuais permitiriam que o método fosse aplicado de forma segura.

"Atualmente, a técnica empregada utiliza aparelhos mais modernos, permitindo uma regulação mais adequada da carga, a possibilidade de controlar o comprimento de onda utilizada e a frequência do disparo da corrente elétrica. Além disso, para conforto e segurança do paciente, são empregados anestésicos, bloqueadores musculares e fármacos que evitam os efeitos vagais do procedimento".

Segundo as entidades contrárias, a versão do documento submetido à consulta pública faz uso de uma definição vaga e contestável do que são comportamentos agressivos. "Há estreita relação desses comportamentos com o meio, com as barreiras e com a falta de acesso a apoio e a outros direitos fundamentais, o que é frequentemente ignorado", dizem os signatários.

"Por essa razão, urge a necessidade de uma mudança de paradigma no que se refere ao acesso à saúde e à habilitação e à reabilitação: o capacitismo e a falta de acessibilidade não podem ser combatidos com intervenções médicas", dizem as entidades contrárias à consulta pública.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Ao Estadão, o pediatra e neurologista infantil Clay Brites, do Instituto NeuroSaber, afirma que pessoas autistas precisam de atendimento de qualidade no sistema público e que a eletroconvulsoterapia é um "retrocesso".

"Trata-se de uma política de saúde equivocada porque o autismo não pode ser encarado como um processo no qual essa terapia vai resolver todos os problemas. A liberação em centros específicos ou generalizados do SUS é temerária.

Antes dessa preocupação, o SUS deveria buscar o atendimento correto, multidisciplinar, aplicado de maneira ampla, com as famílias, e melhorando o acesso aos pacientes que mais precisam", diz Brites.

Para Rosana Onocko, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o estímulo à compra desse tipo de aparelho preocupa não pela eficácia ou não em alguns casos, mas devido ao risco de uso sem controle.

"Uma vez que o SUS já dispõe disso [em alguns hospitais, mas sem financiamento federal], isso levanta a suspeita sobre a quem interessa essas compras", afirmou Rosa à Folha.

Na avaliação do psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, a medida deveria ser precedida de estudos.

"Com o histórico da eletroconvulsoterapia no Brasil, qualquer passo na direção do financiamento deveria ser precedido de forte regulação e estrutura de fiscalização, porque o histórico é muito negativo", diz, relembrando os casos de mau uso desse tipo de terapia no passado. "Começar já com o financiamento de aparelhos me parece a pior maneira."

Quem assina a nota de protesto contra a Conitec

Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas - AbraçaAssociação Brasileira de Saúde Mental - AbrasmeMovimento Vidas Negras com Deficiência Importa - VDNIConselho Federal de Psicologia - CFPMovimento Psiquiatria, Democracia e Cuidado em LiberdadeNúcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental - NUPPSAMInstituto LagartaLaboratório Interunidades de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise - LATESFIP USPDespatologizaInstituto Viva InfânciaMovimento DownEu Me ProtejoInclusive - Inclusão e CidadaniaFrente Nacional das Mulheres com DeficiênciaMandato do Senador Paulo Paim (PT/RS)Mandato da Vereadora Laura Durigon Ajala(PCdoB/Cruz Alta-RS)ONG Construindo Igualdade/RSIDAI- Instituto Direito, Acessibilidade e InclusãoFederação Brasileira das Associações de Síndrome de DownAUSSMPE- Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Pelotas RSRadioCom 104.5 FM - Pelotas-RSAssociação Arte e Cultura Nau da Liberdade RSAMAR - Associação Amigos dos Autistas de RegistroPrograma Gente Como a gente - Pelotas-RSCentral dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil-CTB RSCentral dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil-CTB - NacionalUrbe - Instituto de Psicologia Social e PsicanáliseAdunisinos - Associação dos Docentes da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

COMITÊ DEFICIÊNCIA E ACESSIBILIDADE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA

Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - RENILAAssociação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de MG -ASUSSAM/MGAssociação de Usuários e Familiares de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Alagoas - ASSUMA/ALAssociação de Usuários, Familiares e Amigos da Luta Antimanicomial de Palmeira dos Índios/AL - ASSUMPI/ALAssociação Loucos Por Você - Ipatinga/MGColetivo Baiano da Luta Antimanicomial - CBLA/BAFórum Cearense da Luta Antimanicomial/CEFórum de Saúde Mental de Maceió/ALFórum Gaúcho de Saúde Mental - FGSM/RSFórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba - FLAMAS/SPFórum Mineiro de Saúde Mental/MGFrente Mineira Drogas e Direitos Humanos/MGMovimento da Luta Antimanicomial/PAMovimento Pró-Saúde Mental/DFNúcleo de Estudos Pela Superação dos Manicômios - NESM/BANúcleo de Mobilização Antimanicomial do Sertão - NUMANS/PE-BANúcleo Estadual da Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades/PESinPsi-SP Sindicato dos Psicólogos no Estado de São PauloFENAPSI Federação Nacional dos PsicólogosSindifarsColetivo Hawking de Alunos com Deficiência do ParanáRevibra - Rede europeia de apoio às vítimas brasileiras de violência domésticaAssociação ConstruçãoPrograma de Residência Multiprofissional do IPUB-UFRJNuplic (Programa de pós graduação em psicologia social PUC SP)

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