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CAROLINA LINHARESSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A internação do presidente Jair Bolsonaro (PL) devido a uma obstrução intestinal relacionada à facada sofrida em 2018 adiantou os embates sobre o tema que tendem a ser resgatados durante a campanha eleitoral deste ano.
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Bolsonaro, seus familiares e apoiadores publicaram fotos do mandatário de cama no hospital, pediram orações e lembraram que o presidente foi vítima de uma tentativa de homicídio praticada por um ex-filiado do PSOL.
Ao receber alta, na quarta-feira (5), Bolsonaro voltou a insistir na tese de que o autor da facada, Adélio Bispo de Oliveira, não agiu sozinho e que a investigação sobre o atentado, reaberta em novembro passado, irá apontar mandantes da esquerda.
Para bolsonaristas ouvidos pela reportagem, a facada será um tema inescapável na campanha, ainda que não seja central. Isso porque são esperadas novas revelações da apuração da Polícia Federal ao longo do ano e porque a saúde e a segurança de Bolsonaro serão alvo de preocupação nesse período de agendas intensas.
Com o intestino fragilizado pelas cirurgias, a possibilidade de uma nova internação de Bolsonaro no ano eleitoral é admitida pelo médico Antônio Luiz Macedo, responsável pelo presidente. Dieta regrada e mastigação correta poderiam evitar novas dores."Vai ser difícil seguir isso, eu não consigo me controlar", afirmou o presidente ao receber alta no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo. Na quinta (6), disse não garantir que "lá na frente" não vá "tomar um caldo de cana e comer um pastel".O TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou a reabertura do caso após pedido do advogado Frederick Wassef, que representa Bolsonaro. A expectativa é que a análise de dados bancários e do celular do advogado Zanone de Oliveira Júnior, um dos defensores de Adélio, leve a supostos cabeças –embora duas investigações anteriores da PF tenham apontado que o autor da facada agiu sozinho.
O jornal Folha de S.Paulo revelou que a PF escolheu um delegado que já investigou o PCC (Primeiro Comando da Capital) para assumir o inquérito. Falta o acórdão da decisão do TRF-1 ser publicado para que as medidas ganhem celeridade.
"Adélio Bispo não é louco e não agiu sozinho", diz o defensor do presidente. "A morte de Bolsonaro foi encomendada pela esquerda", segue Wassef.
A esquerda, disse Bolsonaro em entrevista à imprensa no hospital, é agressiva e tem "tentado eliminar seus adversários não interessa como".
Adélio foi filiado ao PSOL de Uberaba (MG) de 2007 a 2014, mas nunca militou. Ele foi considerado doente mental pela Justiça e, por isso, inimputável.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, afirma que a facada é a prova de que Bolsonaro não propaga discurso de ódio, como acusa a oposição, mas é vítima dele. Em entrevista à CNN, o senador falou que seu pai "quase deu a vida por aquilo que acreditava".
"Algumas pessoas ainda insistem que houve uma espécie de facada fake, uma idiotice sem tamanho. [...] A gente sabe que ódio está do outro lado. [...] A gente é vítima desse ódio", afirmou.
Na outra ponta, políticos de esquerda também fizeram circular nas redes suas reações e versões sobre a facada. Bolsonaro foi criticado por se vitimizar. Sua internação no primeiro dia útil do ano, após férias em Santa Catarina e quando deveria voltar ao trabalho em Brasília, foi alvo de chacota.
Os xingamentos de "vagabundo" e a percepção de que Bolsonaro usava sua condição de saúde de forma política foram reforçados pela revelação de que o problema fora causado por um camarão não mastigado e pela escolha do presidente de, no mesmo dia em que deixou o hospital, ir a um jogo de futebol beneficente de cantores sertanejos.
Bolsonaro e os filhos também passaram a ser questionados sobre a condição de saúde ser usada como desculpa para faltar a debates, já que a facada impossibilitou, em 2018, a participação nos enfrentamentos diretos com adversários. Flávio respondeu à CNN que seu pai não foge de debates.
"Uma dor de barriga conveniente, e o desprezo de Bolsonaro pelo Nordeste some do noticiário", tuitou o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), lembrando que a internação aconteceu durante o desgaste de Bolsonaro por ter mantido suas férias na praia em meio às enchentes na Bahia.
Em julho do ano passado, quando também se internou pelo mesmo motivo, Bolsonaro estava tragado por acusações de que o governo cobrara propina na compra de vacinas.
Na época, como mostrou a Folha de S.Paulo, a questão médica acabou aumentando a popularidade digital do presidente.
Para parte da esquerda, no entanto, a facada não é apenas uma sequela usada como arma eleitoral, mas uma armação -a tese sem lastro em provas também voltou ao debate durante a semana e foi duramente rebatida por Bolsonaro.
Ao ser questionado sobre eventuais benefícios ou prejuízos que a facada pode lhe proporcionar na eleição de 2022, Bolsonaro se voltou contra a narrativa da "fakeada".
"Querer politizar uma tentativa de homicídio? As imagens mostram a faca entrando e o brilho dela, inclusive, quando sai. Falar que é uma faca fake? [...] Querer levar para a politização, falar que estou me vitimizando? Está de brincadeira comigo", disse em entrevista à imprensa.
Para o aliado de Bolsonaro e deputado estadual Gil Diniz (sem partido-SP), que é próximo da família e esteve em Juiz de Fora (MG) no dia da facada, "a tentativa de homicídio por um ex-militante do PSOL é clara e notória, é um fato político"."Não é que a gente vá usar isso como bandeira de campanha, mas é natural que se lembre que um militante de esquerda tentou assassiná-lo. Não é para capitalizar politicamente", disse.
"Tenho certeza de que jamais ele se internaria sem uma causa. Ele é muito forte e sincero. É só quando chega no limite da dor e da saúde para ele usar esse recurso", completou.
Assim como o entorno do presidente, Gil entende que uma nova obstrução intestinal pode acontecer a qualquer momento. Também pontua que incentivos, nas redes sociais, à morte de Bolsonaro podem culminar em novas tentativas de assassinato.
A internação mobilizou aliados, resgatou a memória da facada e uniu ministros e apoiadores em uma corrente de oração -Bolsonaro voltou a ser pintado como mártir.
No Telegram, as publicações sobre a internação e a alta contabilizaram, respectivamente, mais de 2,3 mil e mais de 3,2 mil comentários, a maioria religiosos e de solidariedade.
Ainda assim, Gil não vê saldo eleitoral positivo. "Ele quase foi assassinado, não acho que ele lucra politicamente com isso", diz. E acusa a esquerda: "Quem sofre a intolerância e a violência somos nós".O deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), que deverá fazer campanha para Bolsonaro, diz que "se vitimizar não é o perfil do presidente"."Não vejo como uma pessoa no hospital ganha voto por pena e compaixão. Quem usa a internação politicamente é a oposição, que deseja a morte dele. Eu jamais desejaria a morte do Lula", afirma, citando o provável candidato petista e principal rival de Bolsonaro em 2022.
Nunes pondera, porém, que a investigação retomada tem potencial para alavancar a reeleição. "Se isso vier para a discussão da campanha, só vai beneficiar Bolsonaro. Durante este ano, vamos saber quem foram os mentores da facada e, certamente, eles estarão disputando a eleição", diz.
Otávio Fakhoury, empresário próximo da família Bolsonaro e presidente do PTB em São Paulo, também aposta que a apuração vai trazer fatos novos e que o tema será explorado na campanha: "Quem que passou por isso e não falaria disso?".
"Bolsonaro vai usar isso porque ele é constantemente vítima de apologia de assassinato", afirma Fakhoury.O aliado de Bolsonaro avalia que a campanha de 2022 será mais difícil do que a anterior, com menos espaço para apelo emocional."A facada reforçou a imagem de um candidato antissistema. Isso naquela época. Agora, como presidente, por mais que as pessoas tenham esse lado emocional com a facada, muitos vão analisá-lo pelo mandato dele, como gestor, não como outsider", resume.
Políticos de esquerda consultados pela reportagem acreditam que Bolsonaro usará a facada para tentar obter votos e fugir dos debates, mas que essa fórmula já não funcionará.
"Bolsonaro devia ter vergonha na cara de fazer qualquer insinuação em relação à esquerda. O azar dele e de seu projeto de poder é que teoria conspiratória e criação de fantasma não coloca comida na mesa, não dá emprego, não controla pandemia, não põe vacina no braço das crianças", diz o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP)."Como médico, sempre serei solidário à internação de qualquer pessoa, mas eu fico muito indignado ao ver Bolsonaro, ao sair do hospital, em vez de ir para a Bahia socorrer as vítimas das enchentes, ter ido a Goiás participar de churrasco e jogo de futebol", afirma.
"Quando ele sai do hospital para ir a um jogo festivo, ele demonstra desprezo até com a solidariedade e preocupação dos brasileiros", concorda o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), para quem a vitimização de Bolsonaro só agrada seus apoiadores radicais.
"Para além desse núcleo, tenho a impressão de que o efeito é inverso. Todo mundo vai se lembrar das férias, da saída para o futebol", completa.