PM falou com autor de agressão homofóbica no Le Jazz, em São Paulo, e não agiu

Mesmo com o agressor no local do ataque, a polícia não deu voz de prisão ao homem acusado

© Divulgação

Justiça Homofobia 17/03/22 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Polícia Militar de São Paulo respondeu a um chamado na noite de sexta-feira (11) e esteve presente no restaurante Le Jazz, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, menos de uma hora após um cliente do restaurante ser agredido por outro com ofensas homofóbicas. O agressor e testemunhas ainda estavam no local, mas a polícia não deu voz de prisão ao homem acusado de ser o autor dos ataques.

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A vítima registrou boletim de ocorrência no 14º DP, de Pinheiros, ainda na noite de sexta-feira. Ela conta que chegou ao restaurante por volta das 21h30, sentou-se à mesa vizinha à do agressor e diz que ele estava acompanhado de uma mulher. A cadeira do cliente agredido e dessa mulher se esbarraram algumas vezes no início da noite, o que, segundo a vítima, teria dado início à briga e às ofensas.

Uma câmera do sistema de vigilância de um prédio vizinho ao restaurante Le Jazz mostra que os agentes militares conversaram com o agressor e com uma mulher que estava acompanhando o cliente agredido e testemunhou a agressão.

Flávio Grossi, advogado da vítima, diz que o cliente agredido acionou a polícia diversas vezes sem ser atendido. "Uma viatura da corporação esteve estacionada do outro lado da rua, por brevíssimo tempo e em virtude de motivos alheios ao caso. Mesmo após contato pessoal com uma testemunha das agressões, os militares se recusaram a prestar qualquer auxílio."

A Polícia Militar, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que, no dia 11 de março, por volta das 21h30, "foi acionada para atendimento de ocorrência de desentendimento no restaurante Le Jazz" e que, no local, "a equipe prontamente atendeu o solicitante e orientou as partes envolvidas."

O agressor, que estava embriagado, foi embora dirigindo depois que a polícia deixou o local. Antes de partir, ele jogou um pacote em um grupo de clientes do restaurante. Segundo testemunhas, havia dentro do pacote uma garrafa de vidro, que se espatifou no chão. Ninguém se feriu.

O caso ganhou notabilidade no sábado, quando o ator Otavio Martins publicou em sua conta no Twitter o seguinte texto: "Eu não piso nunca mais no restaurante Le Jazz, em São Paulo. Não só pela comida ruim: ontem um amigo foi vítima de homofobia por um cliente 'da casa', covardemente atacado, com testemunhas, mas o gerente e os garçons se negaram a ajudar ou chamar a polícia".

O cliente ofendido diz que sofreu ameaça de violência física, xingamentos homofóbicos e acusa o restaurante de não ter prestado a ajuda necessária a ele no momento em que a agressão ocorreu. Diz que o ataque durou cerca de uma hora e que chegou a mudar de mesa a pedido dos funcionários do restaurante. A vítima pediu para não ter sua identidade revelada.

O restaurante passou a ser cobrado por internautas e clientes por uma suposta omissão. É possível ver em vídeos do sistema de vigilância que houve ações pontuais de funcionários e de seguranças para apartar o agressor. O cliente agredido, porém, diz que o agressor não foi afastado com eficiência.

O Le Jazz nega que tenha sido negligente com a vítima e afirma, por meio de sua assessoria, que precisou transferir o cliente agredido de mesa para poder cobrar a conta do agressor. Diz ainda que "todos os esforços foram no sentido de evitar o agravamento do confronto, o que poderia colocar ainda mais clientes em risco."

Segundo o advogado criminalista André Damiani, se a polícia chega a um local onde houve uma agressão dessa natureza –injúria racial e homofóbica são crimes inafiançáveis e imprescritíveis, diz– o certo é, no caso de flagrante, dar voz de prisão ao criminoso. Damiani diz que qualquer pessoa presente em uma ocasião como essa pode dar voz de prisão ao ofensor até a polícia chegar. E que o intervalo de uma hora viabiliza o flagrante, especialmente quando o agressor e testemunhas ainda estão no local.

Embora Damiani "não verifique nenhuma responsabilidade direta do restaurante por uma omissão", ele acha também que "poderia ser uma medida socioeducativa de interesse do próprio restaurante chamar a polícia e proteger seu cliente." O criminalista também afirma que, muitas vezes, as autoridades colocam o crime de injúria homofóbica, indevidamente, numa "prateleira de crimes secundários ou menores."

Para o advogado Bruno Marcelo Rennó Braga, especialista em direito empresarial, na perspectiva do direito do consumidor, "sendo o restaurante um fornecedor de serviços, os mesmos devem ser fornecidos com a segurança e o propósitos que dele se espera".

"Uma vez surgido esse evento, mesmo que, de certa forma, inesperado, devem ser adotadas condutas para evitar consequências indesejadas e que possam causar danos, seja para os diretamente envolvidos, seja para os demais clientes. Há o dever de atuar para evitar ou minorar essas consequências".

Também na esfera do direito civil, o restaurante pode, eventualmente, ser responsabilizado caso fique caracterizado que não atuou "de forma diligente, para evitar ou minorar as consequências de conduta tão grave e intolerável na sociedade de hoje".

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