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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O novo núcleo da cracolândia na praça Princesa Isabel, na região central de São Paulo, é descrito por policiais como um complicador no combate ao crime organizado por causa da ação de traficantes ao lado de barracas que já eram habitadas antes por sem-teto. Além disso, as árvores do local dificultam o trabalho de vigilância e há novas estratégias em ação para despistar a abordagem policial.
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A praça é ocupada por famílias de trabalhadores que perderam a renda durante a pandemia e foram morar nas ruas.
De acordo com a prefeitura, de 18 a 21 de março, 1.633 abordagens foram feitas na praça, e contabilizadas 255 barracas.
A copa das árvores é um empecilho por dificultar a observação do fluxo por imagens captadas por drones e câmeras de segurança.
Desde a última sexta-feira (18), quando o crime organizado ordenou a saída dos usuários de drogas do entorno da praça Júlio Prestes, de acordo com a Polícia Civil, o miolo da praça virou um novo ponto de tráfico de drogas.
Mesas improvisadas de restos de madeira servem de apoio para bacias com pedras de crack, tijolos de maconha e papelotes de cocaína. Além do uso de lonas pretas, como no antigo ponto central da cracolândia, os traficantes se escondem debaixo de guarda-chuvas para comercializar as drogas sem serem flagrados.
Segundo o delegado Roberto Monteiro, da 1ª Delegacia Seccional do Centro, as imagens da venda de entorpecentes têm sido determinantes para a Justiça manter a prisão de acusados de tráfico na cracolândia detidos pela operação Caronte da Polícia Civil, deflagrada em junho do ano passado.
Antes, a cracolândia era um problema bastante concentrado em duas ou três ruas no entorno da praça Júlio Prestes, e sem a presença de outros grupos. Agora, o desafio é não criminalizar quem está na praça por falta de moradia. "A prefeitura já tem mapeado quem estava na praça antes", diz o delegado Monteiro.
Ao lado dos traficantes, funcionam também as chamadas feiras do rolo, em que usuários de drogas oferecem qualquer tipo de pertence em troca de pedras de crack, comida, bebida alcoólica e cigarros. Há peças de roupas, calçados e objetos garimpados em lixeiras pela cidade.
O movimento de usuários de drogas no fluxo diminuiu desde a mudança, segundo frequentadores, justamente pela maior visibilidade do movimento na praça, que fica entre duas avenidas movimentadas da cidade, Duque de Caxias e Rio Branco.
O aumento do valor das drogas também afugentou muita gente, segundo os usuários. A pedra de crack que antes custava entre R$ 5 e R$ 10 passou a valer até R$ 20. Segundo a polícia, a inflação se deve às operações que dificultaram a chegada da droga ao fluxo.
Para evitar abordagens policiais, o tráfico de drogas usa os dependentes como mulas para transportar as mercadorias para dentro do fluxo. Ultimamente essa tática vem sendo aperfeiçoada, e houve apreensões de drogas escondidas em colares e embaladas como se fossem paçocas, segundo a Polícia Civil.
Uma ocupante da praça que não quis se identificar disse que não consegue mais dormir desde a chegada do fluxo da cracolândia na praça. Ela conta que se mudou para lá no começo do ano passado após perder o emprego e, como é sozinha, teme sofrer violência.
A convivência entre grupos com perfis diferentes tem causado um clima de tensão crescente na praça, segundo o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua. Ele conta que dobrou a quantidade de marmitas entregues diariamente no local.
O aumento da demanda pelas refeições também foi percebido pelo padre no largo Paissandu. "A população de rua lá dobrou de tamanho", diz. "A dispersão da cracolândia fez aumentar pontos que já reuniam os sem-teto", continua.
GOVERNADOR NEGA ORDEM DE FACÇÃO
Nesta quarta-feira (23), o governador João Doria (PSDB) negou que a mudança da cracolândia tenha sido feita após ordem do crime organizado, informação dada por delegado e por assistentes sociais ao jornal Folha de S.Paulo na segunda-feira (21).
"Houve uma dispersão daquelas pessoas que, infelizmente, são vítimas do crack e consumidores de drogas. Não há informação oficial que tenha havia qualquer manifestação de qualquer liderança ou de facção criminosa", disse o governador.
Além da região central, a dispersão da cracolândia tem contribuído para a formação de concentrações de usuários de drogas em outros pontos da cidade, como no viaduto Okuhara Koei e na praça José Molina, na confluência das avenidas Paulista, Rebouças e Consolação.
Segundo o delegado Monteiro, operações policiais recentes no viaduto Okuhara Koei resultaram na prisão de dez acusados de tráfico de drogas.
No túnel José Roberto Fanganiello Melhem, próximo à av. Paulista, nesta quarta-feira, havia cerca de oito tendas. Houve uma operação policial no local na tarde desta quarta.
Próximo dali, na praça José Molina, havia cerca de 20 pessoas em barracas. A cavalaria da Polícia Militar fazia o policiamento da área, além de guardas-civis em patrulhas de bicicletas.
Um segurança que trabalha em um escritório na avenida Paulista com a rua da Consolação afirma que a sensação de insegurança por ali tem aumentado ao longo dos últimos meses. Segundo ele, que pediu para não se identificar, além do aumento de consumo de drogas na região, ele tem percebido o aumento de furtos de celulares.
De acordo com o guarda-civil Reginaldo Teodoro, que fazia patrulha próximo ao local, havia uma concentração de cerca de 50 usuários de drogas, porém, em decorrência de operações municipais, o número caiu nas últimas duas semanas.
Segundo Raphael Escobar, do grupo com atuação em defesa dos direitos humanos na cracolândia A Craco Resiste, o fluxo próximo à avenida Paulista existe há anos e não surgiu em consequência da mudança da cracolândia nas ruas do centro. "A cracolândia só mudou de lugar, mas o cuidado com as pessoas não foi feito. Não é à toa que isso está acontecendo em ano de eleição", diz ele.
A Polícia Civil também detectou foco de tráfico e uso de drogas em algumas ruas na Santa Ifigênia: dos Gusmões, do Triunfo e dos Protestantes. Há concentrações registradas também na praça Júlio Mesquita.
Segundo a prefeitura, a GCM (Guarda Civil Metropolitana) está atenta a essas tentativas de criação de novas cracolândias no centro da cidade.
Em nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirmou que não foram registrados roubos e furtos na praça Princesa Isabel desde o deslocamento da cracolândia.