© Reuters
(FOLHAPRESS) - Entregadores estão convocando para esta sexta-feira (1ª) uma nova paralisação de aplicativos de transporte e entregas, em mais uma tentativa de reeditar o "Breque dos Apps" realizado em julho de 2020.
PUB
Neste ano, o movimento está sendo chamado de "Apagão dos Apps", em uma convocação também aos consumidores, para que não façam pedidos. Entre as reivindicações estão aumento das taxas mínimas, fim dos bloqueios considerados injustos e melhores condições de trabalho.
Paulo Lima, o Galo, do Entregadores Antifascistas, diz que o protesto nasceu de uma insatisfação coletiva.
A data foi escolhida por ser a véspera do dia em que começa a valer a nova taxa mínima do iFood. Dos atuais R$ 5,31, o piso por rota passará a ser de R$ 6, e o quilômetro rodado passará de R$ 1 para R$ 1,50.
Para os entregadores, o aumento é insuficiente e foi definido antes das novas altas dos combustíveis. Segundo eles, o reajuste do piso por rota precisaria chegar a pelo menos R$ 8. O iFood afirma que esse é o terceiro reajuste em 12 meses.
Na terça (29), outros movimentos foram registrados em cidades como Rio de Janeiro e Juiz de Fora, com pautas similares. A liderança entre entregadores e motoristas de aplicativos é pulverizada, o que dificulta a organização de um movimento unificado, ainda que algumas divulgações tratem do movimento de sexta como uma greve unificada.
"Como não tem nenhum grande movimento por trás, a gente nunca sabe se vai ter grande aderência, a gente não tem muito controle", diz Galo.
No protesto desta sexta, o iFood é o principal alvo. Em São Paulo, os entregadores dizem que se encontrarão na sede do aplicativo, em Osasco, a partir das 7h.
Pelo menos duas organizações já disseram que não vão participar: o Sindimoto-SP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas de São Paulo) e a Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil).
Apesar de não participar do ato, o sindicato apoia a manifestação, diz Gilberto Almeida do Santos. "Nossas demandas estão judicializadas", diz.
No fim de 2021, o Ministério Público do Trabalho apresentou ações civis públicas contra os principais aplicativos.
O sindicato defende que os entregadores sejam contratados com carteira assinada. "Não é só a proteção da Previdência Social, é necessário ter piso, jornada, reajuste pelo INPC [índice de inflação]."
Edgar Francisco da Silva, o Gringo, presidente da Amabr, diz que não vai participar, mas tem incentivado os colegas. No Rio, também não está prevista a participação dos entregadores, diz Ralf Elisário, dono de canal no YouTube com 26 mil inscritos, e que é visto como uma liderança informal da categoria no estado.
O iFood, a 99 e a Rappi dizem, em nota, que respeitam o direito de manifestação e que mantêm diálogo com os entregadores. A ABO2O (Associação Brasileira Online to Offline), que representa empresas como Loggi e Rappi, afirma que as plataformas vêm se adaptando e buscando aumentar a proteção dos entregadores.
"No atual cenário de choques externos, como o aumento do preço da gasolina, as empresas associadas têm realizado reajustes compatíveis com o modelo de cada negócio e com o estágio de maturidade de cada startup associada", diz a entidade.
O Rappi diz ter reajustado suas taxas para aliviar o impacto da alta dos combustíveis. De R$ 6,30, em junho de 2021, o valor médio por pedido está em R$ 8,80. A 99 lançou, no dia 23, um adicional de R$ 0,10 por quilômetro rodado a cada R$ 1 de aumento no preço de médio dos combustíveis.
CATEGORIA NÃO TEM CONSENSO SOBRE QUAL MELHOR LEGISLAÇÃO
Depois do breque de 2020, as plataformas anunciaram investimentos e benefícios para os entregadores e, mais recentemente, começaram a defender a elaboração de uma legislação que comporte essa dinâmica de trabalho.
Atualmente, entregadores e motoristas podem se tornar microempreendedores individuais (MEI). Esse enquadramento custa R$ 65,60 (a contribuição equivale a 5% do salário mínimo e mais R$ 5 referente ao ISS, que é o imposto municipal) e deve ser pago pelo próprio trabalhador mensalmente.
A proteção previdenciária, que dá direito ao auxílio-doença, por exemplo, só começa depois de 12 contribuições -é o chamado período de carência.
Não existe, entre as lideranças, um consenso quanto ao modelo ideal de proteção. O Sindimoto-SP defende a CLT, por exemplo.
Gringo, da Amabr, diz que a carteira assinada é "remédio antigo para dor nova", mas que há necessidade de proteção. "A CLT foi algo muito lutado, entendemos isso, só que o modelo de trabalho dos apps é novo, a gente precisa de regras próprias."
Os protestos de sexta tentam pegar carona em um momento de elevação de tensão entre os entregadores e aplicativos. A circulação de um projeto de lei criando um modelo de contribuição obrigatória gerou uma onda de insatisfação.
Gringo foi um dos que criticaram a proposta, pois a categoria não foi ouvida. Elisário, do Rio, e Santos, do Sindimoto-SP, têm a mesma queixa.
O texto que circulou entre os entregadores prevê uma contribuição de 11% ao INSS, dividida em alíquotas de 3,5% para os trabalhadores, e de 7,5% para as empresas. O percentual seria calculado sobre uma base de 20% para motoristas e 50% para entregadores, sobre o rendimento bruto desses trabalhadores.
A reação negativa dos entregadores levou a deputada federal Luísa Canziani (PSD-PR), presidente da Frente Parlamentar Mista de Economia Digital, a divulgar um vídeo negando que o projeto estivesse prestes a ser apresentado.
A reportagem confirmou, porém, que o texto está em discussão pela Frente Digital, que vem conversando com parlamentares e empresas do setor.
O deputado Rodrigo Coelho (Podemos-SC), coordenador-geral da Frente, diz que desde 2020 tem crescido o interesse de parlamentares em debater uma maneira de proteger esses profissionais. Para ele, o MEI não protege os trabalhadores e ainda gera déficit para o INSS.
"A matéria é relevante demais para ser tratada com açodamento, mas também não pode ser posta em banho-maria. Não podemos deixar que questões eleitorais ou pressão de grupos de interesse travem essa discussão tão séria", afirma, em nota.
Há também a expectativa de que o governo federal apresente uma proposta de regulamentação para esse tipo de trabalho, por meio de projeto de lei ou medida provisória, mas as mudanças no Ministério do Trabalho e Previdência -o então presidente do INSS, José Carlos Oliveira, assumiu nesta quinta (31) o lugar que era ocupado por Onyx Lorenzoni- adiaram a empreitada.
Para os entregadores, a proposta da Frente Digital tem as pegadas dos dois maiores aplicativos, iFood e Uber -o primeiro, líder em entregas, e o segundo, no transporte de passageiros.
A Uber e o iFood têm defendido publicamente a definição de uma legislação que inclua o recolhimento de contribuição previdenciária tanto por entregadores quanto pelas empresas, pauta defendida também pela Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), da qual fazem parte 99 e Amazon.
"Estamos comprometidos com a construção de um ambiente regulatório que propicie essa proteção social aos trabalhadores, enquanto traz segurança jurídica", diz a entidade.
Nem todos os aplicativos concordam. Longe dos holofotes, as empresas se opõem. A ABO2O diz que não participou da elaboração do projeto em discussão na Frente Digital, mas que reconhece a importância de mecanismos que garantam proteção social.
Ralf Elisário diz que a proposta agrada ao iFood porque a maioria dos entregadores do aplicativo é terceirizada. A plataforma de entregas tem dois modelos: os cadastrados no app, chamados de "nuvem", e os OL (operadores logísticos), que são contratados por empresas.
O problema dos OLs, segundo Gringo, da Amabr, é que o entregador perde a autonomia. Há horário de trabalho, número de atendimentos por dia e uma zona limitada de atuação (as praças).
"O nuvem tem liberdade. Ele realmente pode desligar o aplicativo e não trabalhar, só que demora mais para tocar [chamados de corridas], então muita gente vira OL porque é mais garantido."
Segundo Elisário, os operadores logísticos servem para dar garantia ao aplicativo de que haverá gente para atender os pedidos em momentos críticos, como tentativas de greves ou dias de chuva.
O iFood diz que 80% de seus 200 mil entregadores são do tipo nuvem, dado contestado pelos entregadores, que afirmam que a proporção é inversa. Em dezembro, o aplicativo promoveu um encontro com trabalhadores, de onde saiu o compromisso de acelerar o processo de migração daqueles que queiram ser nuvem.
Até o ano passado, o entregador precisava ficar 60 dias sem corridas como operador logístico antes de ser aceito como nuvem. Desde 20 de dezembro, o prazo foi reduzido para 35 dias.