Mali é cobrado após ação contra radicais islâmicos deixar mais de 200 mortos

A contagem de vítimas é do próprio governo, mas em relatório divulgado nesta terça-feira (5) a ONG Human Rights Watch sustenta que cerca de 300 pessoas foram mortas, com suspeita de participação de mercenários do grupo russo Wagner no massacre -o que o Exército nega.

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Mundo MALI-VIOLÊNCIA 06/04/22 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Potências ocidentais e ONGs de direitos humanos cobram uma investigação sobre a ação do Exército do Mali, país no noroeste do continente africano, que deixou mais de 200 mortos ao longo da última semana.

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A contagem de vítimas é do próprio governo, mas em relatório divulgado nesta terça-feira (5) a ONG Human Rights Watch sustenta que cerca de 300 pessoas foram mortas, com suspeita de participação de mercenários do grupo russo Wagner no massacre -o que o Exército nega.

As mortes se deram entre 27 e 31 de março em Moura, comunidade rural com cerca de 10 mil habitantes na região central do país, local que se tornou um ponto de concentração de radicais islâmicos que atuam em nações próximas. O governo malinês afirma que a área é hoje um "feudo terrorista".

O Ministério da Defesa confirmou, na última sexta (1º), que a operação matou 203 pessoas, classificadas de terroristas, e prendeu outras 51. "O controle total da localidade permitiu a busca, a identificação e a triagem de terroristas disfarçados e escondidos entre a população civil", afirmou o governo.

Muitas das mortes teriam ocorrido após um tiroteio, em uma operação na qual o Exército precisou usar um helicóptero para perseguir e "neutralizar pessoas em fuga". O governo nega ter feito uma ação focada em matar muçulmanos na região, como diz a Humans Right Watch, que chamou o episódio de a pior atrocidade cometida em uma década de conflito armado no país.

A entidade afirma ter entrevistado 27 pessoas com conhecimento sobre as mortes, incluindo 19 testemunhas. Elas disseram que tropas malinesas, acompanhadas por soldados que falavam russo, chegaram de helicóptero e trocaram fogo com militantes islâmicos, matando rebeldes, soldados e civis.

De acordo com esse relato, na sequência as tropas se espalharam pela comunidade e executaram de forma sumária uma série de civis. Depois, juntaram centenas de pessoas desarmadas, muitos deles comerciantes que viajam semanalmente à cidade para vender mantimentos, e os levaram para a beira de um rio. Lá, os homens ficaram cinco dias sob o sol e foram sendo mortos aos poucos, de forma arbitrária, à noite. Os corpos foram empilhados em três covas coletivas, segundo as testemunhas relataram à ONG.

A Human Rights Watch afirma, citando fontes de segurança no país, que a operação teria envolvido cem soldados que falavam russo. Testemunhas também relataram militares falando uma língua estrangeira.

Um comerciante afirmou que estava bebendo chá com seus dois irmãos esperando o mercado local ser aberto quando escutou tiros. "Sete russos se aproximaram e fizeram um gesto para nos levantarmos. Não havia soldados malineses. Eles fizeram buscas na nossa casa, então nos levaram para o lado leste da vila, perto do rio, onde encontramos mais cem homens", disse a testemunha à ONG. "Outro grupo de russos apontou para os meus irmãos e para outro homem. Achei que eles seriam interrogados. [Os soldados] os levaram muitos metros para longe e os executaram à queima-roupa."

Segundo a ONG, as mortes ocorrem em meio a um aumento de assassinatos extrajudiciais desde o fim do ano passado, tanto por radicais islâmicos ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico no Grande Saara quanto pelas forças de segurança do governo.

"Abusos por grupos islâmicos armados não são de modo algum justificativa para o assassinato deliberado de pessoas sob custódia dos militares", diz Corinne Dufka, diretora da HRW na região do Sahel.

A maior parte das vítimas do exército malinês e de tropas aliadas, diz a ONG, foi de homens do grupo étnico peul, também conhecidos por fulani, formado principalmente por pastores -radicais islâmicos têm tentado recrutar membros dessas etnias.

A região de Moura está praticamente sob controle de militantes islâmicos ligados à Al Qaeda, segundo moradores, que impuseram a cobrança de impostos e ameaçam civis que se recusam a aderir à sharia, a lei islâmica.

Desde o começo do ano, moradores têm relatado à ONG um aumento da presença de homens brancos armados que não falam francês, idioma oficial do país, e participam de operações militares nas cidades da região central. O governo de transição do Mali, que assumiu o comando do país após um golpe militar em 2020, combate rebeldes pelo país com a ajuda de soldados do grupo russo Wagner.

O Mali e a Rússia afirmam que os homens do grupo não são mercenários, mas treinadores que ajudam tropas locais com equipamentos da Rússia. A França, que colonizou o Mali até 1960, empenhou milhares de soldados em operações militares da região por quase uma década. Neste ano, Paris afirmou que iria retirar seus homens após as relações bilaterais se deteriorarem, em parte pela chegada de tropas russas.

O país condenou o massacre da última semana e pediu investigação. "O combate a grupos terroristas operando no Sahel não pode de modo algum justificar violações de direitos humanos", disse o Ministério das Relações Exteriores. "A violência indiscriminada contra populações civis só fortalece esses grupos."

Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, afirmou que "os relatos ilustram a necessidade urgente de as autoridades de transição malinesas darem acesso seguro, livre e irrestrito à área onde esses tráficos eventos aconteceram." Autoridades do Reino Unido também pediram investigação da ONU.

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