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PAULO EDUARDO DIASSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Eu fiz isso para ir para a Argentina, porque é meu objetivo me formar, buscar essa carreira médica." É assim, citando o país vizinho a cada pausa para um novo raciocínio, que Gerson Lavisio, 32, explica o que o levou a atuar como falso médico em São Paulo.
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Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, confirmou que de fato atuou no atendimento a pacientes mesmo sem ter diploma em medicina, mas negou ter mandado amputar a perna de um homem –caso pelo qual é investigado pelo Ministério Público do estado.
Afirmou ainda que recebeu propostas de quatro partidos para sair candidato nas próximas eleições, mas que ainda não decidiu se aceitará os convites porque busca uma sigla que seja contra o aborto –ele não revelou os nomes das legendas que supostamente o procuraram. Lavisio disse também ser um admirador do presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Independente das coisas erradas que eu fiz, eu sou um cara evangélico. Tenho minha crença e respeito a minha crença. E assumo aquilo que eu fiz, que foi trabalhar contra a lei", disse.
"Os dois lados da política vieram atrás de mim, como a direita e a esquerda, mas eu gosto muito do [Jair] Bolsonaro, mas também não concordo com algumas coisas. Mas, sim, eu vejo no Bolsonaro uma esperança para um país melhor. Realmente, se eu atender esse convite para entrar na política, o meu lado seria o lado da saúde, eu conheço o que passa, eu sei das artimanhas", completou.
Lavisio se encontrou com a reportagem na tarde de quinta (14) em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste da capital paulista), onde deveria se apresentar para dar andamento aos procedimentos para realizar serviço comunitário –parte da pena que recebeu por ter se passado como médico.
Desempregado há quatro meses, ele disse que faz bicos em uma olaria, única forma que encontrou para não atrasar a pensão alimentícia da filha de dois anos. Natural de Cambará (PR), atualmente mora no interior de São Paulo e tem um sotaque carregado típico da região.
Lavisio foi detido no dia 15 de março na rodovia Presidente Dutra, em Pindamonhangaba (SP). Na ocasião, ele atuava como médico para a concessionária CCR RioSP, responsável pela estrada, após ser contratado por uma terceirizada, Enseg.
Em nota encaminhada pela concessionária, a empresa Enseg disse que "procedeu ao imediato afastamento do profissional investigado por exercício ilegal da medicina e está cooperando com as autoridades competentes para o completo esclarecimento dos fatos".
Também em nota, a CCR afirma que "as apurações e as investigações estão sendo feitas pelos órgãos competentes e nós apoiamos todas elas". Quando o caso foi revelado, a empresa destacou que a amputação aconteceu apenas no hospital de Lorena, não na rodovia.
Dois dias antes, ele atendeu um acidente no qual um homem de 35 anos ficou preso nas ferragens em Lavrinhas, no interior paulista. Encaminhado à Santa Casa de Lorena (SP), a vítima teve parte da perna esquerda amputada, supostamente a mando de Lavisio, o que despertou a desconfiança de outros profissionais de saúde da região.
À reportagem, ele negou a acusação e disse que nem ordenou a amputação nem teve qualquer ligação com o procedimento, que foi feito no hospital de Lorena. "Eu dei plantão numa base tranquila, mas parece que, quando eu fiquei lá, tudo aconteceu para mim. No dia da ocorrência, falaram que eu tinha amputado a perna. Eu não amputei. A perna já estava totalmente fora do local. A função nossa ali foi manter o paciente lúcido e orientado. Eu não fiz nada, não cortei a perna de ninguém."
Ele afirmou que seu sonho é ser médico e que há pelo menos sete anos presta vestibular para medicina em universidades públicas, mas nunca conseguiu ser aprovado.
Segundo ele, como não tinha condições de bancar uma faculdade privada, decidiu fingir ser médico para conseguir dinheiro para bancar uma graduação na Argentina.
"Desde 2014 eu fui tentando passar, mas não passei. Eu fiz isso [fingir ser médico] para ir para a Argentina, porque é meu objetivo me formar, buscar essa carreira médica. E sim, eu afirmo, o que eu fiz foi errado. Eu atendi em Parelheiros, na CCR [concessionária] e na cidade de Votorantim [no interior paulista]", afirmou.
Lavisio disse que conseguiu ser contratado como médico através de vagas oferecidas na internet. "São empresas que têm o cadastro em grupos no WhatsApp, como 'Plantões São Paulo'. Ali tem pessoas que trabalham para hospitais e ali eles recrutam recém-formados. Realmente eu entrei em contato e me escalaram."
Lavisio disse que não chegou a atender pacientes quando atuou em Votorantim. Depois, quando estava em uma AMA de Parelheiros (zona sul da capital paulista), afirmou que chegou a ter a chance de atuar como pediatra, mas que recusou a oportunidade.
"Eu falei: 'Eu não vou mexer na pediatria, porque isso tem que ter uma especialidade'", relata. "Eu peguei as fichas e tudo aquilo que muitas vezes eu não sabia, eu ia até um médico profissional, para ele me dar orientação, todas as fichas que eu atendi, eu pedi ajuda."
Para atuar no local, Lavisio usou o registro no CRM de outro profissional. "O médico dono do CRM tem o mesmo nome que eu. Realmente eu usei o perfil dele, mas sabendo que o perfil dele tinha foto e não iria bater com o meu. Eu tinha planos de usar o documento dele para só estender aquele dia de plantão e ir embora", afirmou.
Para ser contratado, ele apresentava um diploma falso de uma universidade particular de São Paulo –que afirma ter conseguido em um grupo de vestibulandos na internet, sem pagar nada.
"Eu atendia nervoso. Eu sempre estudei, mesmo não prestando vestibular de medicina, mesmo não estando na faculdade. Em casa sempre tem uns livros, sempre procurei ficar por dentro das coisas."
A Cirmed, empresa que o contratou para um hospital público de Votorantim, disse lamentar o ocorrido e afirmou que ele nunca chegou a trabalhar no local, pois não apresentou os documentos originais necessários para isso.
A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo disse que Lavisio foi contratado por uma empresa terceirizada para atuar no hospital de Parelheiros e que acionou a Polícia Militar assim que as primeiras denúncias foram feitas. A gestão afirmou ainda que vai reforçar a checagem dos documentos dos novos profissionais.