Confirmação de mortes em Xangai aumenta desconfiança com dados de Covid na China

Xangai passa por um rígido lockdown, com proibição de sair às ruas para a maior parte dos moradores, obrigatoriedade de quarentena em centros de confinamento para infectados e episódios de escassez de alimentos, o que tem provocado protestos e insatisfação na população.

© Getty

Mundo CHINA-CORONAVÍRUS 19/04/22 POR Folhapress

(FOLHAPRESS) - A confirmação das primeiras mortes em Xangai em meio ao atual surto de Covid, que paralisa o polo financeiro da China, reacendeu a suspeita sobre a qualidade dos dados sobre a pandemia no país, que oficialmente só confirma 4.641 vítimas da doença desde a descoberta do vírus, no fim de 2019.

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Nesta segunda (18, ainda noite de domingo no Brasil), a administração da cidade confirmou que três pessoas morreram de Covid, duas mulheres de 89 e 91 anos e um homem de 91. Segundo o regime, os três tinham comorbidades como problemas cardíacos, diabetes e pressão alta.

"O estado das três pessoas piorou depois que foram internadas no hospital. Morreram depois que os esforços para salvá-las se mostraram ineficazes", afirmou a prefeitura.

Xangai passa por um rígido lockdown, com proibição de sair às ruas para a maior parte dos moradores, obrigatoriedade de quarentena em centros de confinamento para infectados e episódios de escassez de alimentos, o que tem provocado protestos e insatisfação na população.

A informação de que essas seriam as primeiras mortes na cidade em meses contradizem investigações jornalísticas que apontaram uma série de vítimas desde que a variante ômicron furou as rígidas barreiras do país.

Reportagem da Caixin, respeitado veículo chinês, publicada em 3 de abril, investigou a situação de idosos em casas de repouso e descobriu pelo menos 11 pessoas que teriam morrido da doença. Os jornalistas também relataram terem ouvido familiares de outras 12 pessoas mortas que supostamente estavam contaminadas. A reportagem, no entanto, foi retirada do ar pouco após a denúncia, e o regime não reconheceu as vítimas na contagem oficial.

Dias antes, em 31 de março, o jornal americano The Wall Street Journal havia relatado que "muitos pacientes morreram" em um hospital de idosos na cidade, com depoimentos de familiares de vítimas e testemunho de funcionários que viram "a remoção de uma série de corpos" do local. Outros veículos ocidentais, como a britânica BBC, também citaram mortes –em reportagem no sábado, a emissora falou em 27 mortos em apenas um hospital.

Nenhum desses óbitos, no entanto, entrou na contagem oficial de vítimas da doença na cidade, e o governo local jamais comentou as investigações.

Há poucos questionamentos quanto ao sucesso do controle da pandemia pela China. No país mais populoso do mundo a maior parte da população levou uma vida próxima do normal nos últimos dois anos, enquanto o mundo ocidental fechava escolas e comércios.

Mas o baixíssimo número de mortes oficiais, a despeito do que mostram investigações independentes, aliado a dificuldades impostas pelo regime chinês a missões estrangeiras que foram ao país apurar as origens do coronavírus, aumentaram as suspeitas sobre a confiança nos dados oficiais do país.

Neste ano, contando com as três mortes registradas em Xangai neste domingo, a China contabiliza oficialmente apenas cinco vítimas de Covid-19: em 19 de março, outras duas mortes foram confirmadas na província de Jilin, no nordeste do país, da fronteira com a Coreia do Norte e a Rússia.

Para o professor de relações internacionais Mauricio Santoro, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), "é muito difícil acreditar que em meio a centenas de milhares de casos em Xangai, uma cidade com 26 milhões de habitantes, só tenha havido três mortes".

Ele afirma que o lockdown acabou se tornando um problema político após protestos de moradores, o que não tinha sido visto em restrições anteriores. "E agora o governo simplesmente não está preparado para admitir o número real de vítimas", diz.

Para efeitos de comparação, Hong Kong, que tem 7,5 milhões de habitantes e enfrentou um grave surto de Covid com o avanço da ômicron neste ano, registrou cerca de 9.000 mortes pela doença em 2022. Os números da região administrativa especial não entram na contagem oficial da China, que tem políticas próprias para lidar com a doença.

Especialistas afirmam que essa diferença se dá pela forma como as mortes são classificadas: em Hong Kong, qualquer pessoa que tenha contraído Covid até 28 dias antes de morrer é considerada vítima da doença.

"São métodos completamente diferentes. Mais de 90% das mortes reportadas em Hong Kong não seriam contadas na China continental", disse Jin Dongyan, virologista da Universidade de Hong Kong, ao canal de TV americano CNN. "Na China continental, se a vítima tem comorbidades, a maioria das mortes é categorizada como tendo outras causas em vez de Covid."

O surto honconguês foi especialmente mais grave pela baixa taxa de vacinação em idosos, problema similar ao registrado em Xangai, que tem cerca de 4,3 milhões de moradores com mais de 60 anos.

Para diminuir o impacto das regras rígidas na economia do país, a China adotou em meados do ano passado o que chama de "política dinâmica de Covid zero", que propõe fechar bairros ou regiões antes de impor lockdown sobre uma cidade inteira –o que aconteceu com Xangai ao longo de fevereiro e março.

No entanto, o fato de manter a política restrita enquanto quase todo o planeta já reabriu suas fronteiras é o que tem provocado a revolta de moradores. O receio do regime é que a China passe por um movimento parecido com o da Coreia do Sul, que controlou a pandemia com sucesso até dezembro, mas chegou a registrar dias com mais de 600 mil contaminações em março, em meio ao avanço da ômicron.

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