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"Infelizmente, estamos carregando bastante essa inflação do passado para o presente", afirma o economista da LCA Consultores Fábio Romão. Vários fatores têm contribuído para isso. Um deles é a inflação ter encerrado 2021 acima de 10%, o que faz dessa marca um parâmetro para os reajustes. Também há forte pressão de preços vinda do atacado para o varejo. E o descasamento das cadeias produtivas globais, agravado pela guerra na Ucrânia, dificulta a marcação de preços.
Boa parte da resistência da inflação, que em 12 meses até abril atingiu 12,1%, segundo o IPCA, foi alimentada pela indexação formal. São reajustes que seguem contratos, como aluguel, escola e plano de saúde, ou são autorizados pelo governo (combustível, energia).
A pedido do Estadão, Romão mediu o impacto da indexação formal na inflação e constatou que, na pandemia, o peso aumentou dois pontos porcentuais. Em dezembro de 2019, respondia por 32,05% do IPCA e, em abril de 2022, já era de 34,15%. Preços monitorados responderam por 50% do aumento, com destaque para gasolina, diesel e eletricidade.
INFORMAL. Outra parte da resistência da inflação resulta da indexação informal, que turbina preços pelos aumentos de custos incorridos. É o caso do funileiro Vinicius Aguirre, que reajustou de R$ 350 para R$ 400 o valor por peça restaurada, pois a tinta automotiva, um derivado do petróleo, subiu. "A minha indexação é em função da tinta, que é o que mais onera."
Outro fator que pesa nesse jogo é a expectativa. "Se agentes percebem que o BC está com dificuldade de cumprir a meta (de inflação), eles aumentam preços, antes de a inflação bater nos custos", diz o coordenador de índices de preços da FGV, André Braz.
Indexação é um mecanismo de defesa contra a perda do poder de compra do dinheiro. "Quanto maior a inflação - e a de dois dígitos assusta -, é claro que há um incentivo ao aumento da indexação, seja formal ou informal", afirma Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria. Por causa do passado de hiperinflação no Brasil, esse mecanismo talvez seja mais forte, observa.
ESPALHAMENTO. Para Romão, o espalhamento da inflação é a prova de que as pressões de preços por conta da indexação informal aumentaram. Em abril, 78,75% dos itens do IPCA tiveram variação positiva, resultado recorde. O movimento, segundo ele, é mais visível nos serviços. E esses reajustes ganham sinal verde neste momento em que o brasileiro opta por consumir mais serviços do que bens.
Medo de perder cliente reduz repasses
Prestadores de serviços reajustaram seus preços nos últimos meses, mas dizem que esse repasse ficou abaixo do necessário para cobrir integralmente a alta de custos com insumos e despesas. É que eles temem perder clientela e faturamento.
A cabeleireira Luci Machado, dona da Tokos Cabeleireiros, por exemplo, aumentou em 20% o preço da manicure, em 16% o da pedicure e em 11% o valor pelo corte masculino.
No valor cobrado pelo corte feminino e outros serviços, ela não mexeu. "Se eu aumentar todos os serviços ao mesmo tempo, o cliente se assusta e deixa o salão."
Ela reclama da alta de custos de produtos básicos que utiliza no dia a dia. Pelo litro do xampu nacional, ela pagava até há pouco tempo R$ 27; hoje, diz gastar R$ 45. O esmalte saía por R$ 5 e, agora, custa o dobro.
Como está repassando menos do que deveria, Luci nem coloca tudo na ponta do lápis para não desanimar. O seu foco é manter o salão funcionando. Por isso, tem usado outras estratégias, como reduzir estoques de produtos. "Não sei se vou ter demanda, e produto parado é prejuízo." Também decidiu fazer alguns "agrados" aos clientes. No corte de cabelo, por exemplo, a lavagem e a secagem saem de graça.
A terapeuta integrativa Patrícia de Freitas Lázaro é outra prestadora de serviços que optou por reajustar as sessões de terapia num ritmo menor do que a alta de custos. Em um ano e meio, aumentou as sessões de terapia em 25%.
"Só a gasolina que uso para ir atender e o material, como óleos essenciais, subiram muito mais do que isso", diz a terapeuta. O litro do óleo de gergelim usado nas massagens terapêuticas, que custava R$ 30 antes da pandemia, hoje não sai por menos de R$ 100.
Apesar de ter reajustado os serviços numa proporção menor do que a alta de custos, Patrícia diz que teve compensações. Com a pandemia, a demanda por terapias dobrou. "Isso está ajudando a compensar as pressões de custos."
AMASSADO. A última vez que o funileiro Vinicius Aguirre, dono da Hot Roders Funilaria e Pintura, havia reajustado seus preços foi em 2015, quando subiu de R$ 300 para R$ 350 o valor por peça reparada. No começo do ano, esse valor foi para R$ 400.
A correção de preços foi necessária porque os custos subiram. A tinta automotiva aumentou entre 30% e 35%, mas ele reajustou a mão de obra em 15%. Aguirre calcula que, se aumentasse o necessário, o volume de serviço cairia. "Tem muita gente andando de carro amassado", observa.
Por conta do mercado apertado para serviços do dia a dia, o funileiro focou o reparo de carros antigos de coleção, onde consegue faturar mais.
Já a diarista Maria Elza de Jesus não teve escolha. Vendo a escalada de preços de alimentos, além do gás de botijão, ela decidiu reajustar o valor da faxina de R$ 150 para R$ 170. Mas as patroas ofereceram um aumento de R$ 10, alegando que pagavam a condução.
Maria Elza até tentou argumentar que o salário mínimo foi reajustado, mas não teve sucesso. "O que eu posso fazer? Preciso trabalhar ganhando pouco ou muito", finaliza.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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