Forças de segurança dizem que não há 'indícios fortes de crime' em desaparecimento no Vale do Javari

"Tudo está sendo investigado. Por enquanto nosso trabalho forte está na busca, temos esperança de encontrá-los com vida. (…) De terem tido algum problema na embarcação. (…) Ainda não temos indícios fortes de crime", disse o Secretário de Segurança Pública do Amazonas, General Mansur

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Justiça Desaparecidos 09/06/22 POR Estadao Conteudo

Três dias após o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira, servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, as forças de segurança no Amazonas afirmaram nesta quarta-feira, 8, que ainda não há "indícios fortes de crime" no caso, mas que nenhuma linha investigativa está descartada, inclusive de eventual homicídio. Até o momento, cinco testemunhas e um suspeito foram ouvidos.

"Tudo está sendo investigado. Por enquanto nosso trabalho forte está na busca, temos esperança de encontrá-los com vida. (…) De terem tido algum problema na embarcação. (…) Ainda não temos indícios fortes de crime", disse o Secretário de Segurança Pública do Amazonas, General Mansur durante entrevista coletiva, concedida depois de a Justiça Federal no Estado ordenar que o governo reforçasse as equipes de buscas. Segundo ele, ainda não foram encontradas provas de que os dois teriam sido sequestrados, mas há materiais suspeitos em análise.

Foi anunciado, ainda, um gabinete integrado com a participação de Exército, Marinha, Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros, que, de Manaus, vai coordenar os trabalhos no Vale do Javari. De acordo com o superintendente regional da Polícia Federal no Amazonas, Eduardo Fontes, as buscas englobam tanta uma frente ostensiva como a de inteligência. "Também vamos apurar eventual homicídio caso tenha ocorrido, nós não descartamos nenhuma linha investigativa", disse.

Fontes disse ainda que há um mês a instituição iniciou uma investigação sobre as ameaças sofridas pelo indigenista Bruno Pereira. Segundo ele, até o momento não há conclusão ou suspeita. Como mostrou o Estadão, um bilhete apócrifo com ameaças explícitas contra o indigenista foi deixado no escritório de advocacia que representa a organização para a qual ele vinha trabalhando voluntariamente, em Tabatinga, no Amazonas.

Sem pistas sobre o paradeiro de Pereira e Phillips, as autoridades concederam uma entrevista coletiva na qual fizeram um balanço das operações e destacaram a complexidade dos trabalhos na área em razão de questões geográficas - cheia de rios, isolamento e área remota. O grupo vai se reunir diariamente às 15h, na Superintendência da Polícia Federal em Manaus (AM), e apresentar um balanço dos trabalhos às 16h.

"A gente espera que no curto prazo tenha notícias sobre o que aconteceu e que os dois tripulantes estejam com vida", completou o delegado da Polícia Civil do Amazonas, Alessandro Albino.

Investigação

O principal suspeito de envolvimento no desaparecimento, Amarildo da Costa, conhecido pelo apelido de "Pelado", foi identificado pela Polícia Civil do Amazonas na terça-feira, 7. O pescador foi preso em flagrante na comunidade de São Rafael, a distante 30 km de Atalaia do Norte (AM), por posse de munição de uso restrito.

Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram no Vale do Javari, próximo à fronteira com o Peru, no domingo, depois de receberem ameaças.

A dupla visitou a equipe de vigilância indígena na localidade de Lago do Jaburu, próxima a uma base da Funai de volta para a cidade de Atalaia do Norte (AM) na manhã de domingo, 5. No caminho, porém, parou na comunidade São Rafael, porque Pereira tinha uma reunião marcada com um líder local. Foi o último lugar em que foram vistos, a cerca de 30 km do destino.

O tipo de munição encontrada na ocasião da prisão do pescador sugere, inclusive, uma ligação com o crime organizado estrangeiro. Segundo fontes com acesso às investigações, a munição que justificou a prisão em flagrante do homem identificado como "Pelado" era de calibre 762, usada em fuzis, e tinha origem peruana.

Em entrevista à rádio Eldorado, o procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliesio Marubo disse que há "uma vasta quantidade de provas" contra o detido, que teria relação com pescadores e caçadores da região.

‘Omissão’

A juíza Jaiza Maria Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Amazonas, determinou na manhã desta quarta-feira, 8, que a União reforce a estratégia de busca e resgate da dupla, com o uso de helicópteros, embarcações e equipes de buscas, seja da Polícia Federal, das Forças de Segurança ou das Forças Armadas. A magistrada apontou que o governo federal se omitiu do dever de fiscalizar as terras indígenas e proteger os povos indígenas isolados e de recente contato.

"É oportuno destacar que, caso as rés (a União e a Funai) tivessem se desincumbido de cumprir obrigação de fazer relativamente à proteção e fiscalização da terras indígenas em constante alvo de invasão por garimpeiros e madeireiros ilegais, é provável que os cidadãos tivessem sido localizados, ainda que não vivos", indicou.

A decisão da magistrada repercutiu apelos das principais entidades que atuam na defesa dos povos indígenas da região do Vale do Javari.

Em nota divulgada à imprensa na terça-feira, 7, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acusavam o Exército, a Marinha e a Polícia Federal de não disponibilizaram efetivos suficientes para procurar os desaparecidos.

O governo federal foi criticado pela pouca estrutura disponibilizada para fazer realizar as buscas. As famílias dos desaparecidos e diversas personalidades, como o ex-jogador Pelé, também cobram urgência na resposta.

O Exército chegou a emitir uma nota em que dizia ser capaz de cumprir uma missão humanitária de busca e salvamento, mas que aguardava instruções superiores para iniciar a operação.

A imprensa internacional também repercutiu a notícia do desaparecimento e acusou demora das autoridades em iniciar as buscas.

Entenda o caso

O jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira desapareceram na manhã do último domingo, 5, enquanto faziam o trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael até o município de Atalaia do Norte, no Amazonas.

Pereira sofria ameaças constantes de invasores e garimpeiros que atuavam em terras indígenas. O indigenista é um exímio conhecedor da região e a falta de contatos após um dos deslocamentos é vista com bastante preocupação.

Bruno Pereira ingressou na Funai como agente em indigenismo em setembro de 2010. Dois anos depois, ele passou a integrar a coordenação regional da Funai de Atalaia do Norte, justamente a área em que foi visto pela última vez, mas deixou o cargo em 2016.

Em 2018, Pereira retornou a prestar serviço para a Funai como coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial. No cargo, foi uma das lideranças que chefiou maior expedição do órgão nos últimos 20 anos. A missão, que teve o propósito de contatar um grupo de isolados que corria riscos de entrar em conflito com outra etnia que vive na região, foi concluída com êxito, sem nenhum tipo de combate.

Atualmente, Pereira trabalha em um projeto voltado a melhorar a vigilância em territórios indígenas contra narcotraficantes, garimpeiros e madeireiros.

Jornalista freelancer e colaborador do jornal The Guardian, Phillips vive no Brasil desde 2007, e publicou reportagens sobre política e meio ambiente em veículos de alcance mundial, como Financial Times, New York Times, Bloomberg e Washington Post. Em 2021, ele recebeu uma bolsa da Fundação Alicia Patterson, dos Estados Unidos, para investigar modelos de preservação para conservar a Amazônia.

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