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MICHELE OLIVEIRAMILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Uma campanha que começou morna e termina sob tensão. Ao menos para o presidente da França, Emmanuel Macron, assim pode ser descrita a dinâmica da disputa, nas últimas semanas, pelo Legislativo.
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O resultado do segundo turno da eleição que definirá a composição da Assembleia Nacional, neste domingo (19), vai determinar o andamento dos cinco anos de seu novo mandato. E uma possibilidade real é que o recém-reeleito fracasse em obter a maioria absoluta, algo que tem sido praxe desde 2002.
No primeiro turno, a Juntos, coligação de centro-direita em torno de Macron, ficou praticamente empatada com a aliança de partidos de esquerda, a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes). Cada grupo obteve cerca de 5,8 milhões de votos, com uma vantagem de apenas 21.285 para o bloco do presidente.
Os macronistas, porém, ficam à frente na projeção de deputados para a Assembleia, composta por 577 cadeiras. O sistema não é proporcional, e a votação em dois turnos tende a favorecer grandes coligações ao centro do espectro político. Segundo pesquisa Ipsos divulgada nesta sexta (17), o grupo do presidente pode obter entre 265 e 305 assentos, seguido do bloco de esquerda, que ficaria com 140 a 180 lugares.
É a incerteza em relação ao tamanho dessa diferença que esquentou a campanha, já que dela dependem os rumos do segundo mandato de Macron e de seus planos de reformas, como a da previdência.
Dois são os cenários prováveis -uma maioria do bloco de esquerda é vista como improvável. Se conquistar ao menos 289 cadeiras, o presidente terá maioria absoluta e poderá aprovar seus projetos sem precisar negociar com as demais forças políticas. Se não alcançar esse número, a maioria relativa o levará a buscar composições com deputados de outros partidos, forçando a necessidade de acordos.
Após ser reeleito no fim de abril ao derrotar Marine Le Pen, da ultradireita, Macron adiou seu envolvimento na campanha legislativa, em uma estratégia que acabou por deixar a Nupes, liderada pelo ultrasquerdista Jean-Luc Mélenchon, falando quase sozinha, e, como consequência, esvaziou o debate de propostas.
O cenário seguiu assim até as vésperas do primeiro turno, quando Macron passou a atacar Mélenchon, ciente dos riscos de não repetir o resultado de 2017, quando sua coligação elegeu 350 deputados.
O presidente então engatou um discurso alarmista, segundo o qual sem uma maioria sólida de sua coligação a França poderia mergulhar num período de turbulência. "Nesses tempos problemáticos, a escolha de vocês é mais crucial do que nunca. Nada seria pior do que acrescentar o caos na França ao caos mundial", afirmou na terça (14), convocando os eleitores às urnas, para tentar reverter a abstenção recorde do primeiro turno, em 52,5%. A resposta de Mélenchon veio no mesmo dia e na mesma moeda. "O caos é ele, que não sabe mais o que fazer diante da crise global que avança", disse ao jornal Le Parisien.
Segundo a professora de direito constitucional Marie-Anne Cohendet, da Universidade Paris I Panthéon-Sorbonne, é exagero falar em caos. Nas duas vezes em que um presidente ficou com a maioria relativa, entre 1958-1962 e 1988-1993, "não foi o fim do mundo". "Claro que o presidente prefere ter uma maioria forte. Mas ele não deveria conduzir o Parlamento, o Parlamento é que deveria conduzir o governo."
Diante de uma possível maioria relativa, Macron pode procurar reforço, para vencer as votações parlamentares, na bancada dos republicanos, de centro-direita, que pode obter entre 60 e 80 cadeiras."Mas tanto pelas fortes divisões internas quanto pelo papel decisivo em que se encontrariam, eles apresentariam, em troca de apoio, pedidos de cargos e de influência no governo que poderiam ser vistos como excessivos", diz Marco Tarchi, professor de ciência política da Universidade de Florença.
Seja a maioria absoluta ou relativa, é certo que uma grande novidade será o bloco de esquerda como a maior força da oposição, passando das 73 cadeiras obtidas há cinco anos para algo entre 140-180.
A liderança da coligação pelo partido de Mélenchon, o França Insubmissa, com métodos considerados estridentes, deve intensificar o uso da Assembleia como caixa de ressonância, para, segundo Etienne Ollion, professor de sociologia da Escola Politécnica, em Paris, "criar escândalos e politizar cada assunto".
Se a maioria relativa é indesejada pela coligação do líder francês, por outro lado ela poderia reacender o embate entre esquerda e direita no país, apagado pelo centrismo do início de mandato de Macron, e levar o Legislativo a ocupar um lugar mais relevante na política, forçando Macron a negociar mais. "Isso seria bom para a democracia, com mais debates e menos autoridade do presidente", afirma Cohendet.