© Divulgação / Agência Senado
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quatro entidades de saúde e de bioética protocolaram ação no STF (Supremo Tribunal Federal) com pedido de liminar para derrubar um manual do Ministério da Saúde que contraria o Código Penal de 1940, distorce dados técnicos e cria entraves para a realização do aborto legal em situações previstas em lei.
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Entre outras coisas, o guia do governo federal afirma que todo aborto é crime e que, portanto, não há interrupção de gravidez legal no Brasil. Também coloca como limite para o procedimento a idade gestacional de 22 semanas, o que não tem amparo legal.
A ação, uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), é assinada pela SBB (Sociedade Brasileira de Bioética), a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) e a Rede Unida.
A expectativa das entidades é que o presidente do Supremo, Luiz Fux, se manifeste ainda nesta quinta (30), Luiz Fux. A corte entra em recesso nesta sexta (1º), e, também no período em que estiver de plantão, Fux poderá decidir sobre a liminar ou distribuir o caso.
Na semana passada, uma articulação de 78 entidades, grupos de estudos e clínicas jurídicas de universidades brasileiras enviaram ao Ministério da Saúde uma manifestação pedindo a revogação do guia. Tanto o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, quanto o secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, já se manifestaram defendendo o guia do governo federal.
Segundo o advogado do caso, Henderson Furst, presidente da comissão de bioética da OAB-SP, o objetivo primeiro da ação é suspender de imediato a nota técnica do Ministério da Saúde que, entre outras coisas, define como critério para a realização do aborto legal o limite temporal de 22 semanas de gestação.
"Cria entrave que a lei não institui e nem o autoriza a instituir! Com base em suposto critério metodológico científico, estabelece que o procedimento de abortamento só pode ser realizado até a 22ª semana gestacional e, após isso, deve-se realizar parto prematuro, afirmando que não cabe amparo legal de abortamento 'do produto da concepção nos casos de violência sexual'", diz trecho da ação.
A ação pede a declaração de inconstitucionalidade de qualquer ato do Poderes Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, que restrinja o acesso ao aborto legal. Pede também que se reconheça a omissão e as barreiras que o Ministério da Saúde tem criado às mulheres e meninas que precisam realizar a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei.
"Temos que enfatizar que essa ação é para cumprir a lei que está sendo desrespeitada. Não é para ampliar o aborto, não há nenhuma polêmica. Só a polêmica criada pelo próprio Ministério da Saúde."
Desde 1940, o Código Penal brasileiro estabelece que o aborto pode ocorrer legalmente em casos em que a gravidez resultar de estupro e quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Em 2012, uma terceira situação, casos de gravidez de feto anencéfalo, foi autorizada pelo STF.
De acordo com ação, "nos últimos anos toda sorte de óbice -inclusive restrições institucionais e administrativas- foi soerguida para dificultar ou impedir a realização do aborto legal".
Atualmente, no Brasil, embora a lista oficial do Ministério da Saúde aponte 1.143 hospitais habilitados para realizar o procedimento de abortamento, a maioria na região Sudeste, estudos indicam que grande parte dessas instituições, ao serem contatadas, negava fornecer o serviço de aborto legal.
A ação também lista uma série de violações de direitos reprodutivos e de violência institucionalizada ocorridas nos últimos anos, como a da menina de 11 anos de Santa Catarina, que, grávida do estuprador, teve o procedimento negado no hospital e que, depois, ao recorrer à Justiça, foi constrangida a desistir da interrupção que lhe é assegurada por lei.
Na terça (28), uma audiência pública realizada pelo Ministério da Saúde respaldou a posição antiaborto que aparece na cartilha lançada pelo governo federal no início deste mês.
Dos 20 participantes, 13 endossaram a opinião da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde, responsável pelas novas diretrizes.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, que está sendo investigada por dificultar o aborto da criança de 11 anos vítima de estupro em Santa Catarina, foi convidada pela pasta, mas não compareceu.