'Persuasão' firma Dakota Johson como a Meg Ryan da era do streaming

"Persuasão", o livro, foi o último romance escrito por Austen. Provavelmente inspirado em uma história real.

© Getty Images

Cultura CINE-CRÍTICA 31/07/22 POR Folhapress

TETÉ RIBEIROSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde que o trailer para o filme "Persuasão", lançado este mês na Netflix, foi ao ar, no começo do ano, os fãs mais hardcore da escritora inglesa Jane Austen ficaram em choque. Primeiro, uma atriz americana, Dakota Johnson, a Anastasia de "50 Tons de Cinza", era a protagonista, apesar de a diretora e da grande maioria do elenco serem britânicos, como a autora.

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Depois, a personagem principal fazia o que se chama de "quebrar a quarta parede", ou seja, falava olhando para a câmera, como quando os atores simulam uma interação com o público, como fez a atriz Phoebe Waller-Bridge na série que criou "Fleabag".

Por fim, não havia chapéus à vista, os cabelos das mulheres apareciam soltos, o que jamais acontecia na época em que a obra de Austen foi escrita e muito menos nas várias adaptações de época de seus romances para o cinema.

Os figurinos dessa versão foram de fato ultra modernizados. Não chegam a ser exatamente futuristas, mas a figurinista Marianne Agertoft se inspirou em ícones pop como as cantoras Patti Smith e Debbie Harry para fazer as roupas das mulheres, principalmente para Anne Elliot, a personagem de Dakota Johnson, que usa vestidos longos de linho monocromáticos com botinhas sujas de lama.

"Persuasão", o livro, foi o último romance escrito por Austen. Provavelmente inspirado em uma história real, de um romance que teria começado em um verão na costa, para onde a escritora viajava com a família todos os anos, ele tem um tom mais sombrio que as obras mais famosas da escritora.

Austen não se casou, apesar de sua família ter ficado em uma situação financeira precária depois da morte de seu pai em 1805. Austen, sua mãe e sua irmã Cassandra, que também não se casou, passaram a depender da ajuda financeira dos seis irmãos para sobreviver.

A autora ficou conhecida depois de passar a assinar seus romances, mas nunca ganhou dinheiro de verdade com a literatura. Portanto, não ter se casado foi outro ato de enorme rebeldia, já que essa era a solução para a maior parte dos problemas das jovens inglesas do fim do século 18 e começo do 19.

Tudo isso para dizer que, muito provavelmente, esta adaptação de "Persuasão", pilotada pela diretora de teatro inglesa Carrie Cracknell, que toma várias liberdades em relação ao texto, ao figurino, aos personagens, à escalação da protagonista e ainda faz inserção de palavras que certamente não existiam quando o livro foi escrito –como por exemplo o adjetivo "eletrizante", que uma personagem usa para descrever um jovem que acaba de conhecer, muito antes da própria energia elétrica ter surgido–, pode ser mais fiel ao estilo de Jane Austen que as versões de "Orgulho e Preconceito" de 2005, com Keira Knightley ou mesmo "Emma", de 2020, com Anya Taylor-Joy, que causaram bem menos estranhamento.

Na trama deste filme, Anne Elliot é persuadida a romper um romance com o marinheiro pobretão Frederick Wentworth, interpretado por Cosmo Jarvis, por ele ser, bem, um marinheiro pobretão.

Oito anos depois, no entanto, Anne, que narra a história, continua arrasada com o fim do namoro. E sua família, que ficou pobre por culpa do pai vaidoso e perdulário, papel do incrível Richard E. Grant, de "Gosford Park", tem que abrir mão da casa em que mora e se mudar para outra, tão opulenta quanto, mas numa cidade mais barata, Bath.

A casa da família é alugada justamente pela irmã mais velha de Wentworth, que desde que se separou de Anne virou capitão, ficou rico e continua solteiro. E Anne é convencida a ficar na cidade para fazer companhia para sua irmã mais nova, Mary, papel de Mia McKenna-Bruce, uma megera hipocondríaca que odeia os filhos e sempre sara subitamente na hora em que ouve que corre o risco de ficar de fora de algum programa.

Daí para frente a história fica algo parecida com uma das melhores comédias românticas de todos os tempos –"Harry e Sally", de 1989, com Billy Crystal e Meg Ryan. E Dakota Johnson exerce o mesmo magnetismo que Meg Ryan nos anos 1980 e 1990. Essa é a grande surpresa dessa adaptação cheia de grandes surpresas. E que alívio ver uma história com começo, meio e fim que se conclui em uma hora e 47 minutos.

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