© Getty
(FOLHAPRESS) - O Quênia, uma das principais economias do leste da África, vai às urnas nesta terça-feira (9) eleger o próximo presidente -além de Legislativo e governos regionais- sob a tensão de que o clima beligerante visto nos últimos pleitos volte causar instabilidade no país.
PUB
O cenário para a sucessão de Uhuru Kenyatta, 60, que deixa o poder após dez anos, já vem se desenhando conturbado. A disputa tem como favoritos Raila Odinga, 77, antigo rival do atual mandatário, e William Ruto, 55, atual vice-presidente.
Ao contrário do que essa disposição faz parecer à primeira vista, o candidato governista é Odinga; o atual mandatário rompeu com seu vice logo após as últimas eleições e decidiu apoiar o rival que derrotou cinco anos atrás, que é filho do vice de seu pai -primeiro líder do Quênia após a independência, nos anos 1960.
Independentemente do resultado, a disputa pode ser decidida na Justiça do país, já que é grande o risco de o candidato derrotado contestar os resultados, a exemplo do que ocorreu nos últimos pleitos.
Em 2017, Odinga questionou a derrota para Kenyatta, e a Suprema Corte ordenou uma nova eleição, que confirmou a vitória do atual mandatário. Odinga também havia contestado o resultado dez anos antes, mas o desfecho foi bem mais tenso: conflitos étnicos se espalharam e mais de 1.100 pessoas morreram no país, com 600 mil tendo que sair de casa em meio a um cenário de quase uma guerra civil.
A questão, aliás, é peça-chave para compreender a aliança que se formaria entre o presidente e Ruto, já que os dois foram acusados de crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional, em Haia. "Eles perceberam que tinham que se juntar para evitar a prisão e argumentaram que podiam unir as etnias kalenjin e kikuyu, envolvidas nos conflitos de 2007", explica Ngala Chome, analista do Sahan Research, think tank com bases em Nairóbi e Londres.
A coalizão, concretizada com a chapa de 2013, rendeu frutos, com a absolvição de ambos. Quatro anos depois, na reeleição, Ruto e Kenyatta romperam, sob alegações mútuas de corrupção e traição. O atual presidente chegou a ser convidado por Jair Bolsonaro (PL) para uma visita ao Brasil, que acabou não se concretizando; os dois países integram os assentos temporários neste mandato do Conselho de Segurança da ONU.
O hoje candidato da oposição faz de bandeira o fato de não ser de uma família tradicional na política queniana, ao contrário dos rivais. "Ruto se apresenta como ameaça ao sistema, representa a aspiração de pessoas comuns por ter conseguido ficar rico mesmo não sendo filho de ninguém importante", diz Ngala.
As últimas pesquisas, contestadas por Ruto, indicam vitória apertada de Raila Odinga. O ex-primeiro-ministro se lançou candidato à Presidência outras quatro vezes e agora obteve o apoio do partido no poder. Sua campanha é centrada na proposta de criação de programas assistenciais: ele promete aumentar a verba destinada à saúde dos mais pobres e pagar US$ 50 (R$ 260) por mês a famílias que vivem abaixo da linha da pobreza (36% dos 56 milhões de quenianos, segundo o Banco Mundial).
A crise econômica é o principal tema das eleições. Além das consequências da Covid-19, o Quênia sofre hoje com a alta dos preços de alimentos e combustíveis, tendência potencializada globalmente pela Guerra da Ucrânia. Soma-se a isso o desemprego, que atinge mais de um terço dos jovens do país. "Historicamente, a política queniana tem sido focada em questões étnicas, mas isso mudou. Essa eleição trata de economia e ideologia", diz Ken Gichinga, chefe de uma consultoria econômica de Nairóbi.
Se Odinga mira o assistencialismo, Ruto pretende movimentar a economia injetando dinheiro no agronegócio -principal setor econômico do Quênia. A riqueza do vice-presidente, diga-se, é ligada a plantações de milho.
O vencedor terá que lidar também com a dívida externa do país, atrelada principalmente a empréstimos da China, o que fez da influência do país asiático outro tema na campanha. Ruto, por exemplo, já ameaçou deportar chineses donos de pequenos negócios de varejo. "Temos aviões suficientes para mandá-los de volta para onde vieram", disse, em junho.
Para vencer no primeiro turno, um candidato precisa de mais da metade dos votos no país e pelo menos 25% do eleitorado em metade dos condados. Passam ao eventual segundo turno os dois mais bem votados. Mas, para Ngala, o pleito terá que ser perfeito para que o perdedor não leve os resultados à Suprema Corte; caso isso aconteça, a Justiça pode chamar novas eleições em 60 dias. "É isso o que o Ruto quer, porque qualquer coisa pode acontecer em dois meses."