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WALTER PORTOSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O autor anglo-indiano Salman Rushdie foi atacado nesta sexta-feira quando se preparava para dar uma palestra em uma organização beneficente no oeste do estado de Nova York, nos Estados Unidos.
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Hadi Matar, de 24 anos, invadiu o palco da Chautauqua Institution, localizado na cidade de mesmo nome, a cerca de sete horas de carro de Nova York, e esfaqueou o escritor de 75 anos no pescoço e abdômen, segundo a polícia. Uma testemunha contou à agência Associated Press que viu o autor receber de 10 a 15 golpes.
O autor, que recebe ameaças de morte do governo do Irã desde os anos 1980, caiu no chão, foi socorrido e levado ao hospital de helicóptero. Em nota à tarde, seu agente, Andrew Wylie, disse que o autor passava por uma cirurgia. À noite, em atualização à imprensa, Wylie declarou: "As notícias não são boas. Salman provavelmente perderá um olho; os nervos de seu braço foram cortados; e seu fígado foi esfaqueado e danificado."
O moderador Ralph Henry Reese, que o acompanhava no evento, também foi ferido, mas já foi liberado pelo hospital após sofrer uma ferida no rosto. "O fato de que esse ataque possa ocorrer nos Estados Unidos é indicativo das ameaças aos escritores de muitos governos e de muitos indivíduos e organizações", opinou ele ao The New York Times.
Ainda segundo a polícia nova-iorquina, o suspeito de atacar o escritor foi detido e está sob custódia -Matar estava vestido de preto e mascarado durante o ataque. Ainda não se sabe a nacionalidade ou motivação do agressor e o FBI está envolvido na investigação.
Havia agentes policiais no auditório onde Rushdie foi atacado, com capacidade para milhares de pessoas, mas não um esquema especial de segurança com detector de metais.
Um dos maiores escritores de sua geração e conhecido por suas posições libertárias, Rushdie é perseguido por autoridades iranianas por blasfêmia desde a publicação de "Os Versos Satânicos" em 1988, romance de fantasia considerado ofensivo a Maomé e à fé islâmica.À época do lançamento do livro, o aiatolá Khomeini defendeu que o escritor fosse assassinado, e a perseguição foi mantida em vigor pelas mais altas autoridades religiosas do Irã.
Desde o episódio envolvendo este que segue como seu livro mais célebre -e que já rendeu um atentado fracassado contra sua vida em 1989-, Rushdie passou a viver sob forte segurança no Reino Unido, onde estudou desde a juventude. Hoje, ele vive nos Estados Unidos.
"Isso merece parabéns: se Deus quiser, vamos comemorar a ida de Salman Rushdie para o inferno em breve", escreveu Keyvan Saedy, um pensador iraniano conservador no Twitter na tarde desta sexta. Ele foi acompanhado por outros radicais, como Hossein Saremi, que escreveu que "a vingança pode demorar, mas inevitavelmente acontecerá".
Um portal conservador também declarou que o atentado, 33 anos após a publicação do livro, "alerta as autoridades americanas de que eles devem temer a vingança do Irã pelo general Qassim Suleimani, até sua morte, mesmo que a vingança leve 33 anos," se referindo ao principal general do país, morto em um ataque aéreo dos EUA em janeiro de 2020.
"Não conseguimos pensar em nenhum incidente comparável como este violento ataque público contra um escritor em solo americano", disse em um comunicado a PEN America, organização sem fins lucrativos que defende a liberdade de expressão e da qual Rushdie já foi presidente.
O texto assinado pela atual presidente da organização, Suzanne Nossel, louva o trabalho do autor anglo-indiano no suporte a outros escritores que têm suas vidas ameaçadas. Nossel diz ainda que Rushdie havia enviado um email para ela poucas horas antes do incidente, oferecendo ajuda no trato com escritores ucranianos. "Esperamos e acreditamos fervorosamente que sua voz essencial não pode e não será silenciada", conclui.
No Twitter, a Chautauqua Institution pediu orações para Rushdie e Henry Reese, o moderador do evento, também ferido, e disse que está averiguando o caso com a polícia.
O autor nascido em Mumbai venceu o Booker, principal prêmio da literatura em língua inglesa, por "Os Filhos da Meia-Noite" em 1981, e tem entre seus outros livros mais famosos "O Último Suspiro do Mouro" e "Oriente, Ocidente". Ele é publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
Em "Joseph Anton", sua obra autobiográfica publicada há dez anos, ele conta as memórias de seus anos se escondendo da perseguição religiosa com o nome falso que intitula o livro.
Seu projeto literário é marcado pela exploração fantástica das tradições religiosas e culturais de diversas civilizações espalhadas pelo mundo, sempre com um estilo afiado e sem concessões. O incômodo provocado por "Os Versos Satânicos" envolvia o fato de o livro ficcionalizar a vida do profeta Maomé.
Durante o lançamento de seu livro mais recente, "Quichotte", no ano passado, ele deu entrevista a este jornal defendendo a reconstrução de verdades objetivas pelo jornalismo num mundo cada vez mais conduzido por narrativas e crenças subjetivas.