© Fred Thornhill / Reuters
VITOR MORENOSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não teve reza que protegesse Brenda Lafferty de ser assassinada junto com a filha Erica, um bebê de 15 meses, no seio de uma comunidade religiosa no conservador estado de Utah, nos Estados Unidos. Os cunhados dela, Ron e Dan, foram os responsáveis pelas mortes, após supostamente receberem instruções divinas para eliminá-las. O caso, ocorrido em 1984, está no centro de "Em Nome do Céu", minissérie que chegou ao Brasil na última quarta-feira (10) pelo serviço de streaming Star+.
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O roteiro foi baseado no livro de não-ficção "Under the Banner of Heaven" (lançado no Brasil como "Pela Bandeira do Paraíso" em 2003 pela Companhia das Letras). Nele, o autor Jon Krakauer também narra a criação da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, nome oficial da crença mórmon, e discute o surgimento de seitas fundamentalistas ligadas a ela.
O elenco é encabeçado por Andrew Garfield ("O Espetacular Homem-Aranha"), que vive o detetive Jeb Pyre, responsável por investigar as mortes. O ator afirma que já conhecia a história. "Eu sou fã do livro desde que ele foi lançado", afirma em bate-papo com jornalistas para promover a série, do qual o F5 participou.
"Lembro de ter lido com voracidade e achei o tema e a história profundamente fascinantes, bem como horripilantes", conta. "Eu acreditava que iria virar um filme ou uma série, porque era algo que precisava ser feito. Fui convencido de cara que esse grupo incrível de pessoas criativas iam não só honrar o texto do Jon Krakauer, mas também as próprias Brenda e Erica Lafferty."Para ele, era importante saber que a história não seria contada de forma sensacionalista, mas que ainda assim permitisse entender o que possibilitou que "uma maldade tão grande" fosse feita. "Sabia que seria explicado passo a passo e que teríamos a compreensão de como algo tão horrível pode acontecer", diz.
O ator lembra que, recentemente, tem feito personagens que questionam dogmas religiosos, como o pastor Jim Bakker de "Os Olhos de Tammy Faye" (2021). "Acho que as questões de espiritualidade, fé e dúvida, sobre como viver a vida e o significado de estarmos aqui, a tênue linha entre vida e morte, estão aí e precisamos pensar no que fazemos entre o 'ação' e o 'corta', que é quando estamos respirando e encarnados nesta Terra", comenta.
"Eu acredito que filmes e séries sobre espiritualidade que questionam a fé tocam nessa questão do por que estamos aqui e o que acontece antes e depois", prossegue. "Talvez essas sejam as perguntas mais saborosas que eu me sinto obrigado a fazer como artista, assim como na minha vida pessoal também."
O personagem, que é fictício, foi criado para a versão televisiva, por Dustin Lance Black. Vencedor do Oscar de roteiro original por "Milk: A Voz da Igualdade" (2008), ele foi responsável pela adaptação da minissérie. O interesse surgiu justamente por ele ter sido criado por uma família mórmon.
"Eu cresci nessa fé e pelo menos metade da minha família ainda é muito ativa nessa religião", conta. Ele diz que tentou fazer uma distinção clara entre os praticantes da religião e os fundamentalistas, mas admite que, mesmo assim, algumas pessoas não vão gostar do resultado.
"Acho que para muitos dos envolvidos na produção, ela trata da busca pela verdade", avalia. " Não é confortável ter um espelho voltado para você e suas crenças, mas acho que há coisas a serem aprendidas. Há mudanças que poderiam ser feitas nessas comunidades. Então, se a verdade é ofensiva, acho que algumas pessoas podem se ofender."
Lance Black diz que precisou se reaproximar da igreja na pesquisa para a série. Ele conversou com líderes e também com frequentadores. "Nós fomos para Utah para interagir, conversar e conhecer essas pessoas, para não precisar confiar apenas nos estereótipos", conta. "Eu falava para eles: 'Olha, se tiver algo no livro que você acha que está errado ou se tiver alguma coisa a acrescentar, me liga, estou aberto a conversar'."
Aliás, ele conta que sua pesquisa foi muito além do livro. "Tive a sorte de encontrar com toda a família da Brenda, então a admiração que eu já sentia por ela se transformou em amor", afirma. Ele conta que pôde se debruçar sobre diários e cartas que nem mesmo Krakauer teve acesso.
"Eu entendi a força que ela, vindo desse mundo, tinha para ter para fazer as coisas que fazia, ainda mais em 1984", comenta. "O que eu encontrei foi uma voz de coragem amorosa."No livro, Brenda é tida como a responsável por facilitar que uma das cunhadas abandonasse a comunidade, por não aceitar que o marido tivesse outras esposas –algo aceito pelos mórmons mais fundamentalistas. A personagem aparece na série apenas em flashbacks, sendo vivida pela britânica Daisy Edgar-Jones ("Normal People").
"Quando ainda estava descobrindo a personagem, Lance me deu uma caderneta com a pesquisa que tinha feito sobre ela, o que foi de grande ajuda", conta a atriz. "Também tive acesso às cartas que ela trocou com a irmã."
Ela conta que tentou capturar a essência de Brenda. "O que mais me tocou foi o quanto ela era uma pessoa incrivelmente empática", diz. "O que eu mais tentei mostrar era o quanto ela estava sempre mais preocupada com os outros do que consigo mesma. Essa qualidade foi algo que tentei emular na minha interpretação."
Ron Howard, produtor executivo da minissérie, lembra que adquiriu os direitos da obra há cerca de 10 anos, logo depois que ela foi lançada. Originalmente, ele dirigiria um filme baseado na história, mas acabou achando que ela funcionaria melhor com mais tempo para contá-la."Como muitas pessoas, fiquei imediatamente fascinado pelo livro e tive a iniciativa de me encontrar com o autor para conversar sobre o assunto", conta. "É uma história sobre como os sistemas de crenças humanas podem ser distorcidos e manipulados para justificar atos de opressão e violência. Senti que era o tipo de história que é poderosa por ser um aviso."
"Trabalhamos muito duro por anos, mas tivemos uma frustração criativa que nos bloqueava a crença de que deveríamos seguir adiante como um filme, que era o fato de não conseguir contar a história completa", explica. "Foi quando descobrimos que Dustin estava fazendo a própria pesquisa, então olhamos um para o outro e pensamos que todos poderiam se beneficiar."
Apesar dos anos que passaram, o criador da minissérie diz que não poderia haver um momento melhor para o seu lançamento. "Estamos em um momento em que o mundo enfrenta grandes dificuldades, com um sentimento de que andamos para trás, há conflitos que são muito preocupantes", enumera. "Em tempos como esse, as pessoas costumam se voltar para Deus."
"Infelizmente, quando elas se voltam para o fundamentalismo, que tem as regras mais incrivelmente ultrapassadas, é quando temos problemas, porque aí é que vêm a violência e a misoginia", afirma. "Essa história alerta sobre o que acontece quando isso ocorre e os passos que levam até lá."Rating * * * *