Minha Casa Minha Vida vira 'hotel' com diária de R$ 800 em bairro rico de São Paulo

O terreno está em uma Zeis (zona especial de interesse social), que, segundo a lei de zoneamento, prevê o uso da área para moradia digna para pessoas de baixa renda

© Reprodução / Google

Brasil São Paulo 03/09/22 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um condomínio residencial financiado, em parte, pelo programa Minha Casa Minha Vida oferece studios de 30 m² por mais de R$ 800 a diária. O prédio foi construído sobre terreno onde existia uma favela com cerca de cem famílias, retiradas do local no início dos anos 2000 com a promessa de que aquela área seria de interesse social.

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O bairro é a Vila Madalena e a rua é a Djalma Coelho, onde, até 2005, havia a favela da Djalma, ou favela da Light. Tratava-se, à época, da última comunidade no bairro da zona oeste de São Paulo. Quando as famílias foram removidas e os casebres, destruídos, previa-se que o local seria destinado a projetos habitacionais com parceria entre poder público e iniciativa privada.

O terreno está em uma Zeis (zona especial de interesse social), que, segundo a lei de zoneamento, prevê o uso da área para moradia digna para pessoas de baixa renda. Não foi o que aconteceu e muitas das cerca de 500 pessoas que viviam por lá e que frequentavam escolas e postos de saúde da região, por exemplo, nunca mais voltaram a viver no bairro -um studio de 30 m², a menor unidade do prédio, é negociado hoje por mais de R$ 750 mil.

Quase duas décadas depois da remoção da favela, a briga agora é outra. Parte dos moradores do condomínio Quinta Madalena se revoltou contra a Brazilian Corner, empresa que tem ao menos 20 unidades sob sua administração, entre os cerca de cem apartamentos.

A Brazilian Corner faz locação de curta duração, que inclui até oferta de diária única, e diz que isso é diferente de transformar o prédio em um hotel, porque, entre outros, não tem serviço de quarto.

Em seu site, a Brazilian Corner oferece os apartamentos com descrição detalhada das toalhas (500g/m²), lençóis (300 fios) e travesseiros (de pluma de ganso ou "da Nasa"). Também divulga fotos com espumante e taças sobre a cama bem arrumada, cofre de segurança, extintor e equipamento de primeiros-socorros e "bom secador de cabelo" no banheiro.

No Linkedin, a própria Brazilian Corner se apresenta como sendo do ramo de hotelaria. Uma publicidade em um site do ramo chamou o lugar de Quinta Madalena Hotel, com divulgação das diárias, ou seja, o prédio ficou com cara de hotel, jeito de hotel, mas, segundo a empresa, não é hotel.

A Brazilian Corner até acionou extrajudicialmente o site de reservas para que removesse a publicidade que propagandeava o Quinta Madalena como hotel, porque considera que é uma classificação indevida e isso estaria trazendo problemas com outros moradores.

Para quem mora ali e condena as locações de curta duração, incomoda a presença de pessoas estranhas circulando pelas áreas comuns diariamente e o potencial risco à segurança -apontam, inclusive, a ocorrência de arrastão em três unidades em julho de 2020 como indício desse tipo de problema, embora investigações não tenham cravado quem seriam os autores do crime, segundo a empresa.

Também há queixa em relação ao serviço de faxina pós-estadia, que incluiria carrinhos de limpeza e sacos com enxoval usado pelos clientes da empresa sendo transportados pelos corredores. A Brazilian Corner afirma que já resolveu esses e outros problemas e que pede até antecedentes criminais de seus clientes. Moradores "convencionais", entretanto, não têm dúvida de que o prédio virou sim, em parte, um "hotel", contra sua vontade e a convenção do condomínio, que aponta uso estritamente residencial.

A Brazilian Corner diz que, nos últimos meses, parte dos condôminos tentou associar qualquer problema do prédio à "locação por temporada", "praticando inclusive atitudes hostis contra nossa empresa e colaboradores". O prédio está em pé de guerra.

A liberação ou não das locações de curta duração foram alvo de assembleia, mas a votação terminou empatada. A 2ª Vara Cível do Fórum Regional de Pinheiros não viu "hipótese de intervenção judicial, cabendo aos condôminos decidir por maioria se autorizam (ou não) a locação dos imóveis através de plataformas como Airbnb ou outras". A Justiça também negou pedido para destituição do síndico.

De forma geral, o Minha Casa Minha Casa veta a destinação comercial das unidades. Um dos artigos da lei que rege o programa diz que "o uso do imóvel para finalidade diversa da moradia própria do beneficiário e/ou de sua família enseja o vencimento antecipado da dívida e a perda da subvenção".

O programa foi criado pelo governo federal com várias faixas de subvenção, de acordo com a renda familiar mensal, podendo conceder até 90% de subsídio do valor do imóvel, na mais baixa, até juros de 8,16% ao ano, entre aqueles com rendimentos mais altos.

A administradora do condomínio afirma, em nota, que "não nos cabe intervir interrompendo quaisquer que sejam os meios de locação" e também disse que não cabe perguntar de que forma adquiriram os imóveis. Já a Brazilian Corner diz que parte significativa das unidades foi vendida fora do Minha Casa Minha Vida ou não existe mais qualquer restrição quanto à locação. E também nega que haja destinação comercial dos apartamentos, porque, segundo afirma, as locações seriam residenciais.

Segundo o especialista em direito condominial Rodrigo Karpat, o síndico, como gestor, pode impor regras transitórias para a manutenção da ordem no condomínio até definição em assembleia. "Com o empate, outra assembleia precisa ser marcada", afirma.

A despeito do imbróglio envolvendo os moradores e a Brazilian Corner sobre as locações de curta duração, chama a atenção de especialistas o fato de que um prédio construído, em parte, com recursos de um programa de habitação, em uma Zeis, sobre o terreno onde havia uma favela com mais de cem famílias, tenha virado um condomínio com locação de curta duração.

A urbanista Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo, recorda-se que a promessa era retirar temporariamente as pessoas que viviam na favela da Djalma e trazê-las depois para habitação de interesse social.

A especialista critica o uso do terreno para locação por curta duração. "É um absurdo total. Um desvirtuamento do propósito do fornecimento para essa população com renda mais baixa. Acho que é um caso para ir para o Ministério Público."

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