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SANTIAGO, CHILE (FOLHAPRESS) - O Chile rejeitou a proposta de nova Constituição que foi a votação neste domingo (4) com uma ampla margem. Com 48,01% das urnas apuradas até as 20h40 de Brasília (19h40 locais), a rejeição à Carta vencia por 62,55% a 37,45%, uma margem já considerada irreversível por especialistas. O presidente Gabriel Boric convocou uma reunião com todos os partidos nesta segunda-feira (5), às 16h (17h em Brasília).
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Assim que os resultados começaram a mostrar a derrota do Aprovo, ouvia-se buzinaços e gritos de "Viva, Chile" nos arredores da Praça Dignidad, epicentro dos protestos e festejos no Chile. Carros passavam agitando bandeiras. No comitê de campanha do Rejeito, havia muitos jovens festejando no começo da noite.
As comemorações do resultado se ouviam em vários pontos da capital, principalmente no norte da cidade, onde estão os bairros mais endinheirados. Nas esquinas dos bairros de Vitacura e Las Condes, havia gente festejando com bandeiras do Chile e fogos de artifício
A jornada foi marcada por grandes filas -uma vez que, neste referendo, o voto era obrigatório- e pelo calor intenso. Não houve episódios de violência nem irregularidades, segundo as autoridades eleitorais.
A rejeição é uma dura derrota do governo do esquerdista Boric, pouco antes de completar seis meses de mandato. Apesar de não ter apoiado abertamente a aprovação, a gestão se debilita pelo fato de a nova Constituição ter sido um dos motores de sua coalizão política e parte essencial de sua campanha à Presidência.
Boric surgiu no cenário chileno no contexto dos protestos estudantis de 2011, que pediam reformas no sistema educacional. Em 2019, novas manifestações ampliaram essas reivindicações para incluir o acesso a pensões, saúde e moradia de qualidade. O atual presidente foi um dos articuladores do acordo que acalmou as ruas e pressionou o então governo do presidente direitista Sebastián Piñera a dar início ao processo constitucional.
Em outubro de 2020, 80% dos chilenos decidiram num plebiscito aposentar a Constituição de 1981, promulgada na ditadura militar. Dois anos depois, porém, não houve consenso para aprovar a nova Carta, redigida por uma Assembleia Constituinte composta em sua maioria por legisladores independentes de esquerda. Houve paridade de gênero e representação dos povos originários.
Agora, o caminho a ser seguido é mais espinhoso. Boric e os principais partidos do país haviam acordado, embora não formalmente, que o processo constitucional teria sequência mesmo com o cenário da rejeição, com o início da redação de uma nova Carta.
Boric convocará os principais partidos do país para formular uma proposta, que será enviada ao Congresso, no qual o governo não tem maioria, para aprovação. Entre os pedidos da direita para o novo processo estão o de diminuir a cota de participação de independentes e dos indígenas, que tiveram 17 cadeiras na Assembleia, cada um representando uma nação indígena do país. A direita prefere que, desta vez, exista uma maior participação dos partidos tradicionais.
Já a esquerda quer que o texto rejeitado sirva de base para o próximo e que mantenha as ideias de plurinacionalidade, defesa do ambiente e dos direitos da mulher. O plano da ala progressista também é que o novo texto fique pronto em um ano e que seja aprovado antes de 11 de setembro do ano que vem, quando se completam 50 anos do golpe militar que deu início à ditadura Pinochet (1973-1990).
Um dos empecilhos, porém, será o fato de que, segundo a lei eleitoral, não é possível realizar uma nova eleição de integrantes de uma nova Assembleia Constituinte em menos de 125 dias depois do plebiscito deste domingo.
Há outras opções na mesa, por exemplo, em vez de eleger uma nova Assembleia Constituinte. Uma delas é que o Congresso escolha um comitê de especialistas, constitucionalistas e advogados para que redija a Carta. Também se discutirá se seria necessário outro plebiscito de aprovação ao final ou se o próprio Congresso poderia ou não aprová-la.
De todo modo, mesmo que o processo constitucional siga adiante, o país continuará em um compasso de espera política, enquanto se acumulam problemas econômicos, como uma inflação em torno de 13%, e sociais, como o aumento das denúncias de violência em 30% no último ano.
O presidente Boric votou logo cedo, em Punta Arenas, junto a seu irmão, Simón, que é seu chefe de comunicações e havia sido ferido numa manifestação na última quinta-feira (1º). O presidente pediu calma e tranquilidade e afirmou que estava otimista qual fosse o resultado.
Outros ex-presidentes também votaram e se expressaram. Eduardo Frei (1994-2000), que defendia a rejeição, afirmou que "um novo texto precisa unir o Chile, ouvir ainda mais pessoas do que foram ouvidas neste processo". Já Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018), que votou em Genebra, apoiou a aprovação, afirmando que era "mais fácil aprovar e depois consertar" do que começar tudo do zero. Enquanto isso, Ricardo Lagos (2000-2006), que havia feito várias críticas ao processo e chegado a anunciar que rejeitaria a Carta, recuou dos ataques e preferiu não declarar voto. O antecessor de Boric, Sebastián Piñera, apoiou abertamente a rejeição
No Estádio Nacional, um dos maiores centros eleitorais de Santiago, a votação ocorreu com normalidade, com exceção de um incidente causado por um grupo de manifestantes antivacina, que apareceu com grandes cartazes com nomes e fotos de pessoas que haviam morrido, segundo eles, depois de tomarem vacinas contra a Covid-19.
Cidadãos se aproximaram para pedir que eles se retirassem, por serem proibidos atos políticos nos locais de votação. "Mas isso não é política, nos enganaram e nos mataram com essas vacinas", afirmou um dos que carregavam os cartazes.
Em um centro de votação no bairro de Providência, militantes da aprovação foram retirados da fila por estarem portando bandeiras e tocando bumbo.
"Eu votei pela rejeição porque na Constituição não se diz nada sobre segurança, e é o principal problema desse país. A violência só aumentou desde que começaram a chegar tantos venezuelanos. Esse governo não me representa, e essa Carta é nefasta", afirmou Carola Torello, 48, eleitora que esperava para votar no fim da tarde em um centro de votação de Las Condes. Já Sergio Oruño, 35, afirmou que votou pela aprovação porque "temos de virar a página do regime militar, lutar por um país mais igualitário e inclusivo".