© Reprodução / Fiocruz
Internado com a doença, Benício passou 50 dias à espera do tecovirimat, o único remédio que tem se mostrado eficaz contra o vírus no mundo. O produto também é o único aprovado, em caráter emergencial, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Brasil recebeu o primeiro lote do medicamento em agosto, mas não tem conseguido garantir uma frequência no envio de novos estoques para atender à demanda.
Em Cuiabá, um paciente de 27 anos foi internado no Hospital Universitário Júlio Muller em 21 de setembro. Seu quadro evoluiu com insuficiência renal, falta de ar, taquicardia, dentre outros sintomas. Em 4 de outubro, a equipe médica solicitou o tecovirimat ao Ministério da Saúde.
Mas o remédio não chegou e o rapaz morreu em 8 de novembro, segundo a Secretaria da Saúde de Mato Grosso. "O paciente não fez uso da medicação em razão de ela não estar disponível no Ministério da Saúde. A solicitação ficou na lista de prioridade do governo federal", informou a pasta.
Dentre as três vítimas da mpox registradas em Minas, apenas duas tiveram acesso ao tecovirimat, apesar de todas apresentarem sintomas elegíveis para o tratamento, segundo o protocolo desenvolvido pelo próprio ministério. No Rio, o medicamento foi ofertado para dois dos cinco pacientes que morreram por complicações da doença.
Em São Paulo, que concentra a maior parte dos casos no Brasil, com mais de 4,2 mil infecções confirmadas, apenas um dos três pacientes que morreram se tratou com o tecovirimat. A Secretaria de Estado de Saúde não informou, entretanto, se o remédio foi solicitado para as outras duas.
RISCO
O remédio é essencial para frear o avanço da varíola dos macacos nos humanos, principalmente nos que têm algum tipo de imunodepressão, como HIV, transplante ou quimioterapia recente. Em agosto, o ministério informou ter conseguido os primeiros lotes do remédio, após doação da fabricante, a SIGA, e disse estar em negociação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) no continente, para receber novas remessas.
"Tentamos com os órgãos públicos, com o prefeito, com pessoas do Ministério Público, com quem a gente podia. Mas todos falaram que, infelizmente, era assim, teria de esperar", conta Brunna Toureiro, de 31 anos, irmã de Benício. Ela e o pai, o motorista de frete Amabilio Ferreira, de 57 anos, entraram em contato com conhecidos nos Estados Unidos, onde o remédio está disponível desde agosto.
CRITÉRIOS
Em agosto, na época da entrega do primeiro lote, o governo federal disse que os critérios de distribuição tecovirimat ficariam a cargo do Centro de Operação de Emergências para monkeypox do ministério. Mas esses parâmetros ainda não são claros nem para as equipes médicas que pedem o tratamento. No Espírito Santo, um paciente aguarda o tratamento desde 17 de outubro e, segundo a Secretaria da Saúde local, "ainda não há previsão para o envio".
Já o Rio Grande do Norte teve acesso ao remédio para dois pacientes. Um deles foi solicitado em 15 de outubro e esperou 35 dias. No segundo caso, foi pedido em 3 de dezembro e chegou só três dias depois. O tecovirimat de Benício chegou somente em 19 de novembro, após o Hospital Nereu Ramos ter negociado diretamente com o laboratório produtor. "Se a gente tivesse esperado o Ministério da Saúde, talvez não teríamos conseguido nem esse tratamento", disse Eduardo Macário, superintendente da Vigilância em Saúde de Santa Catarina.
O pedido foi feito ao governo federal em 7 de outubro. Após ficar sem resposta ou previsão de entrega, o hospital conseguiu contatar a fabricante do remédio, que doou cinco tratamentos para uso compassivo. Como o ministério teve de intervir no processo de importação e Santa Catarina tinha apenas Benício na fila, segundo Macário, os outros quatro foram redistribuídos aos outros Estados.
"Foi difícil, porque o ministério não tem estoque estratégico. Os tratamentos que chegaram foram totalmente consumidos", aponta ele. "O que preocupa a gente e todos os Estados é a ausência desse estoque estratégico. Se existisse, talvez não tivesse demorado 30 dias para o remédio chegar."
Segundo Macário, a recomendação de uso do tecovirimat é "o quanto antes". A maioria dos estudos e pesquisas recentes aponta que os sinais de melhora começam a se intensificar após 14 dias de tratamento. Benício morreu no décimo dia da medicação. Ele não resistiu a uma infecção generalizada. Ao longo dos 50 dias em que Benício esperava a chegada do tecovirimat, a varíola dos macacos se espalhou de modo desenfreado pelo corpo.
NOTA
Em nota, o ministério informou ter recebido 28 tratamentos contra a mpox, por meio de doação da OMS e do laboratório fabricante. O último lote, com 16 tratamentos, foi recebido em novembro e utilizado em dez pacientes elegíveis.
Os critérios para uso compassivo do medicamento são: resultado laboratorial positivo com lesão visível ou paciente internado com a forma grave. Para esse segundo grupo, leva-se em conta a presença de encefalite, pneumonite, lesões cutâneas com mais de 250 erupções pelo corpo, entre outros sinais. "O Ministério da Saúde segue em contato com a OPAS/OMS para aquisição de mais tratamentos, além de contato com outros países para verificar a possibilidade de doações", acrescentou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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