Erdogan ganha mais votos na Turquia, mas terá que disputar 2º turno contra Kilicdaroglu

Em terceiro lugar, ficou Sinan Ogan, nacionalista de ultradireita, tem 5,24%

© REUTERS/Umit Bektas

Mundo Turquia 15/05/23 POR Folhapress

MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, 69, há 20 anos no poder, saiu na frente na disputa pela reeleição, mas não conseguiu fechar a fatura no primeiro turno realizado neste domingo (14). Durante a maior parte da apuração, Erdogan aparecia com mais de 50% dos votos, o que indicava que ele poderia seguir no comando do país por mais cinco anos.

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Mas a tendência da apuração na reta final apontou para um segundo turno. Com 99% das urnas abertas, o atual presidente contabiliza 49,4% dos votos, enquanto seu principal adversário, Kemal Kilicdaroglu, 74, aparece com 44,96%, segundo a agência de notícias estatal Anadolu. Quando nenhum dos candidatos alcança mais de 50%, a lei eleitoral prevê uma segunda rodada, prevista para 28 de maio.

Em terceiro lugar, ficou Sinan Ogan, nacionalista de ultradireita, tem 5,24%. Mesmo tendo anunciado a desistência a três dias da votação, Muharrem İnce aparece na quarta posição, com 0,43% dos votos, uma vez que seu nome não pôde ser removido da cédula.

Aliados da oposição acusaram a Anadolu de divulgar, no início da contagem de votos, números parciais que eram favoráveis ao presidente, deixando-o em maior vantagem. Mais tarde, o prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, candidato a vice-presidente na chapa da oposição, disse que o partido de Erdogan estava apresentando objeções em distritos liderados por Kilicdaroglu, o que atrasou a apuração.

Por volta das 21h (horário local), os dois candidatos foram às redes sociais pedir que os observadores dos partidos não abandonassem a contagem das urnas até o término da apuração. "Embora a eleição tenha ocorrido em uma atmosfera positiva e democrática e a contagem dos votos ainda esteja em andamento, tentar anunciar os resultados às pressas significa usurpar a vontade nacional", disse Erdogan.

"Os observadores eleitorais e os funcionários do conselho eleitoral não devem deixar seus lugares. Não vamos dormir esta noite, meu povo", escreveu Kilicdaroglu, apostando na mesma estratégia.

A apuração avançou pela madrugada. Depois das 2h (20h em Brasília), Erdogan subiu ao palco em Ancara e, além de reforçar o pedido aos militantes do seu partido, disse que ainda acreditava que poderia vencer o pleito no primeiro turno. Acrescentou, porém, que vai respeitar uma possível segunda rodada.

Havia certo receio de que o presidente se recusasse a deixar o posto em caso de derrota ou que embarcasse em um discurso de fraude, à semelhança de outras lideranças de seu espectro político. Esse temor, a princípio, foi atenuado pela fala do turco. "Na minha vida política, sempre respeitei a decisão [do povo]", disse. "Espero a mesma maturidade democrática de todos."

Kilicdaroglu, acompanhado de outros líderes da coalizão opositora, também deixou novo recado durante a madrugada. Disse que aceitava a decisão dos turcos que o escolheram para o segundo turno e prometeu vencer a disputa, alfinetando o adversário ao dizer que Erdogan não conseguiu o resultado que queria.

Seja como for, esta já foi a eleição mais acirrada da qual Erdogan participou. Entre 2003 e 2014, ele foi primeiro-ministro, após seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) conquistar a maioria dos votos em 2002, 2007 e 2011. Em 2014, quando a eleição presidencial passou a ser por voto direto, depois de uma reforma eleitoral, Erdogan venceu no primeiro turno com quase 52% dos votos.

Quatro anos mais tarde e nova mudança nas regras, que acabou com a figura do premiê, repetiu o feito, com quase 53%. Segundo pesquisa Metropoll realizada entre os dias 9 e 10 de maio, Kilicdaroglu aparecia em vantagem no segundo turno, com 48% das intenções de voto, diante de 45% do atual presidente.

Teme-se que um novo mandato possa consolidar a guinada autocrática e autoritária de Erdogan, intensificada depois de uma tentativa de golpe, em 2016, orquestrada por parte das Forças Armadas. Em duas décadas, Erdogan concentrou poderes como presidente, diminuiu a independência do Judiciário e do banco central, prendeu opositores e controlou a mídia por meio de intimidação e de aliados no comando.

Embora tenha tido sua popularidade desgastada pela crise econômica, com hiperinflação e desvalorização da moeda, Erdogan, que distanciou o país dos princípios laicos sobre os quais a Turquia moderna foi fundada há um século, beneficia-se do apoio dos segmentos mais conservadores do eleitorado. Também superou as críticas que envolveram as causas e as respostas ao terremoto que matou mais de 50 mil pessoas na Turquia em fevereiro.

Já Kiricdaroglu é funcionário público aposentado e foi parlamentar por duas décadas. Ele prometeu na campanha restaurar o sistema parlamentar e a independência do Judiciário e do banco central, com a adoção de uma política econômica ortodoxa, como forma de recuperar a economia, abalada por decisões equivocadas de Erdogan que levaram a inflação a 85% no passado e à desvalorização da moeda.

O perfil tranquilo, que, por anos, era visto como fraqueza, se transformou em trunfo, pela necessidade de conciliar a ampla e diversa aliança, além de contrapor a retórica populista do adversário. Além do Partido Republicano Popular (CHP), de centro-esquerda, do qual Kilicdaroglu é presidente desde 2010, a chapa inclui laicos, conservadores islâmicos, nacionalistas e liberais.

Escolhido em março para a função, Kilicdaroglu não era o nome mais óbvio. Ele era considerado menos competitivo que os prefeitos de Istambul e Ancara, ambos vitoriosos em 2019 contra aliados de Erdogan.

Longas filas foram registradas em diversos pontos de votação, que aconteceu sem incidentes. A afluência às urnas foi de 88%, diante de cerca de 86% há cinco anos. O eleitorado apto a votar é de 64 milhões de pessoas, sendo 3,4 milhões registrados no exterior. A população total residente no país é de 85 milhões.

Os dois candidatos votaram pouco antes das 12h (horário local). "Rezamos por um futuro melhor para nosso país, nação e democracia turca", disse Erdogan, que votou em Istambul.

Já Kilicdaroglu votou em Ancara. "Ofereço meu mais sincero amor e respeito a todos os meus cidadãos que estão indo às urnas. Todos nós sentimos muita falta da democracia", disse.

Neste domingo, os turcos também votaram para preencher as 600 vagas do Parlamento. Com 97% das urnas apuradas, a coligação de Erdogan tinha 49,34% dos votos, à frente da aliança da oposição, com 35,19%. Caminhando para ser a terceira força no Parlamento, a chapa Esquerda Verde tinha 10,42%, com apoio de eleitores da minoria curda.

Foi uma campanha marcada pela tensão na reta final, com agressões físicas e acusações de conteúdo mentiroso. Kilicdaroglu acusou a Rússia de Vladimir Putin, próximo de Erdogan, de tentar interferir nos resultados -o que Moscou nega.

Considerada uma das eleições mais importantes do ano, a disputa na Turquia vem sendo acompanhada com olhos atentos pelos países vizinhos do Oriente Médio e da Europa, pelos aliados da Otan e da Rússia. Além das implicações internas, o pleito pode ter repercussões no contexto geopolítico. Um dos legados de Erdogan é ter transformado a Turquia em um protagonista regional e ator relevante global, tirando proveito da posição estratégica no mapa.

No contexto da Guerra da Ucrânia, Erdogan tenta se equilibrar como membro da Otan, liderada pelos EUA, e, ao mesmo tempo, como parceiro econômico de Putin, com quem compartilha o discurso ultraconservador pró-família tradicional e anti-LGBTQIA+. A Turquia não aderiu às sanções ocidentais impostas à Rússia após a invasão.

No ano passado, mediou, graças ao relacionamento pessoal entre Erdogan e o presidente russo, a exportação de grãos da Ucrânia, evitando o agravamento de uma crise alimentar global. As negociações com Moscou para liberar a safra deste ano estão em andamento.

Kilicdaroglu já disse que aprovaria a entrada de novos membros na Otan, como a Suécia, vetada por Erdogan. Por outro lado, é improvável que a Turquia, mesmo sob nova direção, alinhe-se ao Ocidente em relação às sanções impostas a Moscou depois da invasão.

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