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Em parceria com o Instituto Promundo, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), lança nesta terça-feira (23) a estratégia Primeira Infância Antirracista (PIA). A solenidade será às 9h, na Arena Carioca Jovelina Pérola Negra, na Pavuna, zona norte do Rio de Janeiro.
Cerca de 250 profissionais das áreas de educação, saúde e assistência social, além de lideranças sociais e adolescentes, participarão do ato. Após palestra e roda de conversa com especialistas, autoridades e jovens, será realizada oficina com profissionais para troca de experiência e proposta de novas práticas.
A PIA é uma estratégia de sensibilização sobre os impactos do racismo no desenvolvimento infantil na primeira infância e, também, uma estratégia de mobilização social voltada para profissionais de saúde, famílias, pais e cuidadores sobre como ter práticas antirracistas no cotidiano de serviços de educação infantil, assistência social e saúde. “Também a gente fala como as famílias e cuidadores podem promover uma parentalidade antirracista, uma educação antirracista, independentemente se seus filhos são crianças negras, indígenas ou brancas”, disse a especialista em Desenvolvimento Infantil do Unicef, Maíra Souza, em entrevista aos veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
“A PIA nasce com essa provocação, ou seja, com a ideia de não só sensibilizar sobre os impactos do racismo, mas também ter algo propositivo, oferecer caminhos, soluções e ferramentas que as pessoas possam incorporar e serem, de fato, antirracistas”, afirmou Maíra.
O fato de a PIA ser direcionada à primeira infância é explicado porque esse é o período da vida - de zero a seis anos de idade - em que o cérebro da criança se desenvolve com maior facilidade e as bases do desenvolvimento se estruturam.
“A gente já tem inúmeras evidências que mostram que é na primeira infância que as crianças vivenciam o racismo pela primeira vez. Entre os oito meses e os dois anos de idade a criança começa a perceber as diferenças físicas, de traços, de cor de pele, de altura e tamanho. É também nessa etapa da vida que elas começam a internalizar que há hierarquias nessas diferenças”, explicou.
Segundo Maíra, é muito nocivo e prejudicial para o desenvolvimento infantil quando uma criança pequena, ainda nesses primeiros anos de vida, percebe que os seus traços são considerados inferiores, que sua pele é considerada inferior. Ela começa a perceber que existem essas diferenças de tratamento e isso acontece tanto no âmbito das brincadeiras, como também no atendimento profissional que essas crianças recebem. Por isso, o Unicef traz esse olhar para a primeira infância, para mostrar que o racismo é uma forma de violência que acontece durante toda a vida, mas não é muito falado na primeira infância. “É como se não existisse”, salientou Maíra.
Com o lançamento da estratégia PIA, o Unicef procura dar visibilidade para o racismo e pensar em formas de prevenir e reduzir os efeitos tão prejudiciais que o racismo impacta nas crianças.
Será lançada uma série de materiais englobando quatro cadernos, além de uma websérie com sete vídeos sobre parentalidade antirracista com influenciadores e especialistas. Todos esses materiais estarão disponíveis gratuitamente para todo o Brasil no site do Unicef.
Os cadernos se dividem, em um primeiro momento, sobre conceitos focados no racismo estrutural, institucional e sistêmico, branquitude, inconsciente e identidade. Em um segundo momento, os técnicos do Unicef orientam sobre os caminhos e possibilidades.
“A ideia é sempre começar a discussão, mas não tem uma forma muito prescritiva”. No caderno de assistência social, por exemplo, um dos caminhos propostos para os gestores é a incorporação da temática de relações étnico-raciais em programas de visitas domiciliares, o que ainda não existe no Brasil. Em termos de educação infantil, são oferecidos caminhos para o professor fazer um exercício sobre quais são as crianças que sentem mais afinidade, as que chamam mais atenção ou que oferecem mais afeto.
“É um tipo de provocação, mas também traz algumas sugestões menos subjetivas e mais objetivas como, por exemplo, disponibilizar em sala de aula materiais que tenham referências afro-brasileiras ou indígenas, visando estimular o ambiente com representatividade em sala de aula”, acentuou.
Em relação à saúde, a atenção é voltada ao acesso a direitos, como o pré-natal adequado, que é menor entre mães indígenas e negras do que entre mães brancas, conforme indicam alguns estudos.
A atenção é despertada também para práticas mais recorrentes, como mães negras e indígenas receberem menos anestesia e não terem acesso ao parto humanizado. Há destaque ainda para comorbidades que são mais comuns em crianças negras, caso da anemia falciforme.
“A ideia é aprofundar um pouco mais nessas áreas setoriais e também na parte dos vídeos e da web serie, e trazer esse olhar da parentalidade. Como falar sobre racismo e sobre relações étnico-raciais com seus filhos; como ensinar que as diferenças não devem ser hierarquizadas; como valorizar os traços das crianças; e como conversar e falar mesmo que não existe brincadeira com racismo”, frisou Maíra.
A partir do lançamento no Rio de Janeiro, o projeto será focalizado também em mais sete capitais em que a Unicef já tem uma estratégia de atuação voltada para a prevenção da violência, que é a #AgendaCidadeUNICEF.
A programação prevê o lançamento em São Paulo (dia 24), Manaus (25), Salvador (31), Recife (2/6), Belém (5) e Fortaleza (26), além de São Luis, que já teve uma oficina piloto no dia 12 de maio. Atores locais serão convidados a participar das dinâmicas. Nas capitais, o alvo da PIA são oito territórios vulneráveis onde moram, ao todo, 8,2 milhões de crianças e adolescentes, de acordo com dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os territórios onde as agendas serão aprofundadas são, nas capitais mencionadas, Pavuna, Cidade Tiradentes, Colônia Antonio Aleixo, Valéria, Ibura, Distrito d’Água, Jangurussu e Cidade Operária. Em cada capital, o Unicef pretende expor um contexto local. Em Manaus, por exemplo, será dada mais visibilidade para a pauta de influências indígenas.
“Nosso objetivo é levar esses materiais para as mãos dos profissionais, dos gestores públicos, dos tomadores de decisão e, um dia, fazer oficinais para discutir não só essa temática, mas sobre o que o material propõe, convidar os profissionais a definirem práticas antirracistas nos seus serviços, no seu cotidiano profissional, para conseguir ir além, que sejam materiais trabalhados de fato. Por isso, estamos indo para essas oito cidades”, detalhou Maíra. |
A intenção é fazer com que os materiais da PIA tenham essa penetração e aderência na rede pública das oito capitais e de todo o país. Aproveitando a estratégia social #AgendaCidadeUNICEF, a ideia é ter uma atuação próxima das prefeituras e, após as oficinas, monitorar quais foram os acordos que surgiram - principalmente na parte de práticas antirracistas - para romper o racismo estrutural na primeira infância.
A especialista em Desenvolvimento Infantil do Unicef afirmou que, após o lançamento nas oito capitais, será feito um planejamento para avaliação dos resultados alcançados. Formulários vão colher as diferentes percepções dos participantes e em que medida a PIA, seus materiais e esses momentos formativos, conseguem mudar a percepção do participante sobre as diferentes temáticas. “Acho que a gente vai ter um material bem rico”, disse ela.
Vários indicadores confirmam a desigualdade racial na garantia de direitos nos primeiros anos de vida. De acordo com dados divulgados pelo Unicef, a proporção de bebês pretos e pardos que nascem de mães que não tiveram pelo menos sete consultas de pré-natal atinge 30%, contra 18% para bebês brancos.
Entre as crianças indígenas, a taxa de mortalidade infantil (até um ano de idade) é o dobro da taxa de mortalidade infantil média brasileira: 23,4 por 100 mil contra 11,9 por 100 mil, segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, referente a 2021.As desigualdades se repetem no acesso à educação, observa o Unicef. Em 2019, mais de 330 mil crianças entre quatro e cinco anos estavam fora da escola, revela o estudo Desigualdades na Garantia do Direito à Pré-escola, lançado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, com apoio do Unicef e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), em 2022. O Unicef reforça que a probabilidade de crianças pretas, pardas e indígenas estarem nesse grupo era 25% maior do que crianças brancas.Na assistência social o desafio é grande. Quase 70% das crianças de zero a quatro anos que estão cadastradas no CadÚnico são negras, de acordo com dados da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A estimativa é referente a março de 2023.
O desejo do Unicef é que o projeto permaneça, se enraíze e se desdobre. Além dos encontros presenciais, a equipe do fundo pretende promover uma ativação da PIA em redes sociais, para que a discussão esteja mais presente junto aos profissionais e aos adultos das famílias, fazendo parte da estratégia mais longa que é #AgendaCidadeUNICEF, lançada no ano passado e que tem previsão de se estender por três anos. A intenção é mostrar que é possível construir uma prática antirracista e que isso permaneça na discussão das equipes por meio dessa agenda.
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