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BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) - A Armênia pede ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que intervenha em Nagorno-Karabakh, um enclave no território do Azerbaijão que abriga maioria étnica armênia, para prevenir crimes de guerra e genocídio diante do que chama de deterioração da situação humanitária na região.
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Em carta destinada à Presidência do órgão da ONU, neste mês a cargo dos Estados Unidos, o representante armênio no grupo, Mher Margaryan, afirma que o Azerbaijão bloqueia completamente há meses o corredor de Lachin, única rota da região à Armênia, impedindo assim o transporte de comida, medicamentos, combustível e ajuda humanitária.
Na carta, enviada na última sexta (11), Margaryan diz que as tropas azeris atiram em camponeses em áreas rurais, o que, segundo a carta, dificulta a produção local de alimentos e está deixando crianças e idosos em situação de desnutrição. Também são relatados cortes no fornecimento de energia elétrica e gás –Nagorno-Karabakh é reconhecido internacionalmente como parte do território do Azerbaijão.
O governo azeri nega as acusações de bloqueio e diz controlar a fronteira em Lachin como medida de segurança relativa ao que chama de "abusos" por parte da Armênia. "Os esforços de paz entre Azerbaijão e Armênia se tornaram reféns da política deliberada de tensão e revanchismo armênio e enfrentam sérios desafios", afirma comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Azerbaijão.
A Armênia novamente tenta instrumentalizar o Conselho de Segurança da ONU para sua campanha de manipulação política, militar e informacional", segue a pasta em longa nota, na qual o governo de Baku menciona supostos recuos de Ierevan em negociações para facilitar o trânsito de ajuda humanitária na região e ações militares ilegais que o Exército armênio teria feito nas últimas semanas, sem, no entanto, detalhar o que elas seriam e onde teriam ocorrido.
O pleito e os argumentos armênios ganharam um forte aliado no último dia 7. Em relatório, Luis Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional e um dos responsáveis pela prisão de generais da ditadura argentina nos anos 1980, afirma que o bloqueio do corredor de Lachin deve ser considerado genocídio.
"Não há crematórios ou ataques a golpes de machete. Inanição é a arma invisível do genocídio. Sem uma imediata e dramática mudança, esse grupo de armênios será destruído em poucas semanas", afirma Ocampo na introdução do documento de 28 páginas em que lista medidas possíveis, histórico do conflito, eventuais responsáveis e ações de órgãos de Justiça internacionais já tomadas em relação ao tema. O texto, porém, é um parecer independente do jurista, e não há acusação formal.
"É um posto de controle mesmo [o bloqueio em Lachin], com guarita, cancela. Foi construído há alguns meses e eles param todos os veículos vindos da Armênia", afirma Heitor Loureiro, doutor em História pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e pesquisador associado ao Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom). "Mas sair, em tese, pode. Esse foi um argumento de Baku nos últimos meses para dizer que a estrada não está fechada."
Loureiro esteve na região em julho, onde entrevistou pessoas que moravam nas proximidades do corredor de Lachin e agora vivem como refugiadas em Tegh, último vilarejo na Armênia antes da fronteira com o Azerbaijão.
"Em 2020, por conta do genocídio sofrido na Primeira Guerra Mundial sob o Império Otomano, os armênios falaram muito que a ajuda turca ao Azerbaijão -que é um povo túrquico- seria uma continuidade do projeto de extermínio do povo armênio", afirma Loureiro. Ancara é aliada de Baku no conflito.
Os conflitos em Nagorno-Karabakh remontam ao final dos anos 1980, quando os dois países faziam parte da antiga União Soviética. Na época, Ierevan ocupou faixas de terra perto do território, conhecido como Artsakh pelos armênios.
A região foi retomada pelo Azerbaijão há dois anos, após uma série de ataques que causaram a morte de mais de 5.000 soldados.
Acusações de parte a parte são a regra do conflito que vive um frágil cessar-fogo, mediado pela Rússia em 2020 e violado por confrontos entre tropas armênias e azeris algumas vezes desde então. Em 2022, por exemplo, outra tentativa de diálogo durou poucos minutos e viu as novas hostilidades deixarem mais 99 mortos.
Os líderes dos dois países se reuniram por várias vezes desde o acordo para negociar um tratado de paz permanente, embora as tensões na região nunca tenham chegado a zero. Em entrevistas separadas dadas no fim de julho, o presidente azeri, Ilham Aliyev, e o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, sustentaram que a paz era possível -antes de reafirmar condições até aqui inaceitáveis para ambos.
"Aliyev quer integrar essa população [de Nagorno-Karabakh] a sua dinâmica nacional, e faz um movimento para que essas pessoas, que não reconhecem o Baku como soberana, saiam da região ou se submetam a ela", afirma Loureiro.