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"O presidente ganhou de forma democrática e tem direito de fazer suas críticas", afirmou Campos Neto.
Segundo ele, esse quadro faz parte do processo de autonomia da instituição, que está sendo testado. "É a primeira vez que (o presidente de um BC) cruza um governo. Precisamos mostrar que trabalhamos com autonomia", disse, repetindo que é apenas um voto de nove e que o colegiado toma decisões de forma "muito técnica". "O tempo vai mostrar seriedade, autonomia e tecnicidade do trabalho do BC", garantiu.
Campos Neto citou também que não é apenas no Brasil que ocorrem situações como esta, e mencionou críticas do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump a representantes do Federal Reserve (Fed, o BC norte-americano).
Uma das críticas que vieram de Lula e também de alguns agentes de mercado era a de que a inflação doméstica subia por causa da oferta e que, portanto, não seria algo a ser combatido com elevação ou manutenção da taxa de juro em patamar mais alto.
Campos Neto, porém, refutou o argumento, dizendo que houve apenas pontos passageiros que indicavam componentes de inflação de oferta. Segundo ele, medidas de núcleos, de serviços e a própria dinâmica dos preços revelam que fica bastante aparente que a alta foi mais baseada em demanda do que em oferta.
"Mesmo que fosse mais de oferta, o BC tem obrigação de combater o que chamamos de choque de segunda ordem", afirmou, dizendo que BCs da África do Sul e da Inglaterra fizeram discursos recentes que também vão nesse sentido.
Por isso, conforme o presidente do BC, é possível avaliar que a instituição conseguiu fazer um trabalho de pouso suave, com a redução da inflação com o mínimo de dor em termos de crescimento, emprego e crédito para as empresas. "Quando pegamos a definição de pouso suave, acho que podemos dizer que trabalho foi bem feito. Na verdade, o trabalho ainda não terminou, mas podemos dizer que ainda está sendo feito." E acrescentou: "ainda temos uma luta remanescente sobre a inflação".
Campos Neto voltou a dizer que o quadro do BC é muito técnico e que o governo Lula está aprendendo a lidar com um presidente da instituição que não foi de sua escolha. Há o aprendizado, segundo ele, dos dois lados.
De qualquer forma, Campos Neto comentou que não acredita em um desvio da atuação da autoridade monetária com a chegada de novos membros ao BC e que, se houver um pensamento muito diferente, o sistema de metas de inflação vai mostrar o caminho de quadro mais técnico. "Mas sempre haverá debate."
Chegada de Galípolo
O presidente do Banco Central afirmou que a dinâmica do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto, que teve a estreia de Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula para a Diretoria de Política Monetária, foi a mesma das reuniões anteriores. "A dinâmica foi a mesma de sempre. A divisão (sobre os rumos da Selic) já vinha da reunião anterior, não teve nada que aconteceu muito diferente", disse quando questionado sobre o assunto na entrevista em vídeo gravada ao Amarelas on Air, da revista Veja.
A mesma reunião também contou com a primeira participação de Ailton Aquino, outro diretor escolhido pelo atual governo, mas para a Diretoria de Fiscalização. No mercado, havia muita expectativa sobre a influência dos "emissários de Lula" na decisão do Copom, especialmente de Galípolo, que é considerado nos bastidores o substituto de Campos Neto ao fim de seu mandato no BC.
Na entrevista, o presidente do BC repetiu que a divergência de opiniões e de vertentes de pensamento fazem parte da autonomia do BC, mas afirmou que o processo da reunião do Copom é muito técnico, com apresentações sobre os principais indicadores econômicos e avaliação de modelos de inflação. "No fim das contas, a decisão que a gente toma é muita técnica. Não teve nada muito diferente, na verdade."
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