Uma investigação feita por jornalistas de 78 países traz detalhes sobre o funcionamento das empresas sediadas em paraísos fiscais. O trabalho de um ano analisou mais de onze milhões de documentos da Mossack Fonseca, um conglomerado panamenho especializado em abrir e operar essas companhias, chamadas offshores. Os dados analisados trazem detalhes sobre mais de 200 mil delas, ligadas à pessoas de 200 países e territórios.
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Os documentos foram obtidos de uma fonte pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung. O caso batizado de Panama Papers foi coordenado entre veículos de mídia pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo. Todos os detalhes do caso serão mostrados em um programa especial, com exclusividade na televisão brasileira, hoje, às 22h30, logo após o Encrenca. No Brasil participam do projeto o portal UOL, a RedeTV! e o jornal O Estado de S. Paulo.
Panama Papers e a Lava Jato
Em janeiro de 2016, o escritório brasileiro da Mossack Fonseca no Brasil foi alvo da Operação Lava Jato, que investiga um esquema de corrupção envolvendo empreiteiras e a cúpula da Petrobrás. Agora, os Panama Papers revelam detalhes de como a gigante panamenha ajudou brasileiros a esconder e lavar dinheiro de corrupção. Ao menos 57 pessoas já publicamente relacionadas à investigação da Polícia Federal aparecem nos documentos, ligados a mais de cem offshores criadas em paraísos fiscais.
Duas offshores foram criadas pela Mossack Fonseca para Luiz Eduardo da Rocha Soares e Olívio Rodrigues Dutra, acusados de operar contas secretas da empreiteira Odebrecht. Os documentos mostram que as companhias foram usadas para abrir contas bancárias na Suíça. Procurada pela reportagem, a Odebrecht não quis se pronunciar sobre o assunto. Já o empresário Walter Faria, dono da cervejaria Petrópolis, aparece em arquivos como acionista de uma empresa chamada Stetson Equities. E outros documentos revelam ligações da Stetson, por meio de ações, ou de diretores, a outras duas offshores, citadas na Lava Jato. Por meio de nota, a Cervejaria Petrópolis negou qualquer relação com a Mossack Fonseca.
A investigação Panama Papers revela ainda detalhes sobre uma offshore chamada Penbur Holdings, atribuída em depoimentos da Lava Jato ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Em delação premiada, o empresário Ricardo Pernambuco afirmou que Cunha teria usado a Penbur para receber propina no exterior. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, Cunha negou ser proprietário de qualquer empresa em paraísos fiscais. O texto desafia qualquer um a provar que ele tem relação com alguma companhia offshore.
Casos Internacionais
Entre as histórias reveladas pelo caso, estão offshores ligadas à presidentes, primeiros ministros e reis de dez países. O primeiro ministro da Islândia, Sigmundur David Gunnlaugson, manteve uma empresa secreta sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens. Questionado por jornalistas do Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, ele se levantou e deixou a entrevista no meio. Dias depois, a esposa do político postou no Facebook uma mensagem afirmando que a companhia era dela, e que foi criada quando o casal pensava em morar no exterior.
O presidente argentino, Maurício Macri, aparece em documentos como diretor de uma offshore nas Bahamas. Os documentos não deixam claro se ele ainda estava na companhia quando foi eleito prefeito de Buenos Aires. Macri afirmou que nunca teve ações da empresa.
Na Rússia, um dos melhores amigos do presidente, Vladimir Putin, aparece no centro de uma rede complexa de empresas ligadas a estatais do país. As empresas foram usadas em transações de até 200 milhões de dólares. O governo do país não respondeu aos questionamentos feitos pelo Consórcio, mas divulgou mensagens públicas afirmando que notícias mentirosas seriam publicadas para afetar a imagem de Putin.
Os documentos revelam ainda muito mais histórias envolvendo o mercado de diamantes na África, a venda de obras de arte milionárias, magnatas que abriram empresas para esconder dinheiro antes de um divórcio, e muito mais. O caso Panama Papers revela que a Mossack Fonseca ajudou pessoas envolvidas em crimes de guerra e tráfico de drogas, e também nomes ligados a regimes ditatoriais.
Mossack Fonseca
A Mossack Fonseca é um conglomerado de escritórios de advocacia com sede nas Bahamas, e outras dezenas de países. Há décadas ela é especializada em abrir e operar companhias em paraísos fiscais, para clientes interessados em ter uma offshore. Essa atividade, em si, não é ilegal. Manter uma dessas companhias é, na maioria das vezes, uma escolha óbvia para multinacionais fazerem investimentos em outros países, e mesmo para pessoas que querem abrir contas bancárias ou comprar algum imóvel no exterior. O problema começa quando essas atividades não são declaras à Receita Federal, e quando as empresas são utilizadas para esconder dinheiro obtido em atividades ilegais.
Em nota enviada ao Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, a Mossack Fonseca destacou que nunca foi acusada de qualquer atividade ilegal, em nenhum dos países em que atua. E ainda afirmou que ela não pode ser responsabilizada, se empresas criadas por ela são utilizadas de forma ilegal pelos seus clientes. O texto compara o escritório a uma fábrica de carros, que não pode ser acusada pelos acidentes causados por motoristas.
Mas os documentos analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo revelam que, em muitos casos, a Mossack Fonseca ajudou clientes a esconderem crimes. Em um deles, o escritório ficou sabendo que uma pessoa acusada de pedofilia mantinha offshores operados por ele. Em vez de ajudar a investigação policial, e-mails internos mostram que a Mossack Fonseca preferiu esconder a história.
Uma outra investigação, nos Estados Unidos, acusava a Mossack Fonseca de criar mais de 100 offshores no estado americano de Nevada para ajudar empresas a fraudar contratos com o governo argentino. Na época, um dos fundadores da Mossack Fonseca negou, sob juramento, que o escritório de mesmo nome nos Estados Unidos tivesse qualquer ligação com a gigante sediada no Panamá. Mas e-mails analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo revelam que a sede panamenha deu ordens aos funcionários em Nevada, e até enviou uma equipe para apagar os registros dos computadores da empresa antes da perícia policial.
A investigação do caso Panama Papers sobre a Mossack Fonseca começa a ser revelada na tarde deste domingo (3), em todo o mundo. Mas o próprio escritório circulou um e-mail entre seus clientes na sexta-feira (1º), alertando para um possível vazamento de informações. A Mossack Fonseca diz que seu servidor foi acessado por pessoas de fora, e que jornalistas têm questionado clientes sobre as atividades em paraísos fiscais. A mensagem ainda afirma que já acionou advogados, para tomar as medidas cabíveis contra os envolvidos em qualquer vazamento de dados do conglomerado.