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PHILLIPPE WATANABESÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil irá, oficialmente, comunicar à UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) a anulação da "pedalada" climática instituída pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na meta climática do país.
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Em reunião na quinta-feira (14), o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima aprovou por unanimidade a correção da mais recente meta do Brasil -que recebe o nome de NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada)- e o retorno ao nível de ambição climática de 2015.
A aprovação foi feita pouco antes da Assembleia-Geral da ONU, que começa na próxima semana, em Nova York. O presidente Lula (PT) fará o discurso de abertura do evento, na terça (19). Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, também participará da viagem.
É pela NDC que os países comunicam seus compromissos de cortes nas emissões de gases-estufa e, consequentemente, sua participação no Acordo de Paris, assinado em 2015.
O Brasil tinha setembro como mês limite para comunicar a atualização em sua meta. Apesar da correção da "pedalada", não haverá, pelo menos neste primeiro momento, um aumento da ambição climática, ou seja, a oficialização do objetivo de um corte mais profundo nas emissões.
A correção da meta climática consta na resolução 5 aprovada pelo comitê e disponibilizada no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O texto aponta que o Ministério das Relações Exteriores deverá comunicar à UNFCCC a retomada da meta de 2015.
A Folha de S.Paulo apurou que o texto da resolução 5 divulgado inicialmente era diferente. Ele apontava que um grupo técnico temporário teria prazo de 45 dias para "corrigir as metas de redução de emissões para os anos de 2025 e 2030 das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), alteradas pelo governo anterior".
Os 45 dias, porém, ultrapassariam o prazo-limite (25 de setembro) dado pela UNFCCC para que os países comuniquem a atualização de suas metas.Ainda segundo o texto inicial, os trabalhos de tal grupo ficariam a cargo do Ministério das Relações Exteriores e da Secretaria Nacional de Mudança do Clima.
COMO FUNCIONAVA A 'PEDALADA' NA META BRASILEIRAA "pedalada" climática do governo Bolsonaro foi apresentada no fim de 2020 por Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, reforçada em anúncio na COP26 (conferência sobre clima da ONU realizada na Escócia em 2021) e enviada oficialmente à UNFCCC em abril de 2022.A meta previa a redução, em 2025, de 37% dos gases de efeito estufa, em comparação com as emissões brasileiras de 2005, e a diminuição, em 2030, de 50% dos gases, também em comparação com o ano de 2005.
Numericamente, os 50% de corte para 2030 apresentados pelo então ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, no documento à UNFCCC pareciam superiores ao compromisso anterior brasileiro, que era de 43%. O problema é que a base de comparação de 2005 foi alterada. Devido à evolução na metodologia para computar emissões, os dados de 2005 aumentaram.
Por isso, mesmo declarando que o país estava aumentando sua ambição, ao subir o percentual de corte para 50%, na verdade, a meta climática depositada por Bolsonaro na UNFCCC levava o país a poder emitir mais em 2030 do que permitia o compromisso inicial brasileiro junto ao Acordo de Paris.
Na primeira meta nacional, o país emitiria, em 2025, 1,32 gigatoneladas de gás carbônico equivalente (unidade de medida que soma os gases que causam o aquecimento global) e, em 2030, cerca de 1,208 gigatoneladas.
Em comparação, na meta de Bolsonaro, o Brasil em 2030 estaria emitindo 1,281 gigatoneladas de CO2e (leia gás carbônico equivalente), segundo análises feitas pelo Observatório do Clima e pelo projeto Política por Inteiro, do Instituto Talanoa.
De acordo com relatório de 2022 do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Brasil e México eram os países que tinham retrocedido em seus compromissos climáticos desde a vigência do Acordo de Paris.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a correção da meta climática não é "mais do que a obrigação" e precisa ser só um começo para cortes mais ambiciosos.
"Vale lembrar que o Acordo de Paris fala de progressividade. Tinha que, a partir de 2020, reforçar a ambição e a gente ainda não fez isso", afirma. "Então essa é a necessidade agora: revisar toda a NDC e fazer isso com alta legitimidade, ou seja, consultando a sociedade, envolvendo os governos subnacionais também."
Em nota, o Instituto Talanoa afirmou que as metas não devem ser "decididas em gabinetes sob portas fechadas".Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima (rede de organizações socioambientais), também afirma que é preciso avançar na meta do Brasil.
"Finalmente corrigimos a pedalada climática, e o Brasil deixa de ser um país que viola o Acordo de Paris, mas não podemos perder de vista que estamos vivendo uma emergência climática. O mundo tem pressa para conseguir manter a meta de 1,5°C viva, e o Brasil está apenas voltando à sua promessa de 2015″, diz.
PRESSÃO NA ONU E NA JUSTIÇAO primeiro balanço oficial do acordo, divulgado na última sexta-feira (8), aponta que os países precisam aumentar seus esforços, porque o planeta, pelo ritmo atual, não caminha para limitar o aquecimento ao preferível 1,5°C ou a 2°C. Levando em conta os anúncios na última conferência climática, a humanidade está rumo a um aumento de 2,4°C a 2,6°C na temperatura média global em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial.O texto final deste primeiro relatório será debatido com os países na próxima conferência climática, a COP28, no fim deste ano em Dubai, nos Emirados Árabes.
A correção da meta climática do Brasil já havia sido prometida por Lula. Em junho, o presidente reafirmou o compromisso de fazer as "devidas correções na contribuição brasileira ao Acordo de Paris".
Também em junho, foi encerrado o prazo na Justiça Federal para um acordo entre o Estado brasileiro e jovens ativistas climáticos que processavam o país pela "pedalada" na NDC. Essa ação, aberta pelos movimentos Engajamundo e Fridays for Future, foi iniciada em 2021, durante o governo Bolsonaro, e herdada pela gestão petista.
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