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(FOLHAPRESS) - Após sofrer 16 assaltos, Luciana da Mata, 48, que mora em São Paulo, passou a viver com medo. Isso incluía o receio de falar, de se posicionar e até de sair na rua. O medo cotidiano foi somado ao trauma pela perda do pai e de um tio em decorrência de câncer no ano passado.
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Foi no fim do ano passado, após meia década de tratamento de uma depressão com remédios tradicionais, que seu psiquiatra sugeriu a terapia com cetamina.
Anestésico hospitalar usado em diferentes países, a cetamina foi aprovada em novembro de 2020 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como tratamento para depressão resistente. Para isso, a droga deve ser utilizada exclusivamente em um hospital ou clínica especializada e na presença de profissionais da saúde.
De acordo com a pesquisa Datafolha, cerca de 10% da população brasileira já fez uso de psicodélicos, sendo que 2% já experimentaram a cetamina.
A pesquisa ouviu 2.016 pessoas em 139 municípios de todo o Brasil, nos dias 12 e 13 de setembro. A margem de erro máxima para o total da amostra é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
"Entendi que se tratava de uma depressão resistente e relacionada à depressão pós-trauma", diz ela, que aceitou o tratamento, mas antes fez uma série de exames e teve acompanhamento de um cardiologista para saber se estaria apta a receber a medicação.
A primeira sessão foi em dezembro do ano passado e ela lembra que foi um momento muito difícil.
"Entrei em transe, via cenas reais, trouxe à tona traumas", lembra ela.
No início, ela realizava duas sessões por semana –hoje, faz uma por mês. Passados nove meses, as alucinações perduram, porém de forma mais suave e abstrata. "Melhorou muito a minha depressão e também a minha autoestima", afirma ela, que há dois meses está sem remédios antidepressivos.
"Foi um renascimento", diz Luciana, que se recorda dos períodos mais fortes da depressão, quando não conseguia levantar da cama.
Hoje, ela afirma notar que o tratamento teve também impacto em outras áreas da sua vida, como a coragem para falar inglês em público.
Luciana considera ainda que sua melhora também está ligada a outros tratamentos a que recorreu ao longo dos últimos meses, como terapia, curso de autoconhecimento, constelação familiar, além de relação com alimentação e atividade física.
Daniel, que pediu para não ser identificado, tem um relato semelhante ao de Luciana. Ele tentou durante cinco anos tratar uma depressão resistente. Nada funcionava. Até que o seu médico compreendeu que os medicamentos convencionais não estavam mais fazendo o efeito desejado e sugeriu a ele o tratamento com cetamina.
No caso do Daniel, ele realiza a aplicação intravenosa em uma clínica –há também o spray nasal. Ele afirma que o tratamento o libertou de uma tristeza profunda. Ele lembra que antes precisava ajustar a medicação tradicional de tempos em tempos, mas nunca conseguiu chegar ao patamar de estabilidade com o seu humor. Cada aplicação custa em torno de R$ 1.000.
Quando deu início ao tratamento com a cetamina, em novembro do ano passado, ele fazia aplicações semanais que foram sendo espaçadas ao longo do tempo. Hoje, quase um ano após o início do tratamento, diz que não tem mais um quadro de depressão profunda como antes.
Além disso, vê melhoras em diferentes aspectos da vida, como performance, concentração e até em relacionamentos. Ele, que é empresário, diz que a cetamina o libertou de uma tristeza profunda.
Segundo ele, após as sessões, é comum sentir tontura ou náusea, mas as qualidades do tratamento superam os efeitos. Daniel lamenta, no entanto, a falta de divulgação do tratamento que, na sua avaliação, pode ajudar tantas pessoas.
Sobre o tratamento, ele preferiu não dividir com a família. Contou, porém, para alguns amigos e diz que o tratamento despertou curiosidade, uma vez que se trata de uma droga considerada um psicodélico normalmente utilizado em baladas e festas.
Enquanto 10% da população brasileira relata que já experimentou drogas psicodélicas, o número mais que dobra no caso da maconha. A pesquisa Datafolha aponta que 22% da população já a experimentou ao menos uma vez.
A maioria da população (76%) diz que é a favor do uso da maconha para fins medicinais e 67% concordam com o plantio para a mesma finalidade. Além disso, a pesquisa mostra que 2% da população brasileira já fez uso da maconha medicinal e 1% faz o uso do medicamento.
Adriana Carla de Santos Silva, 36, faz parte desta pequena parcela da população e faz uso de dois tipos de flor de cânabis (uma que tem THC, e outra, CBD) e um óleo de THC.
No ano passado, foi diagnosticada com síndrome de Ehler-Danlos, que atinge vasos sanguíneos, pele e articulações, e esclerose hipocampal, que pode causa crises epilépticas e provocar sintomas psicóticos, como alucinações visuais e táteis, além de delírios.
Desde o diagnóstico, começou a usar óleo e depois a flor, que usa com um vaporizador importado da Alemanha. Quando passou a se tratar com a flor da cânabis, notou uma melhora significativa nas dores e redução de crises epilépticas.
Por isso, quando a Anvisa proibiu a importação da flor, decidiu comprar o bastante para ter uma reserva que dure ao menos até cinco meses. Ao todo, ela estima que a sessão para usar a flor dura cerca de um minuto.
"Estou bem assustada, não sei o que vou fazer", diz ela, que lembra que quando passou a usar a flor, além de notar melhor no seu estado de saúde, também sentiu no bolso uma redução de gastos.
Adriana calcula que chegou a gastar R$ 4.000 com óleos e, na última importação, gastou R$ 2.000 –o valor inclui óleos e flor para a estocagem. Ela, que é dona de uma clínica de estética, diz que a doença atrapalha no trabalho –cada dia de trabalho demanda outros dois de descanso.
Apesar do conforto que o medicamento proporciona, quando passou a usá-lo, alguns familiares estranharam o tratamento. "Ao verem a flor, a fumaça e o cheiro não muito interessante, eles não gostaram muito, disseram 'pelo amor de Deus, o que é isso?'."
A reação de amigos, porém, foi diferente. "Viajei com meus amigos e usei a flor ao lado deles e eles disseram que é tolerável."
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