Governo Tarcísio abandona estudo que avalia uso de câmeras pela PM

A primeira edição do trabalho, feito no ano passado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) a pedido do governo paulista, apontava melhora no desempenho dos batalhões que usam o equipamento.

© Getty

Brasil POLÍCIA-CÂMERA 27/09/23 POR Folhapress

(FOLHAPRESS) - A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) descontinuou um estudo científico que tinha avaliado o impacto das câmeras corporais no comportamento de policiais militares em São Paulo. A primeira edição do trabalho, feito no ano passado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) a pedido do governo paulista, apontava melhora no desempenho dos batalhões que usam o equipamento.

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No início deste ano, após a transição do governo Rodrigo Garcia (PSDB) para o de Tarcísio, pesquisadores negociavam uma continuação da análise. A ideia foi recusada pela nova gestão do estado. Com isso, o maior programa de câmeras portáteis em atividades policiais do país ficou sem uma avaliação externa sobre sua efetividade.

Ao mesmo tempo, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) firmou um convênio com a FGV e com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para pesquisar o uso de tecnologia na área de segurança, mas a análise das câmeras corporais ficou de fora.

Questionada, a Polícia Militar paulista disse que o estudo publicado no ano passado teve seu objetivo concluído e que não havia previsão de continuidade.

Em resposta a um pedido de informação, feito via LAI (Lei de Acesso à Informação), a PM também afirmou que "tem realizado estudos de viabilidade para a expansão do programa para outras regiões do estado, como o litoral e o interior, bem como a implementação de melhorias no sistema", mas não respondeu se há prazo para a conclusão desses estudos pela corporação.

A primeira versão da pesquisa analisou a performance dos batalhões da PM de junho de 2021 até julho do ano passado.

A intenção era que a segunda fase examinasse dados de pelo menos mais um ano.

Segundo duas pessoas que participaram de reuniões entre o comando da PM e os pesquisadores, o desinteresse na segunda fase do estudo não foi explicado de forma clara. O governo estadual levantou a possibilidade, por outro lado, da participação da FGV em pesquisas do governo sobre a cracolândia, no centro da capital –a Folha de S. Paulo mostrou que a gestão Tarcísio iniciou uma espécie de censo dos frequentadores da região.

A primeira fase da pesquisa sobre as câmeras corporais mostrou não só uma redução das mortes, mas um aumento na produtividade. Houve aumento de 102% nos registros dos casos de violência doméstica e de 24% nas apreensões de armas de fogo pelos policiais que usavam o equipamento, por exemplo.

Para medir o impacto no trabalho policial, os pesquisadores compararam o desempenho de batalhões com e sem câmeras, em regiões que têm índices de criminalidade compatíveis. O estudo mostrou que não houve um aumento significativo no número de flagrantes. O efeito mais evidente ocorreu no registro de crimes subnotificados –casos de violência doméstica, por exemplo, com frequência são resolvidos no local sem gerar o registro de uma ocorrência.

No ano passado, as mortes de policiais em serviço caíram ao nível mais baixo já registrado, um fenômeno que também coincidiu com a adoção das câmeras corporais.

Já a redução de mortes de pessoas em intervenções policiais, no período da pesquisa, foi de 57%. Junho de 2021, quando a pesquisa teve início, foi o primeiro mês em que nenhuma morte em confrontos com a polícia foi registrada nos 18 batalhões que usavam o equipamento.

O relatório do estudo ressalta que o programa da PM paulista "é uma das maiores iniciativas de uso de câmeras no mundo, uma vez que se trata da maior força policial brasileira e pressupõe o uso de câmeras durante todo o turno por todos os policiais". Os resultados indicam que a tecnologia "cumpriu um papel fundamental na redução do uso excessivo da força", diz o texto.

Para realizar o estudo nos mesmos moldes, seria necessário ter acesso a dados que a polícia não divulga, como as áreas patrulhadas por companhias da PM que usam câmeras e os boletins de ocorrências feitos pelos policiais durante o expediente. Pesquisadores argumentaram que a continuação da pesquisa provavelmente seria positiva para o governo, uma vez que a primeira edição já havia demonstrado melhora nos índices.

A PM diz que, entre as novas funcionalidades das câmeras em estudo, estão "a comunicação bidirecional entre câmera e a Central de Comando, a leitura de placas e a priorização de transmissão de dados em locais de grande concentração".

Já o novo convênio com FGV e Fapesp vai contemplar desenvolvimento de ferramentas de análise de grandes conjuntos de dados (big data analytics) e de inteligência artificial para apoiar decisões de combate e prevenção de crimes. Na apresentação do grupo de estudos, a FGV também fala em "ferramentas de avaliação de políticas de segurança pública", mas não menciona quais políticas seriam avaliadas.

A gestão Tarcísio tem sido criticada pela falta do uso das câmeras, principalmente durante a Operação Escudo na Baixada Santista. Maior ação policial deste ano, a Escudo teve diversas denúncias de execuções, ameaças e casos de tortura.

Segundo o Ministério Público de São Paulo, imagens de câmeras corporais de policiais militares enviadas pela PM mostram registros de confrontos com criminosos em apenas 3 dos 16 casos iniciais em que houve mortes na Operação Escudo, na Baixada Santista. A Promotoria não respondeu se as mortes que ocorreram depois foram gravadas por câmeras nas fardas.

O número de mortes pela PM voltou a crescer neste ano. Na região de Santos, Guarujá e São Vicente, os meses de julho e agosto já superam todas as mortes em intervenções policiais no ano passado.

Recentemente, a PM paulista alocou cerca de 400 câmeras de outras unidades para o policiamento de trânsito na cidade de São Paulo. Isso ocorreu sem que a corporação comprasse novas câmeras, ou seja, os equipamentos poderiam ser utilizados em batalhões de ações especiais, que se envolvem na maior parte dos confrontos da operação.

Sobre o aumento das mortes, a SSP afirma que "investe permanentemente no treinamento das forças de segurança e em políticas públicas" para reduzi-las. Diz ainda que a causa das mortes decorrentes de intervenção policial não é a atuação dos agentes, "mas sim a ação dos criminosos que optam pelo confronto, colocando em risco tanto a população quanto os participantes da ação".

Sobre as denúncias de excessos na Operação Escudo, a pasta tem afirmado que "todos os casos são investigados minuciosamente pela Deic de Santos e pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar". Além disso, afirma que policiais civis e técnico-científicos foram mobilizados para dar apoio às investigações. "Todo conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, está sendo compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário."

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