Ministra da Saúde defende projeto que reduz piso em 2023 e diz que ele eleva recursos

Nísia Trindade disse que remanejar cerca de R$ 20 bilhões nos últimos meses do ano para a área com o objetivo de cumprir o piso constitucional

© Getty Images

Economia Orçamento 07/10/23 POR Folhapress

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A ministra Nísia Trindade (Saúde) diz ser favorável ao projeto de lei aprovado pelo Congresso que flexibiliza o cumprimento do piso constitucional da Saúde em 2023. Ela afirma que o texto daria mais recursos à área sem prejudicar outros setores do governo.

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Segundo ela, remanejar cerca de R$ 20 bilhões nos últimos meses do ano para a área com o objetivo de cumprir o piso constitucional -regra que tem dado dor de cabeça para a equipe econômica neste ano-, "poderia trazer grave prejuízo, considerando inclusive o curto tempo para uma execução responsável e criteriosa".

Ao mesmo tempo, a ministra silencia sobre uma alternativa que o governo tem tentado construir para resolver o imbróglio -uma consulta enviada pelo Ministério da Fazenda ao TCU (Tribunal de Contas da União) para afastar completamente a regra do mínimo neste ano, o que não proporcionaria nenhum centavo a mais para a Saúde.

"O ministério já se manifestou a favor da proposta contida no PLP [projeto de lei complementar] 136, apresentado pelo deputado Zeca Dirceu [PT-PR], que acrescenta recursos para a saúde sem prejudicar outras áreas essenciais do governo e que direciona esses recursos adicionais ao fortalecimento do SUS nos estados e municípios", afirma a ministra em pronunciamento por escrito à Folha.

"Entendemos que é necessária a superação da histórica condição de subfinanciamento do SUS no Brasil e, para isso, é crucial que o Ministério da Saúde tenha o seu orçamento fortalecido", acrescenta.

O projeto de lei já foi aprovado por Câmara e Senado e precisa ainda ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Segundo estimativas preliminares do governo, o dispositivo incluído no projeto de lei deve significar um incremento de R$ 4,8 bilhões ao piso da Saúde neste ano. O dinheiro precisará ser remanejado de outras áreas.

Essa não é, porém, a alternativa preferida da equipe econômica, que considera a inclusão desse dispositivo no texto uma medida "atabalhoada". A tese dessa ala do governo é de que não é necessário mexer nas dotações da Saúde em 2023, uma vez que o Orçamento foi aprovado quando um piso menor estava em vigor (na época do teto de gastos, hoje revogado).

Por isso, o Ministério da Fazenda enviou ao TCU uma consulta sobre a possibilidade de afastar os pisos constitucionais de Saúde e Educação neste ano. Assim, a pasta conseguiria evitar a necessidade de remanejar recursos com eventual paralisação nos demais ministérios.

Em sua declaração, Nísia Trindade nem sequer menciona a consulta ao TCU, num indicativo de que a pasta não apoia esse caminho, mas tampouco deseja se indispor publicamente com o ministro Fernando Haddad (Fazenda).

O impasse existe porque os mínimos constitucionais de Saúde e Educação vinculados à arrecadação voltaram a vigorar após a sanção do novo arcabouço fiscal, em 30 de agosto. O ato significou também a revogação do teto de gastos, que exigia uma aplicação mínima em Saúde e Educação menor do que as regras previstas agora.

A aplicação integral dos pisos neste ano pode exigir a injeção de até R$ 20 bilhões adicionais apenas na Saúde, informou o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos. Na Educação, as simulações não indicam necessidade de incremento.

O tamanho do buraco na Saúde equivale à diferença entre os cerca de R$ 168 bilhões reservados atualmente no Orçamento e o valor na casa dos R$ 189 bilhões que precisaria ser aplicado para alcançar os 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) atualizada para o ano, como manda a Constituição Federal.

O dispositivo incluído por Zeca Dirceu busca uma espécie de meio-termo. Ele fixa a RCL prevista na Lei Orçamentária, sancionada em janeiro, como referência para o piso da Saúde em 2023. Nesse documento, a receita foi estimada em R$ 1,152 trilhão, e 15% disso resulta em um mínimo de R$ 172,82 bilhões -bem mais próximo da dotação atual.

Membros do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) dizem à Folha serem críticos ao projeto, tendo em vista seu impacto negativo à Saúde na comparação com o previsto na Constituição.

Eles criticam a fala da ministra Nísia e dizem que essa nova postura vai desarticular e reduzir a capacidade do Estado de promover política pública.

Defensores do projeto dentro do governo, por sua vez, argumentam que ele proporcionará um incremento adicional de recursos à Saúde em 2023. A lógica dessa ala é que o governo já injetou cerca de R$ 22 bilhões com a PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na transição e outros R$ 7,3 bilhões para bancar o piso da enfermagem. Com este projeto de lei, seriam outros R$ 4,8 bilhões.

O presidente do Conass, Fábio Baccheretti, afirma que qualquer movimento para diminuir os recursos da saúde é um "retrocesso". "O SUS deve ser comemorado, mas existem muitos gargalos", afirma.

Segundo ele, a retomada do piso previsto na Constituição já em 2023 seria uma oportunidade de recuperar recursos após anos de achatamento nos repasses federais a estados e municípios.

"O que progrediu foi às custas de estados e municípios. Nos estados, o mínimo é 12%, vários investem 16% ou 17% [da RCL]. Nos municípios, o mínimo é 15% e a média de aplicação é 30%, muito acima do mínimo", diz. "Estados e municípios também têm estradas para fazer, saneamento, mas nós não podemos deixar de investir. O governo federal não permite que nós não executemos os 12% constitucionais."

Baccheretti critica ainda o argumento usado pelo Ministério da Fazenda de que um remanejamento agora de R$ 20 bilhões poderia levar a uma aplicação improvisada de recursos.

"Temos aí várias políticas que precisam de novos reajustes. Há necessidade de se investir em hospitais sucateados no país inteiro. O Samu teve um reajuste muito aquém do que estados e municípios vêm ampliando. Há claramente vários serviços com necessidade", diz o presidente do Conass.

Segundo ele, há uma fila de hospitais aguardando habilitação do governo federal para prestarem serviços ligados à oncologia ou a cirurgias cardíacas. As autorizações estão travadas porque implicam repasses de recursos.

O secretário-executivo do Conasems, Mauro Junqueira, já disse lamentar a postura do governo federal. A instituição tem feito manifestações de repúdio a qualquer proposta que tenha como resultado a redução dos valores destinados ao financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde).

"A gente briga por mais recursos na Saúde, e agora está brigando para não perder o que tem. É muito triste esse cenário", afirmou na semana passada. Segundo ele, a entidade vai buscar mobilizar gestores e membros do próprio governo na tentativa de reverter a situação.

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