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ANGELA PINHOSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo do presidente Lula (PT) vem repetindo, até o momento, parte da receita da esquerda que reduziu a desigualdade na América Latina durante a chamada onda rosa do final dos anos 1990 e no início dos 2000.A sustentabilidade das medidas em meio a aperto orçamentário e a um cenário internacional mais desfavorável do que antes, porém, é incerta.
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A onda rosa foi o apelido dado ao período que concentrou governos de esquerda na América Latina. Em 2009, 11 de 17 países da região tinham um presidente desse campo ideológico no poder.
Estudo recente publicado na revista Latin American Politics and Society mostrou que, no geral, eles conseguiram reduzir a desigualdade de renda mais rápido do que gestões não de esquerda, independentemente do boom de commodities.
O trabalho é assinado pelo cientista político Germán Feierherd, da Universidade San Andrés, na Argentina, e pelos economistas Patricio Larroulet, Wei Long e Nora Lustig, da Universidade Tulane, nos Estados Unidos.
Lustig é autora de outro estudo, amplamente citado na literatura acadêmica, que mostrou que os governos de esquerda moderada do Brasil e do Chile foram mais bem-sucedidos em reduzir a desigualdade do que governos de outros campos políticos ou de esquerda populista na região.
No trabalho de agora, ela e seus colegas usaram métodos econométricos para isolar do resultado da desigualdade a contribuição de outros fatores relacionados ao boom de commodites da época, como volume de comércio, composição da força de trabalho, entre outros.
Foram analisados dados entre 1992 e 2017, antes, durante e depois da saída de governos de esquerda.
A conclusão foi que, em média, países com um presidente esquerdista tiveram uma queda no índice de Gini, que mede a desigualdade, 2,4 pontos percentuais maiores que os demais. Essa melhora poderia chegar a 5,5 pontos em caso de uma permanência mais prolongada no poder.
Segundo eles, três medidas adotadas pelos governos da onda rosa foram determinantes para esse resultado: aumento do salário mínimo, elevação da arrecadação de impostos e de pensões com critério social.
Ações como essas têm aparecido de novo na atual gestão Lula. O petista anunciou o primeiro aumento real do salário mínimo em seis anos e enviou ao Congresso projeto que prevê política de reajuste pela inflação acrescida da variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.
Sua gestão também tenta elevar a arrecadação, com meta de obter R$ 168 bilhões em receitas extras, e anunciou ampliação do programa Bolsa Família.
Distribuir renda aos mais pobres sem onerar muito mais os mais ricos pode ter sido uma estratégia bem-sucedida antes, do ponto de vista social e político, mas atualmente há mais obstáculos para replicá-la.
Para países como Brasil e Argentina, que já têm alto nível de gasto fiscal em relação ao PIB, será difícil se apoiar em aumentos contínuos de gasto para redistribuir renda, diz Feierherd.
No caso argentino, aliás, ele avalia que a expansão do gasto durante os governos Kirchner contribuiu decisivamente para a crise subsequente no país.
Tanto lá como no Brasil, para reduzir a desigualdade de renda, afirma o cientista político, o gasto público agora precisará ser mais eficiente e mais redistributivo. Questões como acesso a educação, que não são objeto do estudo, também podem ter efeito importante.
A constatação sobre a natureza dos gastos leva a desafios na arena política. Isso porque o governo Lula conseguiu a aprovação da Reforma Tributária, mas propostas como a taxação de offshores dependem de negociação com o Congresso, o que desperta críticas de economistas heterodoxos."Essa reforma tributária poderia também ter sido aprovada pela direita, porque já era de interesse do mercado", diz Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, professora de economia da UnB (Universidade de Brasília).
Para ela, a reforma em si é positiva ao simplificar o sistema tributário, mas o problema foi separar sua discussão de novas regras de taxação direta, ou seja, sobre renda e patrimônio -uma bandeira mais ligada à esquerda.
A crítica se soma a outras de esquerdistas sobre medidas do terceiro mandato de Lula, como a persecução de déficit fiscal zero e a não revogação de reformas como a trabalhista e a do ensino médio -embora, nos dois casos, estejam previstas mudanças nos textos sancionados na gestão Michel Temer (MDB).
Para o cientista político Alberto Carlos Almeida, a pressão da esquerda mais radical é positiva para Lula, uma vez que lhe dá maior poder de barganha ao negociar com outros campos ideológicos.
Em outras palavras, seria positivo para o presidente parecer mais moderado que seus próprios aliados.
Na avaliação de Almeida, que durante a Operação Lava Jato teve telefonemas em que dava conselhos a Lula revelados, muito dificilmente a esquerda mais ideológica dará cartas. Em sua visão, por duas razões: a moderação do presidente e a fragilidade da base mais programaticamente alinhada com o petista no Congresso.
Por isso, ele avalia como natural a ênfase que o governo federal tem dado ao combate à pobreza e às concessões ao centrão -não confundir com o centro, associado ao vice Geraldo Alckmin (PSB) ou à ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB)."Frente ampla é um nome charmoso, mas o que é importante para o governo agora é ter voto de deputado", diz.
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