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(FOLHAPRESS) - Caracterizado pelo prejuízo à comunicação, interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, o TEA (Transtorno do Espectro Autista) é um distúrbio que atinge cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil, de acordo com estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde).
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O TEA é uma condição permanente, sem cura e que afeta o desenvolvimento neurológico, podendo se manifestar de forma heterogênea nos diferentes pacientes. Quanto mais graves os sintomas, maior é o nível de suporte necessário -a escala varia de 1 a 3.
Não existe uma causa única para o transtorno, mas segundo especialistas, a maioria dos casos tem origem genética. Fatores externos, como complicações durante a gestação, também podem contribuir para o TEA durante a infância.
Atrasos na fala e linguagem estão entre as manifestações que mais chamam a atenção de mães e pais em crianças pequenas, explica a neuropsicóloga Joana Portolese, coordenadora do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "A gente tem diversas manifestações clínicas: a criança que não manda beijo, que não dá tchau ou é mais descoordenada na parte motora. Geralmente tem alterações sensoriais, que levam a uma hipersensibilidade tátil, gustativa, auditiva ou visual."
O diagnóstico na primeira infância e tratamento precoce melhoram o desenvolvimento e ampliam as chances do indivíduo atingir autonomia, com possibilidade inclusive de diminuição do nível de suporte.
"A gente não fala em perder o diagnóstico, mas em ser uma pessoa funcional, que tem linguagem, que é alfabetizada e que na vida adulta vai trabalhar", afirma Claudia Romano, doutora em psicologia experimental e coordenadora do curso de pós-graduação em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Estudos mostram, no entanto, que o transtorno costuma ser identificado mais tarde no Brasil.
"Os pais percebem os sinais antes dos dois anos de idade, mas às vezes o diagnóstico é dado só com quatro ou cinco anos. Então a gente tem um atraso gigantesco na época que a gente mais deveria intervir", afirma Cristiane de Paula, coordenadora de pós-graduação da Universidade Mackenzie e responsável por conduzir um estudo com mil famílias de autistas em todas as regiões do país.
Segundo a pesquisadora, cerca de 50% das crianças com TEA têm alguma deficiência intelectual -destes, 1 a cada 3 são casos graves.
COMO É O TRATAMENTO DE AUTISMO?
Pesquisas desenvolvidas com diferentes metodologias científicas demonstram a eficácia de tratamentos baseados na análise do comportamento aplicada (ABA, em inglês). Dentro da abordagem, existem diferentes técnicas e protocolos que são aplicados tratamento de TEA, com bons resultados nas habilidades de interação social e no controle de impulsividade e agressividade, entre outros.
Em geral (e sobretudo nos casos mais graves), o transtorno é acompanhado de prejuízo sensório-motor e outras comorbidades, o que torna o tratamento multidisciplinar fundamental para o desenvolvimento das crianças.
Sessões de fonoaudiologia, por exemplo, são indicadas para problemas de fala e linguagem. Dificuldades motoras, por sua vez, são tratadas com o apoio da fisioterapia. Já a terapia ocupacional é dirigida à estimulação sensorial para crianças com problema de hipersensibilidade.
O número de sessões também varia, segundo Romano, com indicação de 30 a 40 horas semanais para intervenções mais intensivas e 10 horas semanais para nível de suporte 1.
"De maneira geral, um paciente com autismo leve não precisa dos protocolos e técnicas mais intensivas na primeira infância. Já para o nível de suporte 3, ele vai precisar sempre do tratamento mais intensivo", afirma a psicóloga.
Segundo de Paula, ainda há indicação de medicamentos para controle de alguns sintomas, como agitação, agressividade e sono.
O tratamento para autismo não tem duração determinada e não existe "alta" definitiva. Mesmo para pacientes leves, a assistência deve ser mantida ao longo da vida.
O QUE ESTÁ POR TRÁS DO AUMENTO DE DIAGNÓSTICO?
A prevalência do transtorno tem crescido em todo o mundo. Uma pesquisa publicada neste ano pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano aponta que 1 a cada 36 crianças com menos de 8 anos têm autismo. Outros estudos internacionais indicam uma prevalência de 1% a 2%.
O maior acesso da população a serviços diagnósticos e conscientização sobre o tema são fatores que ajudam a explicar o aumento nos casos.
De acordo com De Paula, casos graves eram caracterizados simplesmente como deficiência intelectual, mas não tinham diagnóstico preciso, pois se confundiam com outras condições de saúde, enquanto os casos leves também eram subnotificados. Nas últimas décadas, porém, o entendimento sobre o que é autismo passou por mudanças e se tornou mais abrangente.
A atualização mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, de 2013, classifica o autismo e outros transtornos do desenvolvimento, como o transtorno desintegrativo infantil e a síndrome de Asperger, como TEA. Desde então, as pessoas são diagnosticadas em um único espectro com diferentes níveis de gravidade.
Mais recentemente, a compreensão do autismo como condição única apareceu no código internacional de doenças, da OMS, como CID-11; a nova classificação ainda está sendo traduzida para o português e deve entrar em vigor no país a partir de 2025.
O BRASIL TEM CONDIÇÕES DE ATENDER ESTA DEMANDA?
Como a Folha mostrou, o aumento de demanda pelo tratamento de TEA acabou se tornando um gargalo para planos de saúde brasileiros, diante da falta de profissionais qualificados e insuficiência das redes conveniadas. Em contrapartida, os planos argumentam que houve um aumento de indicações de terapias sem comprovação científica e com carga horária excessiva.
A pesquisadora do Mackenzie concorda que há muito tratamento sem base em evidências, o que pode ser um problema para os pais. "Muitas mães acabam levando as crianças em qualquer clínica, gastando dinheiro público e privado, numa coisa que não funciona."
Segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, a definição de uma linha de cuidado específica poderia estabelecer parâmetros de terapias e nível de formação dos profissionais que as aplicam.
"O tratamento ineficaz num transtorno que acomete áreas tão importantes, que são a comunicação e o social, pode ter o efeito de desviar o desenvolvimento", afirma Romano, da PUC-SP.
Um modelo piramidal, com um supervisor pós-graduado responsável pela elaboração do plano terapêutico, um coordenador especialista e um acompanhante terapêutico para fazer a aplicação das técnicas e acompanhamento direto do paciente, pode ser importante. Buscar profissionais certificados em ABA também é fundamental, diz.
A ABPMC (Associação Brasileira de Ciências do Comportamento) lançou recentemente a certificação Caba-BR que define parâmetros de formação para profissionais que atuam na metodologia. "O tratamento, mesmo baseado em evidências, pode ser muito variado. Então é importante que seja conduzido por bons profissionais", completa.