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(FOLHAPRESS) - O clima entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era de festa. A oposição ao governo Lula (PT) no Senado se aproximava pela primeira vez da imposição de um revés ao STF (Supremo Tribunal Federal), tribunal que se tornara o principal algoz do bolsonarismo nos últimos anos.
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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no entanto, decidiu adiar a votação.
A oposição pouco protestou. Os defensores da proposta haviam identificado um fato novo, e o otimismo deu lugar à preocupação. Os ministros do Supremo tinham entrado em campo. Ligaram e mandaram mensagens para diversos senadores. Os recados velados foram muitos.
Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que têm bom trânsito entre os parlamentares, avisavam que a aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que proibia decisões individuais na corte contra atos do presidente da República e de chefes do Congresso tinha potencial para mudar o humor do STF com o Senado.
No dia seguinte, 22 de novembro deste ano, porém, Pacheco e bolsonaristas recontaram os votos e decidiram enfrentar o Supremo. Por três votos além dos 49 necessários e graças a uma articulação com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a matéria foi aprovada.
A derrota -e a reação- do STF deixaram clara a atuação cada vez mais política da corte, que, em tese, deveria apenas dar a palavra final sobre a interpretação dos dispositivos da Constituição.
A movimentação com viés político do Supremo já havia sido explicitada por Gilmar Mendes, o mais antigo membro da corte, no mês anterior. "Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal", afirmou em entrevista a jornalistas.
Ele se referia ao revés que o STF deu à Operação Lava Jato em 2021, quando anulou as sentenças e devolveu os direitos eleitorais do petista.
À época da reabilitação de Lula, Bolsonaro avançava com ataques contra o tribunal e seus ministros. A decisão do Supremo abriu o caminho para que Lula disputasse a eleição em 2022.
Em junho deste ano, após a derrota de Bolsonaro para Lula, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), comandado por Moraes, declarou o ex-presidente inelegível por oito anos.
Pouco antes de se tornar presidente da corte, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou "nós derrotamos o bolsonarismo" em um evento da UNE (União Nacional dos Estudantes). Mais tarde, disse que lamentava a fala e que se referia ao extremismo, e não a eleitores de Bolsonaro.
Foi este cenário que originou o sentimento de traição e a revolta do Supremo diante do voto de Jaques Wagner a favor da PEC no Senado. Os ministros se irritaram com a omissão do Palácio do Planalto no debate sobre o tema, que facilitou a aprovação da proposta, e cobraram Lula.
O próprio Wagner admitiu em entrevista à imprensa que recebeu um telefonema de Gilmar. "Recebi só uma ligação do ministro Gilmar. Óbvio que ele não estava satisfeito", disse.
Após o voto de Wagner, o presidente Lula decidiu indicar para a PGR (Procuradoria-Geral da República) Paulo Gonet, o que foi visto como um movimento para agradar os ministros insatisfeitos.
Gonet é ex-sócio de Gilmar em uma universidade, e foi apadrinhado na indicação para a PGR tanto pelo decano do STF quanto por Alexandre de Moraes.
Mas outras decisões do Supremo também explicitaram o caráter político da corte e a tentativa de aproximação com o governo federal.
Com as polêmicas deste ano, a reprovação do Supremo subiu de 31%, em dezembro de 2022, para 38%, segundo pesquisa Datafolha feita no início deste mês, enquanto a aprovação caiu de 31% para 27% no mesmo intervalo de um ano.
Ao comentar a pesquisa, em evento no STF, Barroso disse que surpreendente seria se a corte fosse aprovada por todos, porque decide "as questões mais decisivas da sociedade brasileira" e está sempre desagradando a alguém.
O STF, porém, fez uma série de acenos para agradar ao governo neste ano.
Em setembro, ao anular provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht, o ministro Dias Toffoli fez acenos a Lula, com quem havia se desgastado nos últimos anos, e disse que a prisão do petista foi uma armação e o "verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia".
Ele tentava se reaproximar do atual presidente da República. Toffoli foi indicado ao Supremo por Lula em 2009, quando era advogado-geral da União, e sempre foi um nome de confiança do PT.
Nos últimos anos, porém, manteve uma relação próxima com o ex-presidente Jair Bolsonaro e a base bolsonarista. Chegou a classificar o golpe militar de 1964 como um "movimento".
O principal desgaste de Toffoli com Lula, porém, aconteceu quando ele impediu que o petista fosse ao velório do irmão enquanto estava preso em Curitiba.
Os ministros também fizeram movimentos para facilitar, no primeiro semestre, a indicação de Cristiano Zanin, que foi advogado de Lula na Lava Jato, ao assento que ficou vago com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski.
Assim que Lewandowski se aposentou, Dias Toffoli pediu para mudar da Primeira para a Segunda Turma da corte, retirando os casos da Lava Jato da rota do indicado do petista e evitando constrangimentos, uma vez que Zanin é um crítico declarado da operação.
O ministro Edson Fachin também agiu para criar um ambiente favorável à indicação de Zanin e evitar constrangimentos com a sua escolha. Ele fez isso ao enviar para Toffoli um recurso de Lula contra a Lava Jato.
A relação de ministros com parlamentares e presidentes não chega a ser uma novidade. O Supremo sempre teve integrantes, em maior ou menor grau, próximos do mundo político.
Mas o protagonismo do tribunal na política começou a ganhar corpo a partir do julgamento do mensalão, em 2012, e se consolidou.
Os ministros entendem as relações que constroem com o Executivo e o Legislativos como importantes para a atuação da corte. O próprio Barroso já disse em discurso após assumir a presidência que o tribunal vive um momento de "ascensão política e institucional".
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