© Getty Images
IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) - A acusação de estupro contra uma menor em 1987 acompanha a carreira do técnico Alexi Stival, o Cuca, mas foi apenas em 2023 que o tema ganhou dimensão maior, gerando intenso debate acerca do machismo no futebol e cancelando o treinador.
PUB
Como a Folha revelou no dia 3, a Justiça da Suíça, onde o caso transcorreu, anulou a sentença que havia condenado Cuca em 1989. A defesa havia pedido um novo julgamento, com o que a juíza de Berna concordou, mas a avaliação do Ministério Público de que a prescrição das penas tornaria o trabalho inócuo pesou, o processo foi extinto sem avaliação de mérito.
A seguir, o resumo do que aconteceu.*O INÍCIO
O Grêmio foi jogar um torneio chamado Copa Phillips em Berna (Suíça) no fim de julho de 1987. Treinado por Luiz Felipe Scolari, o time venceu o Benfica por 2 a 1 no dia 29.No dia seguinte, à noite, a polícia foi ao Hotel Metropole de Berna, onde o time estava, e levou presos os jogadores Alex Stival (Cuca), Henrique Etges, Fernando Castoldi e Eduardo Hamester.
A ACUSAÇÃO
Segundo o juiz Jürg Blaser, eles teriam cometido ato sexual sob coerção com Sandra Pfäffli, de 13 anos, filha de um funcionário do hotel. A garota disse à polícia que foi ao quarto dos jogadores com dois amigos para pedir autógrafos, camisas e flâmulas, mas acabou abusada quando eles deixaram o local.
O Grêmio afirmou inicialmente que ela apenas esteve lá para pedir os brindes, mas Henrique e Eduardo confessaram ter feito sexo com Sandra de forma consensual. Fernando e Cuca negaram participação desde o começo.
Ao jornal suíço Blick, Sandra disse que três jogadores a imobilizaram e um a estuprou, que segundo ela poderia ou não ser Cuca. Nos depoimentos, ela não o identificou ao ver fotos. Ao "Jornal dos Sports", Cuca disse que ela não aparentava a idade e que subira para fazer sexo com um de seus colegas, que não nomeou.
A PRISÃO
Os jogadores foram levados para prisões separadas e acabaram soltos após um mês, passada a instrução inicial do processo, e levados para o Brasil pelo advogado Luiz Carlos Pereira Silveira Martins, o Cacalo, vice jurídico do Grêmio à época. Eles pagaram fiança de US$ 1.500 cada (R$ 20 mil hoje, em valores corrigidos pela inflação americana).
A CONDENAÇÃO
O processo seguiu seu curso e, em 1989, Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados a 15 meses de prisão e uma multa de US$ 8.000 (R$ 106 mil hoje). Eles foram enquadrados por "fornicação com crianças" e "coerção", mas isentados de acusação de violência, pelo que a promotoria queria uma pena de 10 anos. Já Fernando pegou 3 meses e multa de US$ 4.000 (R$ 53 mil hoje) como cúmplice, por ter ficado, segundo o juiz, monitorando a porta do quarto.
O QUE ACONTECEU COM A VÍTIMA?
O advogado de Sandra no caso, Willi Egloff, afirmou ao UOL que a garota chegou a tentar se matar posteriormente e teve depressão. Na época do incidente, policiais disseram que ela não parecia abalada nos depoimentos e que pediu autorização para ir à final da Copa Phillips entre o Grêmio e o suíço Neuchatel Xamax, vencida pelos gaúchos no dia seguinte à prisão.
Em 2023, quando o processo foi reaberto, a Justiça descobriu que Sandra já havia morrido anos antes. Um herdeiro dela foi localizado, mas ele não quis se envolver no caso.
O QUE ACONTECEU COM OS JOGADORES?
Os jogadores não voltaram à Suíça para se defender e nunca cumpriram as penas, que prescreveram -em 1997 ou 2004, a depender da interpretação legal. No dia do julgamento, 15 de agosto de 1989, apenas Fernando tinha um advogado presente -Cacalo disse estar presente, mas isso não consta dos autos.
O QUE ACONTECEU COM CUCA?
Os jogadores seguiram suas carreiras até se aposentarem. Cuca jogou na Espanha, pelo Palmeiras e pelo Internacional. Como técnico, foi ainda mais bem-sucedido, ganhando a Copa Libertadores de 2013 pelo Atlético-MG.
O CASO DESAPARECEU?
A acusação era relembrada pontualmente, mas o caso voltou com toda a força quando a direção do Corinthians o anunciou para treinar o time em 21 de abril de 2023. Com protestos intensos de redes sociais e do time feminino do clube, ele deixou o cargo após dois jogos, em 26 de abril.
O QUE CUCA ALEGA?
Cuca sempre disse ser inocente. Uma versão inicial era de que ele tinha uma "vaga lembrança" do ocorrido e de que havia sido julgado à revelia. Na sua versão, o quarto era duplo e em forma de L, e ele não viu o que os colegas fizeram com a menina. À época, contudo, ele disse ao jornal Zero Hora que todos "deviam pagar", independentemente do que tivessem feito. Desde a saída do Corinthians, Cuca perdeu patrocinadores e seguiu sem emprego.
E A QUESTÃO DO SÊMEN?
O site Globoesporte.com revelou em maio de 2023 que um trecho do processo em Berna citava que havia um laudo provando que havia sêmen de Cuca no corpo de Sandra. A versão foi corroborado por Egloff, que também disse que a garota havia reconhecido ele como estuprador, ao contrário do que o técnico alegava e do que os depoimentos indicavam -conforme o portal UOL publicou em 2021, não havia registro do reconhecimento de Cuca pela vítima nos autos. O técnico aceitou fazer um novo exame de DNA, mas o caso não foi reaberto.
O QUE CUCA FEZ?
Depois de toda a confusão e a saída de Cuca do Corinthians, sua defesa pediu a reabertura do caso e pediu um novo julgamento, alegando que ele havia sido condenado à revelia e que poderia ser inocentado. Essa alegação foi acatada em 22 de novembro.
Como o Ministério Público considerou o caso prescrito, em 28 de dezembro a Justiça extinguiu a pena e o processo sem uma reavaliação dos fatos em si. A juíza do caso, Bettina Bochsler, determinou indenização estatal a Cuca equivalente a R$ 55 mil.
CUCA FOI JULGADO À REVELIA?
Sim. O advogado Peter Stauffel, constituído pelo Grêmio para defender Cuca, Henrique e Eduardo, deixou o caso um ano antes do julgamento. Na época, a lei penal suíça permitia isso, e o processo foi instruído pela acusação. Isso mudou nos anos 2000, retroagindo em favor do réu. O trio foi julgado sem defensor. Fernando, por sua vez, tinha um advogado próprio presente. Cacalo disse que estava presente, mas isso não foi oficialmente registrado.
CUCA FOI INOCENTADO?
Não. Sua defesa, contudo, reuniu elementos novos para sustentar que ele não estuprou Sandra, mas a Justiça focou-se apenas na irregularidade do julgamento e na avaliação de sua prescrição.