Israel deixa Gaza à beira da fome, diz África do Sul em início de audiência em Haia

Pretória apelou ao tribunal internacional para pressionar Tel Aviv a suspender imediatamente a ofensiva contra Gaza

© <p>Getty Images</p>

Mundo Guerra 11/01/24 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Corte Internacional de Justiça, mais conhecida como Corte de Haia, deu início nesta quinta-feira (11) às audiências para apurar a denúncia feita pela África do Sul, com o apoio do Brasil, que acusa Israel de descumprir a Convenção Internacional contra o Genocídio em sua campanha militar na Faixa de Gaza.

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Pretória apelou ao tribunal internacional para pressionar Tel Aviv a suspender imediatamente a ofensiva contra Gaza. Quase cem dias após a eclosão da guerra, mais de 23 mil pessoas, a maioria civis, foram mortas no território palestino. As ofensivas são respostas aos atentados realizados pelo Hamas em 7 de outubro que mataram cerca de 1.200 pessoas e fizeram mais de 200 reféns em Israel.

"Nenhum ataque armado ao território de um Estado, por mais grave que seja [...], justifica a violação da convenção [Internacional contra o Genocídio de 1948]", disse o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, aos juízes do tribunal.

A advogada Adila Hassim, da acusação, emendou que as ofensivas israelenses colocaram a população palestina "à beira da fome". "A situação é tal que os especialistas preveem que mais pessoas poderão morrer em Gaza de fome e doenças [do que em consequência das ações militares]", disse ela.

A delegação sul-africana adotou tom duro contra Israel, acusando-o de ter "intenção genocida" contra a população de Gaza e de impor condições que provocam mortes e destruição. As forças israelenses, segundo Pretória, também estariam promovendo um apartheid contra os palestinos. As acusações já foram rechaçadas por Tel Aviv em várias ocasiões ao longo do conflito.

A reação israelense às declarações na CIJ foi imediata. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Lior Haiat, afirmou que a África do Sul age como um "braço jurídico" do Hamas e descreveu as acusações de genocídio como "um dos maiores espetáculos de hipocrisia da história".

Já Eylon Levy, porta-voz do governo israelense, comparou o processo a uma teoria de conspiração antissemita que acusa falsamente os judeus de matarem bebês para rituais. "O Estado de Israel comparecerá perante o Tribunal Internacional de Justiça para dissipar o absurdo libelo da África do Sul, enquanto Pretória dá declarações políticas e cobertura legal para o regime estuprador do Hamas."

Antes, na noite de quarta (10), o premiê Binyamin Netanyahu voltou a dizer em vídeo divulgado nas redes sociais que Israel "não tem intenção de ocupar permanentemente Gaza ou de deslocar a população civil" do território. Nesta quinta, ele também chamou o processo de hipócrita.

A África do Sul solicitou na audiência a suspensão imediata das operações israelenses contra Gaza, o fim do "assassinato" e deslocamento da população palestina, além da normalização da entrada de alimentos, água e medicamentos à faixa. Também pediu que Israel tome "todas as medidas razoáveis ao seu alcance" para prevenir um genocídio no território.

Os juízes da CIJ devem ouvir formalmente as respostas de Israel nesta sexta (12). Uma decisão sobre medidas de emergência a serem implementadas em Gaza deve ser proferida ainda neste mês. Mas o tribunal, por ora, não deve se pronunciar sobre as acusações de genocídio -um julgamento sobre o tema pode se arrastar por anos.

Amer Salah, 23, que está abrigado em uma escola da ONU no sul de Gaza depois de fugir de sua casa, disse à agência de notícias Reuters que os moradores da faixa esperam que a denúncia faça crescer a pressão internacional, forçando Israel a interromper a guerra.

A denúncia do país africano foi apresentada ao tribunal no último dia 29. O documento acusa o Estado judeu de descumprir a Convenção Internacional contra o Genocídio, segundo o qual o termo pode ser definido a partir de cinco diferentes práticas: matar membros de um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso; causar danos físicos ou mentais graves a eles; infligir a essas pessoas condições de vida que destruam sua capacidade de sobrevivência; impedir sua proliferação; transferir crianças desse grupo para outro local de forma forçada.

Os mais de três meses de bombardeios israelenses devastaram grande parte da Faixa de Gaza, matando mais de 23 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde local, e expulsando quase toda a população de 2,3 milhões de palestinos das suas casas. Um "bloqueio total" imposto por Tel Aviv restringiu o fornecimento de alimentos, combustível e medicamentos à faixa, criando o que as Nações Unidas descrevem como uma catástrofe humanitária.

Israel diz que erradicar o Hamas, o grupo extremista que controla Gaza, é sua única opção de defesa. Os militares do Estado judeu acusam os integrantes da facção de usarem a população como escudo humano e atribuem a eles todos os danos causados aos civis no território.

A África do Sul condenou os ataques do Hamas em 7 de outubro, mas, ao criticar a resposta de Israel, ressaltou que a organização não se trata de um Estado. Após a denúncia, autoridades israelenses criticaram o fato de que o entrincheiramento do Hamas na vida civil de Gaza não havia sido mencionado na audiência.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quarta apoio à denúncia da África do Sul. O posicionamento foi divulgado horas depois de o presidente ter se reunido com o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben. "À luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados", diz a nota do governo brasileiro.

A declaração destoa da tradição diplomática brasileira de buscar equilíbrio entre partes em conflito e, assim, legitimidade para atuar como interlocutor -papel que Lula tentou assumir durante o primeiro ano de seu terceiro mandato tanto no Oriente Médio, como na Guerra da Ucrânia.

A Conib (Confederação Israelita do Brasil) condenou a posição brasileira. Em nota, disse que o governo diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa do país. A organização argumenta que Tel Aviv apenas respondeu ao ataque realizado pelo grupo terrorista Hamas. "A ação sul-africana é uma inversão da realidade", afirma a entidade.

Outros países além do Brasil já manifestaram publicamente apoio à denúncia sul-africana, como Turquia, Jordânia, Malásia, Bolívia e Venezuela. O governo de Gabriel Boric no Chile, por sua vez, disse nesta quarta-feira que em breve também apresentará uma denúncia contra Israel em fóruns internacionais.

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