Kit para bomba 'burra' da Rússia muda cenário na Guerra da Ucrânia

Na quinta (2), o presidente Volodimir Zelenski voltou a implorar ao Ocidente pelo envio de defesas aéreas para Kiev, citando números estimados de armas usadas por Moscou contra a Ucrânia em abril: 300 drones, 300 mísseis e nada menos que 3.200 bombas planadoras

© Yan Dobronosov/Global Images Ukraine via Getty Images

Mundo RÚSSIA-DEFESA 05/05/24 POR Folhapress

(FOLHAPRESS) - O avanço constante da Rússia no leste da Ucrânia neste ano, que ameaça romper as defesas do país invadido em 2022, tem tido numa gambiarra militar um de seus pilares. Trata-se do kit que transforma bombas de queda livre em armas planadoras de precisão razoável e grande poder destrutivo.

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Na quinta (2), o presidente Volodimir Zelenski voltou a implorar ao Ocidente pelo envio de defesas aéreas para Kiev, citando números estimados de armas usadas por Moscou contra a Ucrânia em abril: 300 drones, 300 mísseis e nada menos que 3.200 bombas planadoras.

O apelo das armas é simples de ser compreendido. Uma estrutura metálica aerodinâmica é encaixada em uma bomba de queda livre, ou "burra", no jargão militar. Quando ela é lançada de um avião, uma central de controle abre duas asas que a fazem planar rumo a alvos apontados por um receptor do Glonass, o GPS russo, manobradas por um leme.

A vantagem do sistema sobre mísseis convencionais é o custo. A Rússia tem estoques enormes de bombas "burras" que remontam à União Soviética, e segundo analistas militares do país o preço estimado de um do kit é equivalente a R$ 100 mil.

É muito, mas uma fração do valor de um míssil de cruzeiro Kalibr, por exemplo, que pode sair por R$ 5 milhões a unidade, ainda que os valores reais sejam desconhecidos –usualmente é citada a cifra de R$ 30 milhões, mas este é o preço de um contrato de exportação russo para a Índia da arma, que inclui serviços, apoio e taxas insondáveis.

A perda da acurácia, em comparação com o míssil mais moderno, é compensada pelo alto poder destrutivo: os russos têm empregado a bomba FAB-1500, que tem 1,5 tonelada de TNT, três vezes mais do que carrega um moderno Kalibr.

Segundo o canal de Telegram Fighterbomber, próximo da Força Aérea russa, as FAB-1500 começaram a ser testadas com sucesso em setembro passado. Os kits russos vinham usando bombas menores, as FAB-500, de 500 kg de explosivos, desde o começo de 2023.

Neste ano, o próprio Ministério da Defesa russo divulgou vídeos em que aviões de ataque tático Su-34 lançavam bombas ainda mais poderosas, termobáricas, aquelas que sugam o oxigênio em torno do alvo para alimentar uma explosão devastadora.

O emprego dos kits é mais um improviso decorrente das necessidades da guerra. Os Su-34, estrelas da Força Aérea russa, vinham sofrendo muitas. Com os kits, o avião e modelos com o o caça Su-35 lançam a custo bem reduzido suas armas a até 70 km de distância, quando estão voando a 12 km de altura, bem longe de eventuais baterias antiaéreas ucranianas.

O efeito tem sido relatado como dramático nas linhas de frente. Diversos depoimentos de comandantes e soldados afirmam que o estrago das bombas é um dos fatores do sucesso russo após ter contido a contraofensiva de Kiev no ano passado.

Rússia já avançou mais que em 2023

Em fevereiro, a tomada da cidade de Avdiivka, em Donetsk (leste), selou uma mudança de rumo na guerra. Desde então, forças russas têm avançado sobre linhas que estavam inalteradas desde o início do conflito entre separatistas pró-Moscou e a Ucrânia em 2014. Em alguns pontos, marcharam mais de 20 km.

Parece pouco, mas muito no contexto da guerra de atrito em curso. Nesta sexta (3), o Ministério da Defeda da Rússia disse ter conquistado 547 km2 do vizinho em quatro meses deste ano, mais que os 518 km2 de 2023.

Zelenski já apelou à ampliação da mobilização de jovens para tentar conter a sangria, mas o demorado impasse para que o Congresso americano aprovasse o pacote de ajuda militar a Kiev e a relutância de aliados ocidentais em fornecer armas mais capazes por temer uma escalada com Moscou pioraram o cenário.

Mesmo a ajuda de R$ 300 bilhões americana é relativa, pois boa parte dela é para repor estoques de munição já doados aos ucranianos. Seja como for, estão prometidos para as próximas semanas sistemas antiaéreos Patriot, embora não sejam uma arma adequada para conter as bombas planadoras.

Elas podem ser abatidas pelo poucos e preciosos caças MiG-29 e Su-27 ainda voando de Kiev, em número incerto. Isso aumenta a expectativa em Kiev pela chegada no segundo semestre de modelos americanos F-16 doados por países europeus, embora analistas sejam céticos sobre tal impacto.

A gambiarra russa, ironicamente, não é uma invenção das forças de Vladimir Putin, e sim inspirada numa solução semelhante bolada nos anos 1990 pelos rivais nos EUA. Kits conhecidos como JDAM (Munição Conjunta de Ataque Direto, na sigla inglesa) foram produzidos para baratear os custos após a baixa acurácia de bombardeios na Guerra do Golfo de 1991.

Já foram produzidos pela antiga McDonnell Douglas, hoje Boeing, cerca de 550 mil kits. Eles começaram a ver ação em 1999, no ataque da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) à antiga Iugoslávia, e estão presentes em diversos conflitos, sendo operados por 36 países.

Alguns estão na própria Ucrânia desde 2022, equipando em quantidade limitada os caças locais, que tiveram de ser modificados para receber munição ocidental. As JDAM são mais precisas do que a versão russa, mas guiam bombas menos poderosas por distâncias menores.

Leia Também: Rússia destrói central térmica junto a Kiev em ataque noturno

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