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(FOLHAPRESS) - O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a proposta de suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com a União por três anos. Nesse período, a taxa de juros cobrada sobre o estoque cairá a zero.
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A medida deve dar alívio de R$ 11 bilhões ao governo gaúcho para ajudar na reconstrução do estado após a tragédia das enchentes. Municípios em situação de calamidade e que têm dívida com o governo serão alcançados pelo benefício.
As mudanças serão encaminhadas por meio de projeto de lei complementar ao Congresso. Os detalhes foram apresentados na tarde desta segunda-feira (13), quando Lula teve uma reunião virtual com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Leite agradeceu, mas fez cobranças. Disse que havia solicitado e ainda defende o perdão das parcelas suspensas e acrescentou que o adiamento é insuficiente para atender às demandas do estado devido à tragédia climática.
A declaração foi rebatida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que disse que a redução temporária dos juros sobre o estoque, próximo a R$ 100 bilhões, dará um alívio calculado em R$ 12 bilhões -valor superior ao das parcelas mantidas. "É como se nós estivéssemos perdoando os R$ 12 bilhões."
Também participaram da reunião virtual os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e ministros do governo, como Haddad, Esther Dweck (Gestão e Inovação) e Rui Costa (Casa Civil). Acompanhou o encontro, de forma remota, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin.
A proposta articulada pelo Executivo federal prevê que os valores suspensos serão reincorporados ao saldo devedor, atualizado no período pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Hoje, estados e municípios pagam IPCA mais uma taxa real de 4% ao ano.
Após a apresentação, o governador gaúcho agradeceu ao governo federal, mas lembrou que ele havia pedido a quitação das parcelas, não apenas a suspensão. Ele acrescentou que a questão precisará ser discutida novamente em um outro momento.
Leite então relembrou uma fala que o próprio Lula vem fazendo por esses dias, sobre a contribuição histórica do Rio Grande do Sul com o país. Acrescentou que essa contribuição é justamente um dos fatores que alimentaram a dívida atual do estado.
"[A dívida] É de fato algo que tem punido, dificultado os movimentos do Rio Grande do Sul dentro da situação ordinária. Mesmo sem crise climática, o Rio Grande do Sul já enfrentava dificuldades. Mesmo com muito esforço, vinha trabalhando para ter suas contas em dia, pagar salários em dia, hospitais em dia, ter alguma capacidade de investimento. Mas, diante dessa tragédia, esse pagamento da dívida se transforma em um torniquete insuportável para o estado", afirmou o governador.
"Claro que, como eu disse, vamos querer discutir mais, vamos querer tratar de tantos outros pontos. Infelizmente, não posso dizer que será suficiente essa medida. [...] Vamos precisar de outros tantos apoios e em outras tantas frentes, inclusive discutindo o tema da dívida em relação ao seu futuro", completou.
Haddad, por sua vez, disse que o tema poderá ser revisitado após o fim do período de 36 meses e prometeu estender ao Rio Grande do Sul qualquer eventual benefício articulado com outros estados que também pleiteiam a renegociação de dívidas com a União.
A proposta prevê que o dinheiro economizado deve ser integralmente destinado a um fundo público específico, a ser criado pelo ente para financiar ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública, bem como suas consequências sociais e econômicas.
As ações poderão incluir obras de reconstrução, melhoria ou ampliação da infraestrutura afetada, mitigação de efeitos do fenômeno que causou a calamidade, contratação de mão de obra temporária, financiamento e subvenções para remoção de famílias e empresas de áreas de risco, aquisição de materiais e equipamentos e contratação de serviços necessários ao enfrentamento da tragédia.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo já vinha estudando suspender a cobrança dos juros sobre a dívida do Rio Grande do Sul para evitar que o governo estadual retome os pagamentos devendo um valor ainda maior à União.
A proposta do Executivo federal cria um arcabouço permanente para permitir a suspensão de dívidas em caso de calamidade reconhecida pelo Congresso Nacional.
O Rio Grande do Sul e os municípios gaúchos poderão fazer uso imediato do gatilho, mas o instrumento poderá eventualmente ser acionado por outros entes, caso haja um novo evento dessa natureza no futuro.
O texto do Executivo estabelece regras para que o ente beneficiado demonstre e dê publicidade à aplicação dos recursos, comprovando a correlação entre o alívio na dívida e as ações desenvolvidas dentro do escopo previsto da calamidade.
O governo estadual ou municipal terá um prazo para apresentar o plano de trabalho ao Ministério da Fazenda. A cada ano, também precisará enviar um relatório comprovando a aplicação das verbas.
Em contrapartida à ajuda, o ente beneficiado não poderá, no período da calamidade, criar ou ampliar despesas correntes sem relação com a calamidade, nem instituir ou ampliar renúncias fiscais fora do plano de ação contra a emergência. Exceções deverão ser justificadas à Fazenda.
Após o anúncio, o presidente do Senado afirmou que a situação do Rio Grande do Sul é o "maior problema do Estado brasileiro neste momento" e será tratada com prioridade pelo Congresso.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse em rede social que o projeto de suspensão da dívida gaúcha será votado ainda esta semana pelo plenário da Casa.
No Palácio do Planalto, Haddad disse que o governo federal não tem um limite estipulado para bancar as medidas de ajuda ao Rio Grande do Sul. "À medida que os problemas forem sendo dimensionados, nós vamos tomar medidas. É muito difícil a essa altura prever até onde nós vamos chegar. Não tem uma estimativa segura", afirmou.
Segundo ele, a reconstrução da infraestrutura é essencial para um estado que tem indústria e é exportador.
"Nós não podemos colocar o crescimento econômico do país a perder em função de falta de infraestrutura. Precisa de aeroporto, precisa de estrada, precisa de tudo para a economia funcionar normalmente", disse.
"Se você economizar agora nisso, você vai ter um prejuízo no crescimento econômico medonho. É um estado pujante, é um estado que precisa crescer mais e não menos. Isso só vai acontecer se a infraestrutura estiver recuperada", alertou o ministro.
Inicialmente, o governo federal planejava suspender a dívida do Rio Grande do Sul durante o período da calamidade. Lula propôs e o Congresso aprovou um decreto legislativo que reconhece o estado de calamidade pública, em decorrência da tragédia climática no Rio Grande do Sul, com duração até 31 de dezembro de 2024.
Nesse período, o alívio seria de R$ 3,5 bilhões. O período da suspensão, porém, foi ampliado em negociações internas dentro do governo. Como mostrou a Folha de S.Paulo, especialistas já calculam uma necessidade de até R$ 100 bilhões para o estado conseguir recuperar sua infraestrutura após os danos causados pelas enchentes.
No Congresso, Pacheco também usou um debate com prefeitos para voltar a cobrar uma solução para a reoneração da folha de pagamento dos municípios. "Tenho a firme convicção que o momento não poderia ser mais propício para essa negociação. Foi preciso um evento das dimensões da tragédia do Rio Grande do Sul para provar que todos estamos no mesmo barco", disse no plenário do Senado.
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