Guerra Fria 2.0 testa equilíbrio do Brasil entre Estados Unidos e China

Seja quem for o vencedor da eleição americana, pressão sobre aliados para impor sanções a produtos chineses deve aumentar

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Mundo Diplomacia 20/05/24 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não importa quem estiver na Casa Branca no ano que vem, uma coisa é certa: a guerra fria entre Estados Unidos e China vai continuar, e será cada vez mais difícil a diplomacia brasileira manter sua posição equidistante.

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A necessidade de conter Pequim é um dos poucos temas que unem republicanos e democratas em Washington. Em um ano bastante simbólico, que marca o bicentenário das relações diplomáticas com EUA, no próximo dia 26, e o cinquentenário dos laços com a China (em agosto), não está claro se, daqui para frente, o Brasil conseguirá resistir a pressões para assumir algum dos lados sem enfrentar retaliações.

Tanto Donald Trump quanto Joe Biden devem aumentar o tom de cobrança para que outros países se afastem de Pequim ou boicotem determinados produtos chineses.

"Trump usa uma retórica mais agressiva e iniciou a guerra comercial, mas Biden a manteve e incorporou mais medidas contra a China", diz Maurício Santoro, professor de relações internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha.

Em seu mandato, o republicano impôs sanções e restrições a vistos para inúmeras autoridades e empresas chinesas sob o argumento de perseguição da minoria étnica uigur e de violações de direitos humanos em Hong Kong e no Tibete. Além disso, baniu equipamentos da Huawei e da ZTE no governo federal, sob pretexto de questões de segurança, e pôs as empresas na Lista de Entidades do Departamento de Comércio por terem feito transações com o Irã -o que, na prática, impede empresas americanas de fazerem negócios com elas, a não ser que obtenham licenças.

Foi também sob Trump que os EUA pressionaram o então presidente Jair Bolsonaro a vetar equipamentos da chinesa Huawei nas operadoras de telefonia participando do leilão de 5G no país. O argumento americano era que a Huawei seria uma ameaça à segurança nacional e à privacidade de dados, porque a empresa compartilharia informações com Pequim. Diversas nações cederam e passaram a boicotar a companhia chinesa, entre eles Austrália, Nova Zelândia, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália.

Apesar da proximidade com Trump, Bolsonaro resistiu e não baniu a Huawei -em grande parte porque as operadoras brasileiras já tinham muitos equipamentos da empresa chinesa e teriam de substituir tudo, a um custo alto.

"No primeiro mandato de Trump, conseguimos nos virar. De agora em diante, será difícil, principalmente em tecnologias-chave como carros elétricos", diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV). "Para os EUA, os carros elétricos chineses são como uma máquina de absorver dados -e eles podem ser vistos como um obstáculo para Brasil e EUA compartilharem informações da inteligência".

Apesar do discurso menos inflamado, Biden tem sido tão ou mais contundente em suas ações contra a China. Ele impôs uma série de restrições à exportação de chips, tecnologia e equipamentos para Pequim, com o objetivo de atrasar o desenvolvimento da inteligência artificial na potência asiática. Sob pressão de Washington, aliados como Holanda e Japão proibiram a exportação de maquinários de chips para os chineses.

O governo americano anunciou que vai quadruplicar as tarifas de importação sobre carros elétricos chineses, que passariam para mais de 100%, e elevar taxas sobre outros produtos ligados a energia renovável, como painéis solares e baterias. Trata-se de uma medida protecionista para tentar preservar a indústria local, que está atrás da chinesa, mas também amparada pela justificativa de segurança nacional.

A iniciativa começou no governo Trump, que havia imposto tarifas sobre US$ 300 bilhões em importações da China. A política passou por uma revisão no governo Biden, que resolveu mantê-las e até aumentá-las em certos casos.

Outra política que pode causar fricções é a desdolarização. Em sua visita à China, em março de 2023, o presidente Lula defendeu a ampliação do comércio nas moedas dos integrantes do Brics e até mesmo a criação de uma moeda do bloco.

A posição causou irritação nas autoridades americanas, mas não teve maiores consequências. O Brasil já tem comércio em yuan com a China, embora muito restrito. No entanto, com a Guerra Fria 2.0 em fase mais aguda, esse tipo de iniciativa pode gerar represálias.

Segundo a agência Bloomberg, membros da equipe econômica de Trump discutem penalidades a aliados ou adversários que procurem formas ativas de comércio bilateral em outras moedas que não o dólar.

Para Stuenkel, existe um consenso na América Latina de que manter neutralidade, um não alinhamento, é a melhor atitude para os países da região. A ideia seria replicar a estratégia da Índia, que participa do grupo de defesa conhecido como Quad com os EUA, Japão e Austrália, mas também é parte do Brics.

Em entrevista à Reuters no ano passado, o assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, principal conselheiro de Lula em política externa, afirmou que o Brasil não vê o mundo dividido entre China e EUA e não tem veto prévio a negócios com os chineses, nem no sensível setor de semicondutores.

"Não temos nenhuma preferência por uma fábrica de semicondutores chinesa. Mas, se eles [chineses] oferecerem boas condições, não vejo por que a gente recusar. Não temos medo do lobo mau", disse Amorim. "Se eles [EUA] quiserem, podem propor maiores e melhores condições e pronto, escolheremos o deles."

Para Fernanda Magnotta, pesquisadora do Brazil Institute no Woodrow Wilson Center, essa posição de maior independência leva o Brasil a ser questionado por um viés supostamente anti-Ocidente.

"A China está muito envolvida no continente, com interesses políticos e comerciais, e os EUA carecem de uma estratégia, têm uma postura mais negligente. O Brasil precisa estar preparado para aguentar as consequências de querer se manter equidistante", diz Magnotta.

Entre os setores mais sensíveis estão telecomunicações, inteligência artificial, dados, satélites e minerais críticos -estes últimos, aliás, são objeto de interesse dos EUA para uma parceria estratégica, como disse em entrevista à Folha a embaixadora americana no Brasil, Elizabeth Bagley.

Do outro lado, Xi Jinping virá ao Brasil para a cúpula do G20, em novembro, e deve insistir na entrada do país na Iniciativa Cinturão e Rota, que promove investimentos da China em infraestrutura.

Para Mauricio Santoro, será muito difícil o Brasil vetar determinados investimentos chineses, uma vez que o país precisa desse tipo de recursos. "Vai se exigir muito da diplomacia para atravessar esse campo minado."

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