© Reuters
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na véspera de uma conferência de paz para a qual não foi convidado sobre a Guerra da Ucrânia e sob pressão pela ampliação do apoio ocidental a Kiev, o presidente Vladimir Putin pela primeira vez apresentou em termos claros suas condições para encerrar a invasão do vizinho, que lançou em 2022.
PUB
O russo disse que cessa fogo e negocia a paz se os ucranianos retirarem suas forças das quatro regiões anexadas ilegalmente pelo Kremlin e abandonarem de forma oficial a pretensão de se unir à Otan, a aliança militar ocidental.
Não são condições que a Ucrânia aceitará, e a fala de Putin em um evento no Ministério das Relações Exteriores pode ser lida como uma resposta à conferência de paz que começa no sábado (15) na Suíça e ao anúncio, quinta (13), de mais ajuda militar ocidental a Kiev.
Ela vem também após EUA e aliados permitirem o uso de suas armas pelos ucranianos contra território russo, desafiando até aqui com sucesso a retórica de risco de escalada nuclear russa.
Segundo o assessor presidencial ucraniano Mikhailo Podoliak disse à agência Reuters, as declarações são apenas tergiversação. Ele disse que a Ucrânia nunca "entregaria sua soberania" aceitando tal arranjo. O Ministério das Relações Exteriores em Kiev chamou a proposta de "absurda".
"Repito, a nossa posição de princípio é a seguinte: o estatuto neutro, não alinhado e livre de armas nucleares da Ucrânia, a sua desmilitarização e desnazificação", disse ele, repetindo termos que já havia usado como objetivos no discurso de abertura da guerra, na manhã de 24 de fevereiro de 2022.
De toda forma, Putin nunca havia sido tão claro acerca de seus termos num discurso sobre a guerra. A ideia de que ele se contentaria com a anexação de Donetsk e Lugansk, no leste, e Zaporíjia e Kherson, no sul, estava implícita à anexação forma feita em 30 de setembro de 2022.
Mas ele nunca estabeleceu isso como condição para a paz. "Assim que eles declararem em Kiev estar prontos para tal decisão, no mesmo minuto daremos uma ordem de cessar-fogo e começaremos negociações", disse.
Acerca de desnazificação, é incerto o que Putin de fato quer, dado que essa é uma interpretação propagandística do russo acerca do governo de Volodimir Zelenski.
Já desmilitarização havia sido tema das rodadas fracassadas de conversas no começo da guerra. "Todos concordaram com estes parâmetros durante as negociações de Istambul em 2022. Tudo sobre a desmilitarização era claro. Lá estava prescrito o número de tanques [dos ucranianos], estava tudo acertado", afirmou.
O "tudo acertado" é discutível, mas de fato o tema esteve sobre a mesa em conversas que a Rússia disse terem sido torpedeadas pelas promessas de apoio ocidental à Ucrânia. Pesou no contexto o fato de que naquele momento Moscou estava sendo humilhada nos campos de batalha, recuando da tentativa de capturar Kiev.
Hoje, a região menos controlada por Putin é Donetsk, onde de todo modo vem avançando lentamente desde que a contraofensiva ucraniana de 2023 fracassou. Lá, talvez 40% do território esteja em mãos de Kiev ainda.
Em Lugansk, quase a totalidade da área já está sob controle do Kremlin, enquanto que em Kherson e Zaporíjia as porções menores ao norte do rio Dnieper seguem com Kiev. Putin citou os referendos que promoveu em favor da anexação, denunciados como farsa em fóruns internacionais, como evidência do desejo popular nas regiões.
Com efeito, o russo nem citou a Crimeia, península que anexou sob tímidos protestos globais em 2014 para impedir que o governo que havia derrubado um aliado seu da Presidência em Kiev se unisse à Otan e à UE (União Europeia) -entidades cujos estatutos impedem a entrada de sócios em conflito territorial aberto. Ao todo, hoje Putin domina cerca de 20% da Ucrânia.
Ao mesmo tempo, não elencou Kharkiv (norte), onde lançou uma nova frente da guerra, como objeto de negociações. Com isso, Putin se atém ao discurso de que não quer conquistar a região, e sim estabelecer um cordão sanitário junto à fronteira russa para impedir ataques a seu território.
Ninguém em Kiev irá acreditar nisso, dado a crença oficial de que Putin nunca irá parar, se for apaziguado. Por ora, a Otan vai na mesma linha, e as comparações com a entrega inócua dos Sudetos tchecoslovacos em 1938 para arrefecer o ímpeto nazista abundam nas discussões.
"A essência de nossa proposta não é algum tipo de trégua ou cessar-fogo, como o Ocidente quer para rearmar o regime de Kiev. Não estamos falando de congelar o conflito, mas de seu fim definitivo", insistiu Putin.
A repentina abertura do russo coincide com o aumento das promessas ocidentais a Kiev. Além de um acordo de cooperação militar de dez anos com Zelenski, o presidente americano, Joe Biden, anunciara na véspera um pacote conjunto com o G7 de US$ 50 bilhões em ajuda a Kiev.
O acordo foi minimizado como carta de intenções pelo Kremlin. O dinheiro, pelo arranjo, será compensado ao longo dos anos pelos juros auferidos sobre os US$ 300 bilhões que o Moscou tem em reservas cambiais congeladas pelas sanções devido à guerra em bancos no Ocidente.
Nesta sexta, Putin disse que "agora está ficando para todos os países, empresas e fundos soberanos que seus ativos e reservas estão longe de estar seguros". "Apesar de toda a chicana, roubo seguirá certamente sendo roubo. E não ficará impune", disse.