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Sinais de compromisso do presidente Lula com o controle das contas públicas e um possível arrefecimento das críticas ao Banco Central, aliados a uma onda de enfraquecimento da moeda americana no exterior, abriram espaço para uma queda expressiva do dólar no mercado doméstico de câmbio na sessão desta quarta-feira, 3.
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Após três pregões seguidos de alta, em que acumulou valorização de 2,85%, o dólar à vista encerrou o pregão em baixa de 1,70%, cotado a R$ 5,5684. Em porcentual, foi a maior queda desde agosto de 2023. Na semana, a moeda agora apresenta queda de 0,36%. Referência do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para agosto apresentou giro forte, acima de US$ 16 bilhões, o que sugere redução de posições defensivas.
O real, que vinha apanhando bem mais que seus pares nos últimos dias, hoje foi de longe a moeda com melhor desempenho entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities. No ano, a divisa brasileira ainda amarga, ao lado do iene japonês, as maiores perdas em relação ao dólar.
Termômetro do comportamento da moeda americana na comparação com uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY operava no fim da tarde com baixa de cerca de 0,30%, ao redor dos 105,373 pontos. As taxas dos Treasuries recuaram após nova leva de indicadores abaixo do esperado nos EUA aumentar as chances de corte de juros pelo Federal Reserve em setembro.
Apesar da onda externa favorável a moedas emergentes hoje, é patente que houve uma redução de prêmios de riscos associados aos ruídos políticos locais, como os ataques do presidente Lula ao Banco Central, os temores de medidas heterodoxas para segurar o dólar e as dúvidas crescentes em relação à política fiscal.
Pela manhã, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se encontraram no Palácio do Planalto, em evento fora da agenda oficial, para tratar das contas públicas. No início da tarde, em meio ao lançamento do Plano Safra 2024/2025, vieram os primeiros sinais concretos de um discurso mais afinado.
Após citar que a política econômica vai ser conduzida para o país continuar crescendo, Lula disse que em seu governo "responsabilidade fiscal não são palavras, mas compromisso". Na mesma trilha, Haddad afirmou que "o compromisso fiscal é compromisso de toda vida do presidente". Foi o momento em que o dólar em que o dólar acentuou as perdas e tocou a mínima da sessão, R$ 5,5410.
Investidores aguardam agora desenlace de nova reunião hoje entre Haddad e Lula, no qual o ministro pretende apresentar ao presidente um cardápio de corte de gastos. Programado inicialmente para 16h30, o encontro foi adiado para 18h. Também estarão presentes na reunião os ministros da Casa Civil (Rui Costa), do Planejamento (Simone Tebet) e da Gestão (Esther Dweck).
O economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, afirma que é compreensível o mercado ter exigido mais prêmios nos ativos locais diante do aumento recente das incertezas, com um acúmulo "indigesto de ruídos locais", como as críticas de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Oliveira alerta, porém, que é preciso separar ruídos de mudanças efetivas na condução da política econômica.
"O que está acontecendo é ruído. Nada mudou nos fundamentos nos últimos 30 dias. Se for mesmo isso, vamos ver uma continuidade da melhora dos ativos domésticos. O mix de política econômica é bom, com crescimento e inflação comportada", diz Oliveira, para quem, pelo nível da taxa dos Treasuries de 2 anos, que está muito relacionada ao comportamento das divisas emergentes, o dólar deveria estar entre R$ 5,25 e R$ 5,30.
Ontem, Lula disse que havia um movimento especulativo contra o real e que era preciso fazer alguma coisa para conter a alta do dólar, o que suscitou rumores de adoção de medidas para controle de capital. Haddad disse hoje que a taxa de câmbio vai se "acomodar" por todas as ações que o governo está "fazendo e entregando". Ele também afirmou que a diretoria do Banco Central tem autonomia para atuar no mercado de câmbio "quando entender que conveniente".
Houve relatos ontem de que o BC havia consultados mesas de operação para saber se havia falta de liquidez em derivativos ou no mercado spot. Rumores de intervenção continuaram a circular hoje, contribuindo para o desmonte de posições cambiais defensivas.
Para Oliveira, do Pine, ajustes na comunicação do governo, com Lula dando mais ouvidos à equipe econômica que à ala política do Planalto, devem trazer a taxa de câmbio para níveis mais baixos. Ele diz que o BC fez bem em não intervir no mercado nos últimos dias, apesar da depreciação acelerada do real.
"Se o BC atuasse e o dólar voltasse em seguida a subir com força, ele teria como único instrumento a taxa de juros. E ele não quer subir os juros", diz o economista, que não acredita em mudança substancial na condução da política monetária com a troca de presidência do BC. "O Galípolo e o Picchetti, que foram indicados pelo atual governo, têm reforçado o compromisso com a busca da meta de inflação", acrescenta Oliveira, em referência ao diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, nome mais cotado para substituir Roberto Campos, e ao diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti.