Incerteza fiscal leva governo Lula a pagar maior juro desde PEC Kamikaze de Bolsonaro

O ambiente desfavorável fez com que a União não só pagasse mais caro, mas também freasse a captação de recursos no mês de junho. Sempre que isso acontece, o governo precisa recorrer a uma reserva de liquidez, conhecida como "colchão da dívida", para honrar obrigações com os investidores.

© Getty Images

Economia INCERTEZA-FISCAL 08/07/24 POR Folhapress

(FOLHAPRESS) - A desconfiança dos investidores quanto à disposição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cumprir o arcabouço fiscal levou o Tesouro Nacional a pagar a maior taxa de juros nas emissões da dívida pública desde julho de 2022, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguiu aprovar a PEC Kamikaze para turbinar gastos em ano eleitoral.

PUB

O ambiente desfavorável fez com que a União não só pagasse mais caro, mas também freasse a captação de recursos no mês de junho. Sempre que isso acontece, o governo precisa recorrer a uma reserva de liquidez, conhecida como "colchão da dívida", para honrar obrigações com os investidores.

A turbulência se deu em um mês marcado pela piora no ambiente externo e por uma sucessão de declarações de Lula que ampliaram a percepção de risco fiscal no Brasil. O chefe do Executivo desferiu ataques ao Banco Central e interditou uma série de medidas de contenção de gastos que estavam em discussão na equipe econômica.

A cotação do dólar escalou e chegou a bater a marca dos R$ 5,70 durante a terça-feira (2), o que gerou repercussão negativa para o governo e deflagrou uma espécie de freio de arrumação. Na quarta (3), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias para 2025.

Mas o câmbio não foi o único ativo financeiro que reagiu à maior percepção de risco. As taxas cobradas pelos investidores para financiar o governo brasileiro deram um salto nos diferentes segmentos da curva de juros, que incluem prazos curtos e mais longos.

Já o volume das emissões ficou em R$ 68,6 bilhões em junho, o menor do ano e um valor baixo ante a média dos últimos 12 meses (cerca de R$ 130 bilhões ao mês).

Um dos principais termômetros dessa desconfiança é a emissão das NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional - Série B), título remunerado pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa real de juros.

Na última terça, a NTN-B de três anos foi emitida com uma taxa de 6,78% acima da inflação, patamar recorde desde que o papel com esse prazo foi criado, em 2020. Diante do custo elevado, o Tesouro aceitou captar apenas R$ 261 milhões, um valor considerado baixo.

Na NTN-B de cinco anos, título com histórico maior, o governo brasileiro pagou juro real de 6,3439% em 11 de junho e de 6,3279% em 25 de junho. O pico foi o maior desde 19 de julho de 2022, após a promulgação da PEC Kamikaze de Bolsonaro, quando chegou a 6,378%.

As taxas se equiparam a outros momentos de afrouxamento da política fiscal ou de maior percepção de risco, como o aumento de gastos aprovado na transição para o governo Lula, a dúvida sobre a aprovação do teto de gastos no governo Michel Temer (MDB) e as semanas que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.

A deterioração também foi percebida nas NTN-Bs de 40 anos, papéis de maior prazo emitidos pelo governo nos leilões de oferta pública, e nas NTN-Fs (Notas do Tesouro Nacional - Série F) de dez anos, títulos prefixados preferido dos estrangeiros.

"Se eu preciso ir ao banco toda semana para tomar empréstimo, eu preciso convencer o banco toda semana que eu tenho condições de pagar os empréstimos. Senão, ele vai me cobrar taxas de juros cada vez mais altas", afirma o economista Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional.

"É nesse sentido que o governo precisa estar o tempo todo reforçando a credibilidade em sua trajetória de solvência, de maneira estrutural e no curto prazo, e evitar ruídos de comunicação que coloquem em dúvida a institucionalidade, tanto da política monetária quanto da política fiscal. Isso é fundamental para cada leilão", diz.

Em relatório a clientes, o economista Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena e ex-chefe do Departamento de Mercado Aberto do BC, elencou seis fatores que afetaram negativamente o mercado de títulos públicos no mês de junho.

Eles incluem os rumores de isolamento de Haddad dentro do governo, as seguidas declarações de Lula refutando a necessidade de conter gastos e atacando a autonomia do BC, os receios quanto à sucessão de Roberto Campos Neto, a redução da alocação de investidores em mercados emergentes, o pequeno apetite dos investidores locais ao risco e a significativa desvalorização do real.

Um aumento no custo da dívida tem reflexo direto no esforço que o próprio governo ou seus sucessores precisarão fazer para honrar a fatura dessas obrigações. As taxas mais altas serão carregadas durante anos, até o vencimento do papel emitido no momento da turbulência.

A questão tem peso ainda maior diante da elevada necessidade de financiamento do país. Só em 2024, o governo brasileiro precisa captar quase R$ 1,5 trilhão no mercado para pagar outras dívidas que vencem este ano e honrar despesas do Orçamento, dada a perspectiva de déficit.

Segundo Bittencourt, ruídos podem levar o Tesouro a adiar seu cronograma de captações, reduzir o colchão da dívida ou sancionar taxas mais elevadas -ou uma combinação dessas três estratégias.

O Brasil tinha em maio um colchão de liquidez robusto, de R$ 1 trilhão, o suficiente para honrar oito meses de pagamento do serviço da dívida federal. Mas a reserva de segurança é um recurso finito e existe justamente para dar confiança aos investidores de que o país é solvente.

Para lidar com o cenário mais adverso, o órgão também pode fazer emissões em prazos mais curtos ou em modalidades mais arriscadas, como os títulos atrelados à taxa Selic (se o Banco Central decide subir os juros, o governo não está protegido e precisa arcar com um custo adicional). Trata-se de uma composição longe do padrão ideal almejado pelo Tesouro em seu planejamento anual e de longo prazo.

Em maio, por exemplo, a proporção de títulos remunerados pela Selic no estoque da dívida pública estava em 43,78%, bem próximo do teto de 44% estipulado no PAF (Plano Anual de Financiamento). Ultrapassar esse limite não gera nenhuma punição, mas é sinal das dificuldades para cumprir o planejado.

No longo prazo, a proporção de títulos atrelados à Selic deveria caminhar para a faixa entre 21% e 25% do estoque da dívida. No julgamento das contas da Presidência da República de 2023, o TCU (Tribunal de Contas da União) destacou a "notável distância de alguns desses indicadores em relação aos objetivos ideais de longo prazo".

Embora a sinalização de corte nas despesas obrigatórias em 2025 tenha contribuído para a melhora do mercado, Bittencourt afirma que boas condições para a gestão da dívida dependem de melhor comunicação do governo e de medidas críveis para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal.

"É preciso mostrar que o arcabouço oferece uma trajetória confortável para a dívida em mais de um cenário. O governo mostrou uma trajetória no último PLDO [Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias] em um cenário muito específico, que é muito diferente do cenário de mercado. Não é só uma questão de 'cada um acredita no que quer', mas sim de se fazer crível", diz.

 

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

fama MC Mirella Há 18 Horas

MC Mirella expulsa os pais de casa: "Não quero mais morar junto"

fama Problemas de Saúde Há 18 Horas

Ator da Globo que pediu Pix é novamente internado

politica Bolsonaro Há 16 Horas

'Vamos partir pra guerra': golpistas pediam 'orientação' a general próximo de Bolsonaro

mundo Dominique Pelicot Há 18 Horas

Homem que permitiu estupros da esposa por 10 anos: 'Vou morrer como cão'

politica BOLSONARO-PF Há 9 Horas

PF indicia Bolsonaro e mais 36 em investigação de trama golpista

fama Gisele Bündchen Há 17 Horas

Grávida e radiante, Gisele Bündchen exibe barriguinha ao ir à academia

lifestyle Saúde Há 18 Horas

Quatro sinais de que você está consumindo açúcar em excesso diariamente

justica São Paulo Há 16 Horas

'Quem vai devolver meu filho?', lamenta pai de universitário morto em abordagem da PM

esporte Indefinição Há 10 Horas

Qual será o próximo destino de Neymar?

fama KIM-KARDASHIAN Há 18 Horas

Kim Kardashian sensualiza com seu robô da Tesla, adquirido por R$ 170 mil