© HUSEYIN ALDEMIR / Reuters
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Parlamento da Ucrânia aprovou nesta terça (20) uma lei que mira banir a Igreja Ortodoxa Russa, maior denominação deste ramos do cristianismo no mundo, do país.
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Com apoio de 265 dos 450 deputados, o texto proíbe que entidades religiosas associadas a países agressores continuem a operar na Ucrânia. É mais um passo de um cisma iniciado em 2019 e agravado pela invasão de Vladimir Putin do vizinho, três anos depois.
Ao longo da guerra, o governo de Volodimir Zelenski já havia denunciado a Igreja Ortodoxa da Ucrânia-Patriarcado de Moscou de ser uma base avançada para espiões russos e de divulgação de propaganda contra Kiev.
A reação de Moscou, tanto na igreja quanto no governo, foi a de chamar Zelenski, um judeu, de satanista e inimigo da fé. Agora, o presidente disse que a nova lei irá "fortalecer a independência espiritual" da Ucrânia.
Segundo pesquisa do Instituto de Economia de Kiev, em 2022 75% dos ucranianos se denominavam cristãos ortodoxos. Um minoria expressiva, de 8%, são católicos do rito grego e os restantes, divididos entre católicos romanos, judeus e outras religiões.
De 1686 a 2019, a Igreja Ortodoxa da Ucrânia era subordinada ao patriarca de Moscou. O atual ocupante da posição, Cirilo, é um importante aliado de Putin, a quem já chamou de "milagre de Deus". As relações entre Kremlin e a denominação são as mais intensas desde que os czares eram coroados pela mão dos líderes religiosos.
Quando era parte da União Soviética, a Ucrânia tinha também uma outra denominação, a Igreja Autocéfala Ortodoxa da Ucrânia, que sofria diversas perseguições. A liberdade do ocaso comunista de 1991 abriu caminho para um período de disputa.
A anexação da Crimeia em 2014, após um aliado de Putin ser expulso do poder em Kiev, e a guerra civil no leste do país levaram o governo em Kiev a patrocinar o ramo como o único legítimo do país.
Em janeiro de 2019, o Patriarcado de Constantinopla, considerado o centro do poder ortodoxo do mundo, reconheceu a nova igreja, gerando o maior cisma do mundo cristão desde a Reforma protestante do século 16.
Na prática, ficaram operando na Ucrânia a igreja ligada a Moscou e a nova denominação. Não há uma estimativa precisa de quantos fiéis cada uma tem, mas houve um processo de migração de comunidades: ao menos 1.100 paróquias mudaram para o novo Patriarcado de Kiev.
A guerra piorou as tensões, com a suspeita de que religiosos ligados a Moscou operavam como uma quinta-coluna dentro do país. "Esta é uma votação histórica. O Parlamento aprovou uma legislação que bane uma sucursal do país agressor na Ucrânia", escreveu no Telegram a deputada Irina Heraschenko, ligada a Zelenski.
O líder da igreja ligada a Moscou, metropolitano Klimenti, criticou a lei, dizendo que ela só visa o confisco de propriedade. Ele nega qualquer influência política do governo Putin na atuação de seus padres.
"A igreja vai continuar a viver como a igreja verdadeira, reconhecida pela vasta maioria dos fiéis", disse à TV Hromadske. A Igreja Ortodoxa Russa comanda cerca de 40% dos 300 milhões de aderentes a este ramo cristão no mundo, entre outras 14 denominações.
A guerra impactou a comunidade fora da Ucrânia. Cirilo rompeu com Bartolomeu, o patriarca de Constantinopla (nome antigo de Istambul, Turquia), que criticou a invasão russa. Apenas as igrejas da Sérvia, Bulgária e Síria mantiveram o apoio a Moscou.
Agora, os deputados ucranianos irão listar as paróquias que serão atingidas. Cada uma terá nove meses para decidir se quer fechar as portas ou migrar para a fé oficial de Kiev, uma medida que será denunciada como repressão religiosa na Rússia.
É mais uma dimensão da guerra. Putin já criticou Zelenski por perseguir religiosos ligados ao patriarcado moscovita, além de ter banido o ensino de língua russa em favor do ucraniano. Pouco menos de 20% da população do país é russa étnica, mas a proporção é majoritária na Crimeia e nas áreas ocupadas no leste e sul.
ZELENSKI DIZ QUE SITUAÇÃO É DIFÍCIL NO LESTE
No campo de batalha, a invasão ucraniana da região meridional russa de Kursk seguiu em banho-maria nesta terça, sem avanços significativos por parte das forças de Zelenski. Ao longo do fim de semana, elas destruíram três pontes para reter o apoio logístico dos militares russos na região, mas é incerto o fôlego que a surpreendente ofensiva ainda tem.
Ele é desafiado pelo avanço russo rumo a Pokrovsk, importante centro ferroviário em Donetsk (leste ucraniano). Nesta terça, Zelenski chamou a situação militar na cidade, que está sendo evacuada, de "difícil".
Do lado de Moscou, o ministro Andrei Belousov (Defesa) disse que está "cuidando pessoalmente" da invasão a Kursk, e que determinou a criação imediata de três grupos de Exército na região e em suas duas vizinhas, Belgorodo e Briansk.
As Forças Armadas de Kiev também divulgaram um balanço dos ataques aéreos russos desde a invasão de 24 de fevereiro de 2022. Foram, segundo os militares, 14 mil drones e 9.600 mísseis disparados contra o território ucraniano, ou uma média de 26 armamentos caindo sobre o país por dia.