© Shutterstock
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - As cidades mais pobres do país têm mais guardas municipais e professores na rede pública, mas menos médicos vinculados ao SUS, em comparação à média do país e de grandes capitais.
PUB
Segundo especialistas, o quadro sugere que essas cidades registram dificuldade para suprir a demanda profissional só com o apoio do governo estadual, o que faz as prefeituras investirem mais em serviços municipais. No entanto, atrair profissionais mais qualificados é um desafio.
Nina Rodrigues, no Maranhão, por exemplo, emprega 261 professores, 12 guardas municipais e apenas dez médicos a cada 10 mil habitantes na rede pública. Já a cidade de São Paulo dispõe de 65 professores, seis guardas e 43 médicos, considerada a mesma proporcionalidade.
Os dados são do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) de 2024, do Censo Escolar de 2023 e dos portais da transparência de cada cidade.
No caso dos professores, um dos motivos que explica a ampla disponibilidade é o maior número de crianças e adolescentes em idade escolar nas cidades pobres. Nesses municípios, observa-se uma pirâmide etária mais jovem, o que justifica a necessidade de mais docentes, de acordo com Ivan Gontijo, gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação.
Em Santo Amaro do Maranhão (MA), 38% dos moradores têm até 19 anos -no país, 25% da população está nessa faixa etária. Quase um terço dos habitantes da cidade maranhense está matriculada na educação básica da rede pública de ensino, segundo dados do censo escolar.
"Municípios mais pobres podem ter mais alunos fora da escola, mas hoje o ensino fundamental é praticamente universalizado, em que as taxas de matrícula não variam muito entre as regiões, assim como na pré-escola", diz Ivan.
Somado a isso, há um amplo número de profissionais formados em pedagogia, curso com maior número de matrículas, segundo o Censo da Educação Superior de 2023. Esse quadro facilita a dispersão e o preenchimento de vagas para professores mesmo em cidades mais pobres, segundo o especialista.
Mas o alto número de docentes não significa maior capacitação ou melhor qualidade de ensino. Em Sobral (CE), que responde por um dos melhores Idebs (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do país, quase 87% dos professores completaram o ensino superior. Já em Araioses (MA), uma das cidades mais pobres, o percentual cai para 46%, segundo dados do Censo Escolar.
Além disso, nessas escolas, a estrutura costuma ser mais precária, com menor disponibilidade de material didático e de recursos tecnológicos.
"Precisamos avançar na agenda de profissionalização da docência. O professor precisa de boas condições para exercer o trabalho, mas também deve ser cobrado sobre os resultados que entrega", afirma Ivan.
Na segurança, a média de guardas municipais a cada 10 mil habitantes supera a do Brasil e se assemelha à de São Paulo. No entanto, as desigualdades persistem mesmo entre as cidades mais pobres.
Pedro do Rosário (MA), a sétima cidade mais pobre do país, mantém dez guardas a cada 10 mil habitantes, quantidade maior do que a da capital paulista. Já Primeira Cruz (MA), a segunda mais pobre, conta, em média, com três servidores a cada 10 mil habitantes.
Cidades recorrem à guarda municipal para suprir a ausência das forças de segurança pública do estado, segundo Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Com isso, os servidores vinculados à prefeitura passam a se assemelhar às polícias, assumindo funções como batidas policiais e revista pessoal.
"A falta de políticas de prevenção eleva taxas de criminalidade, que gera aumento da sensação de segurança e da cobrança ao gestor, principalmente do gestor local, para que seja feita alguma coisa. O mecanismo para isso que os prefeitos encontraram é a guarda municipal", diz.
Apesar disso, no geral, cidades menores apresentam um baixo índice de criminalidade, segundo o professor. Por isso, alguns dos municípios mais pobres não contam com um número expressivo de guardas municipais.
No caso das cidades de Pedro do Rosário, com uma média elevada desses servidores, e Primeira Cruz, com uma cifra menor, as taxas de homicídio diferem. Enquanto a primeira tem 2,8 assassinatos a cada 10 mil habitantes, a segunda, 0,7, segundo dados de 2022 do Atlas da Violência.
Assim como ocorre na educação, essas cidades enfrentam dificuldade para capacitar os guardas concursados e atrair profissionais qualificados para essas vagas. O quadro pode afetar o desempenho desses servidores, segundo Azevedo, da PUC-RS, sobretudo nas guardas que se assemelham à polícia.
"A qualificação impacta a forma como o agente lida com a população e administra o uso da força", diz. "Se o governo federal criasse uma escola nacional de formação em segurança, poderia suprir esse déficit em municípios menores."
Na saúde, o fenômeno que ocorre na educação e na segurança se inverte. Há oito médicos a cada 10 mil habitantes no SUS de cidades mais pobres, número que sobe para 33 na média nacional.
Nos municípios que contam com médicos concursados na prefeitura, eles recebem os maiores salários. Em Santana do Maranhão, por exemplo, a maior parte desses profissionais ganha R$ 5.500 por mês, com remuneração superior à de professores, outros servidores da saúde e até de secretários municipais.
Divulgado no ano passado, levantamento da República.org, instituição dedicada à gestão de pessoas no setor público, mostrou que médicos no SUS são raridade em um terço dos municípios. A falta de estrutura de trabalho afasta esses profissionais de cidades mais pobres, que têm dificuldade para exercer a função sem os insumos necessários.