© Reprodução / SBT
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 2024, o Brasil perdeu o maior símbolo das suas telas e sepultou, junto a Silvio Santos, toda uma era da televisão brasileira. Na busca por driblar uma crise de audiência que se arrasta há anos, no rastro da ascensão do streaming, os canais mais importantes do país passaram por diversas reformulações, com troca-troca de profissionais, demissão de medalhões e novos programas na grade.
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Morto aos 93 anos, o empresário, comerciante e apresentador foi um dos responsáveis por construir o modelo de TV aberta consagrado no Brasil. Fundador e dono do SBT, sua história se mistura não só à de seu canal, mas à de toda a televisão brasileira.
Não à toa, sua morte foi sentida por toda a programação e inspirou, nesta reta final de 2024, algo impensável -uma reunião de apresentadores e artistas de diferentes emissoras no Melhores do Ano na Globo. Ao lado de Luciano Huck, da anfitriã, estiveram Patricia Abravanel, do SBT, Sonia Abrão, da Rede TV!, e Ticiane Pinheiro, da Record.
Atônita, Patricia, que é filha de Silvio, agradeceu o convite e falou em momento histórico, num "unidos venceremos" lido por muita gente como uma reação à ameaça cada vez mais alarmante dos serviços de streaming. Outros chamaram de exagero, mas fato é que o ano de 2024 foi de uma confluência entre emissoras que há anos não acontecia.
Maior amostra disso é a apresentadora Eliana, que anunciou em junho estar de mudança para a Globo após 15 anos no SBT. Sem dar muitos detalhes, ela assinou com a concorrente para apresentar o Saia Justa, programa feminino do GNT, e a nova temporada do reality musical The Masked Singer, prevista para janeiro.
Apesar de já ter dado as caras como convidada em vários programas da grade, a estreia de Eliana no comando de um palco da Globo ocorreu no último domingo, quase seis meses depois da sua contratação, em um episódio natalino do The Masked Singer. Emocionada, ela chorou e cantou um louvor com o sertanejo Daniel.
Além do reality de mascarados, a Globo lança em janeiro também sua 25ª edição do Big Brother Brasil, pela primeira vez preparado sem Boninho, filho de Boni, ex-chefão da emissora, e um dos nomes mais conhecidos e influentes da televisão brasileira.
Como Eliana, Boninho protagonizou uma das mudanças de carreira mais comentadas do ano. Em setembro, quando contou a novidade, o diretor disse que estava em busca de desafios que sua posição não lhe permitia aceitar. Nos bastidores, tem-se como certo de que ele assinou contrato com o SBT para fazer um reality show de confinamento e um programa feminino.
O SBT, vale ressaltar, foi a empresa de TV que mais mexeu no seu corpo de funcionários. Agora nas mãos de Daniela Beyruti, terceira filha de Silvio Santos, o canal dispensou Raul Gil, após 14 anos de programa. Além da baixa audiência, uma homenagem a ele na Globo e o anúncio de que pretendia se aposentar, sem avisar a alta cúpula do SBT antes, seriam os motivos.
Enquanto uns saem, outros entram. O canal assinou um contrato com o apresentador José Luiz Datena e estreou o programa apresentado pela influenciadora superpopular Virginia Fonseca. Ela teve bom desempenho com seu Sabadou com Virginia, exibido nos sábados à noite, e deve ter sua presença ampliada pelo canal no ano que vem.
É uma novata, vinda da internet e sem experiência com TV, na mesma emissora que encerrou contrato com dois dos apresentadores mais emblemáticos do país. É o retrato de uma televisão em franca reforma, cheia de arestas a aparar, e que no ano que vem deve pôr em xeque o comando de Daniela Beyruti.
Na concorrência, o cenário também é instável. A Record, por exemplo, fisgou Cléber Machado do SBT, e demitiu Rodrigo Faro, uma de suas figuras mais reconhecidas. A Globo, por sua vez, contratou Maísa Silva, que fez carreira no SBT, e encerrou seu contrato de quatro décadas com o narrador Galvão Bueno, bem como o de quase 30 anos que mantinha com a atriz Deborah Secco.
A saída dela vem no rastro das dezenas de desligamentos que ocorreram recentemente, numa mudança de modelo de contratação, que agora passa a ser por obra. Sem um salário fixo, muitos deles correram para o teatro e para plataformas de streaming, que investem cada vez mais em conteúdo local.
É o caso da Netflix, que apelou à fama de Juliana Paes para emplacar sua pseudonovela "Pedaço de Mim" -um melodrama com estrutura semelhante à dos folhetins, mas com apenas 17 capítulos e pensada para as maratonas de episódios.
A história de uma mulher que descobre estar grávida de gêmeos de pais diferentes foi elogiada pela crítica e deu ao público um gostinho de passado, relembrando os velhos sucessos que uniam o país diante de dilemas e babados chocantes. E o sucesso da Netflix ficou ainda maior ante o fracasso de "Mania de Você", folhetim das nove de João Emanuel Carneiro que amarga em audiência.
Além da Netflix, a Max, plataforma da HBO, também deu sequência aos planos de fazer novela. O canal lança no mês que vem "Beleza Fatal", com as ex-globais Camila Pitanga, Giovanna Antonelli e Camila Queiroz. Ainda sem data de estreia, o remake de "Dona Beija", com Grazi Massafera, também está nos planos para o próximo ano.
Outra ex-contratada da Globo que migrou para o streaming foi Bruna Marquezine, que se arriscou na direção e produção de "Amor da Minha Vida", série nacional produzida pela Disney para a sua plataforma.
A empresa de Mickey Mouse tirou o ano para se reorganizar, e enfim parou de insistir na ideia de manter dois serviços de streaming em territórios como a América Latina. Assim, o Star+ foi absorvido pelo Disney+, que deixou de ser uma plataforma excessivamente pueril para agregar conteúdos que interessem outros assinantes que não aqueles com filhos pequenos.
Puxada pela mudança, a empresa americana tenta bater de frente com a Netflix em territórios importantes, tentando se estabelecer como campeã de audiência. Enquanto isso, a HBO também passou por um rebranding -a empresa agora é uma grife acoplada a séries com um valor de produção elevado, enquanto o streaming da Warner Bros. Discovery foi rebatizado de Max.
Com a mudança ainda confundindo muitos assinantes, o serviço viu 2024 render poucos frutos em termos de popularidade e prêmios. Além da série "Pinguim" e do novo "True Detective", pouca coisa chamou a atenção num catálogo que antes era o mais celebrado do mercado.
"A Casa do Dragão" voltou, porém morna. Séries dirigidas por medalhões como Sam Mendes e Park Chan-wook não emplacaram. E nem a diva e parceira de sucessos anteriores Kate Winslet empolgou com "O Regime".
Abriu-se, então, flanco para que o Apple TV+ avançasse algumas casas na guerra do streaming. Se Netflix e Disney+ parecem brigar pela maior fatia do bolo, Max e Apple TV+ parecem mais interessadas em prestígio.
Ambas competem por roteiristas e diretores que integram a elite de Hollywood, como Mendes, Chan-wook e Alfonso Cuarón. Também seduzem artistas do calibre de Winslet, Natalie Portman e Cate Blanchett.
E enquanto os estrangeiros lançam séries desenfreadamente e disputam sua parcela dos lucros do streaming, aquilo que eles obtêm do Brasil em termos financeiros segue sem a devida reversão para a produção local. Uma das grandes bandeiras do governo Lula na área da cultura, a regulamentação do streaming seguiu parada em 2024, contrariando as expectativas do setor.
Não houve muito avanço na pauta, urgente para que parte dos lucros de empresas de audiovisual estrangeiras fique no país e seja reinvestido em nossa indústria, a exemplo do que já acontece na TV aberta e no cinema.
Essa conversa dura, porém necessária, deve iniciar 2025 já pautando a agenda do Ministério da Cultura de Margareth Menezes, das produtoras brasileiras e, claro, do poderoso lobby armado por Netflix, Warner Bros. Discovery, Disney, Amazon e tantas outras que abocanham o mercado nacional de maneira irrestrita.
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