Mulheres sofrem com desigualdade nas carreiras de Ciências

Em relação às bolsas de produtividade, a realidade é outra: elas são menos contempladas com bolsas de produtividade do CNPq

© Pixabay

Lifestyle Profissão 19/06/16 POR Notícias Ao Minuto

“Se a mulher produz tanto quanto o homem e participa das demais tarefas acadêmicas de maneira equivalente por que a representação feminina é tão baixa nas áreas mais nobres e nos cargos mais importantes da área da ciência e tecnologia?" A provocação da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jacqueline Leta durante a segunda parte do Seminário Ciência e Sociedade, que abordou questões relacionadas a gênero, ciência e tecnologia, tem razão de ser.

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Jacqueline analisou dados de 72 programas de pós-graduação, 31 institutos de pesquisas, 2.362 docentes pesquisadores, e constatou que não há diferenças significativas entre homens e mulheres quanto à produtividade científica, mas a proporção de bolsistas do sexo feminino diminui conforme crescem os níveis hierárquicos da bolsa. “Apenas 8% de mulheres conseguem a bolsa de produtividade 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a de maior prestígio”, constatou. A pesquisadora tomou como exemplo a situação da Fiocruz, instituição técnico-científica do governo federal. “Existe uma equivalência na produção acadêmica e nas publicações, mas a presença de homens é quase total nos cargos de maior hierarquia”.

Em 2014, a tese da pesquisadora Jeorgina Gentil Rodrigues, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict) da Fiocruz, analisou a participação feminina na pesquisa da Fiocruz entre 1996 e 2010. A conclusão é que, se as mulheres ganharam espaço nos últimos anos – são 410 mulheres e 384 homens em cargos de chefia -, nos cargos de comando da Fundação, sua presença é ainda muito pequena. Das 37 cadeiras do Conselho Deliberativo da Fiocruz – composto pelo presidente, vice-presidentes, chefe de gabinete, um representante do sindicato dos servidores e pelos dirigentes máximos das unidades (técnico-científicas, técnicas de apoio e técnico-administrativas), apenas 9 são ocupadas por mulheres.

Para Denise Gonçalves, professora do Observatório do Valongo da UFRJ “Depois do mestrado e doutorado, é precisamente a hora de conseguir emprego, de avançar nos programas de pesquisa, e então existe um viés que orienta as escolhas das empresas e dos comitês”. Segundo a Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), do mestrado ao emprego, a participação feminina decresce em 14%.

A também professora da UFRJ e diretora do Gender Insite, Alice Rangel, afirma que além de existirem gargalos no processo acadêmico, há uma divisão de gênero que permeia a sociedade. O estudo Avaliações Nacionais de Gênero, desenvolvido em mais de 13 países, incluindo o Brasil, e que teve o Gender Insite como um dos condutores, concluiu que o número de mulheres nas áreas de ciência, tecnologia e inovação é baixo mesmo nas economias mais importantes do mundo, incluindo os Estados Unidos.

No Brasil, as cientistas têm a maioria dos titulos de mestrado, desde 1997, e doutorado, desde 2004. Apesar disso, em relação às bolsas de produtividade, a realidade é outra: elas são menos contempladas com bolsas de produtividade do CNPq, estão sub-representadas nos cargos administrativos de várias universidades e entre os acadêmicos da Academia Brasileira de Ciências. “O franqueamento ao acesso feminino deve ser uma solução política”, defendeu Alice.

Uma questão de educação e vontade política

Outro ponto que merece atenção é a diferença entre homens e mulheres em determinados campos da ciência. Maioria em ciências humanas (59%) e sociais (55%), as cientistas tem menos expressividade nas ciências exatas (36%), principalmente, engenharias e computação (34%). A busca da paridade feminina nessas áreas especificas está ligada a múltiplos fatores: maior influência econômica, acesso a recursos econômicos, produtivos e tecnológicos e um ambiente político favorável. “Além disso, é necessário começar a estimular mais cedo a curiosidade e o relacionamento das meninas com esse objeto”, ressaltou Alice Rangel.

Mas como avaliar se programas já existentes direcionados às jovens estão dando certo? A professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Oregon, Lynn D. Dierking apresentou um estudo que analisou a participação de meninas de seis a 25 anos de idade em seis programas que se propõem a promover o engajamento feminino em atividades relacionadas a STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática). “Encontramos evidências de que, desde que bem construídos, esses programas podem levar a experiências não apenas de curto prazo, mas impactar a vida futura e as escolhas dessas jovens mulheres em relação à carreira, interesses pessoais, além de levá-las a contribuir com a ciência”.

Vulnerabilidade feminina

Outro ponto abordado durante o seminário foi a questão do assédio moral e sexual sofrido pelas cientistas. A professora Denise Gonçalves apresentou um estudo conhecido como Lacan (Levantamento do Ambiente Científico na Astronomia Brasileira), da Universidade de São Paulo (Usp), que consultou 133 astrônomos brasileiros em todos os níveis da carreira, 67 homens e 66 mulheres. A mulheres no nível da pós-graduação sofrem 76% dos casos de assédio moral e 44% das pós-doutorandas são as vítimas mais frequentes do assédio sexual. A proposta da pesquisa é estabelecer um ambiente mais saudável para astronomia do Brasil.

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