© Beto Barata / PR
Após o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer começa nesta quarta-feira (31) a governar sem o carimbo de "interino" em sua faixa.
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Com dois anos e quatro meses de mandato pela frente, ele terá de lidar com um Parlamento que não demorará a cobrar seu apoio e com uma crise econômica que parece longe de terminar.
Veja abaixo o que esperar do governo Temer em quatro áreas cruciais:
Política
Após dois anos de crise ininterrupta em Brasília, o peemedebista terá de domar um Congresso fisiológico e fragmentado para aprovar sua agenda, que inclui matérias pouco palatáveis à população, como a reforma previdenciária. Durante seu período como interino, ele mostrou-se pouco seguro em algumas medidas, como a extinção/recriação do Ministério da Cultura.
"Temer vai ter de ser um pouco mais assertivo e incisivo com a pauta dele. Ele tem sido muito tímido. Na verdade, não é timidez, é medo mesmo. Só que ele vai ter de mudar, agora não vai ter mais desculpa [de ser interino]", explica o cientista político André César, da CAC Consultoria, empresa baseada em Brasília.
O desafio do substituto de Dilma será mostrar no Palácio do Planalto a mesma desenvoltura que exibiu quando foi deputado federal. "Dizem que ou você nasceu para o Legislativo, ou você nasceu para o Executivo", acrescenta César. Para ele, o grande teste para Temer será aprovar o teto dos gastos públicos. Se isso acontecer, ele deve ganhar mais solidez para governar.
Olhando para o lado derrotado, o PT fará forte oposição ao peemedebista, mas seu encolhimento nos últimos anos deve forçar um processo de renovação. O cientista político aposta em um partido mais moderado, próximo à social-democracia europeia, que o PSDB falhou em representar no Brasil. Mas para isso será preciso também novos nomes, embora lideranças do partido insistam em ventilar o nome de Lula para as eleições de 2018.
No meio de tudo isso, há o pleito municipal de 2016, para o qual se desenham duras derrotas para o PT, principalmente na São Paulo de Fernando Haddad. "Tem de olhar para 2018, mas não é um processo imediato. A bancada vai diminuir muito, já caiu de 2010 para 2014. Se fizer 50 deputados em 2018, vai ser muito", ressalta César.
O impeachment também deve selar a separação - se não oficial, ao menos na prática - entre Dilma e o PT, pondo fim a um casamento que parece nunca ter sido pacífico.
Política externa
Em pouco mais de três meses de governo interino, o Itamaraty se preocupou mais em minimizar os efeitos negativos da narrativa que acusava Temer de um golpe, com o chanceler José Serra dando respostas bastante agressivas a críticas de Venezuela, El Salvador e Unasul.
Agora, segundo Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da ESPM, essa preocupação deve diminuir, já que o Planalto não terá de lutar contra narrativa alguma. "Pode ser que algum país que tenha histórico favorável a Dilma não reconheça o governo, mas esse processo deve ser menos intenso agora do que foi em maio", diz o especialista.
Diferentemente dos últimos governos, desta vez o ministro das Relações Exteriores não é um diplomata de carreira, mas sim um homem com pretensões políticas. Além disso, com o Itamaraty turbinado pela Agência Brasileira de Promoção às Exportações (Apex), Serra tentará se credenciar para as eleições de 2018.
Para Casarões, isso tem moldado a postura do ex-governador de São Paulo no Ministério. "O Brasil está até se portando de uma forma arrogante perante os vizinhos. O fato de o chanceler uruguaio dizer que o Brasil estava tentando cooptar o Uruguai por motivos políticos pega muito mal", acrescenta o professor.
Em meados de agosto, o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, acusou Serra de prometer ajudar Montevidéu em negociações com outros países se a transferência da presidência temporária do Mercosul para a Venezuela fosse barrada.
"O Brasil tem um papel de responsabilidade na América do Sul. Quando Serra adota uma posição mais brusca com a Venezuela, ele cria mais instabilidade do que controla a situação", afirma. O primeiro compromisso internacional de Temer como presidente será no próximo fim de semana, na reunião do G20 na China. Como o grupo é conhecido pelo pragmatismo, a crise política no Brasil deve passar ao largo das discussões.
Economia
No âmbito financeiro, o professor de economia da Universidade Mackenzie, Agostinho Celso Pascalicchio, afirma que será preciso fazer "ajustes fiscais e tributários que permitam a criação da base para despesas do governo". Com isso, será possível "adequar as receitas para esse gasto".
Pascalicchio define o momento no curto e médio prazo como "um processo doloroso e cuidadoso", no qual reformas e ajustes tributários podem ser feitos como alternativa para colocar a economia brasileira novamente no rumo.
Questionado se o governo Temer pode sofrer com os mesmos problemas enfrentados por Dilma para aprovar reformas, Pascalicchio não acredita que isso se repetirá. "E, se demorar muito esse processo [de aprovação], é possível fazer a adequação de contas, como financiamentos, emissão de títulos públicos, empréstimos internacionais que não provoquem desequilíbrio fiscal. Ainda tem a emissão de moeda, que, apesar de ser uma medida inflacionária, pode ser compensada com a emissão de títulos públicos", ressalta o especialista.
Para ele, o fato de Temer deixar de ser interino fará com que a situação político-econômica se estabilize. "O mercado já previa o impeachment. As bases e as expectativas sobre ele [Temer] são muito melhores que as anteriores. Os impactos negativos sobre a área de negócios serão bem reduzidos", finaliza.
Projetos sociais
Em seu discurso final à frente do Senado, Dilma anunciara que, assim que tomasse posse, Temer seguiria uma linha de "revisão" dos programas sociais, tão caros aos governos do PT.
Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", ao menos cinco projetos devem ser "repaginados", entre eles o "Bolsa Família" e o "Minha Casa, Minha Vida". Programas como o "Ciência sem Fronteiras" já sofreram cortes.
Dilma ainda defendeu que o governo Temer retirará direitos sociais e trabalhistas e aumentará a idade mínima para a aposentadoria. Em nota, o Planalto negou as acusações. "Todas as propostas do governo Michel Temer são para assegurar a geração de emprego, garantir a viabilidade do sistema previdenciário e buscar o equilíbrio das contas públicas. E todas elas respeitarão os direitos e garantias constitucionais".
No comunicado, o governo também rechaçou estipular idade mínima de 70 ou 75 anos para aposentadoria, acabar com o auxílio-doença, regulamentar o trabalho escravo, privatizar o pré-sal e revogar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). "Essas e outras inverdades foram atribuídas de forma irresponsável e leviana ao governo interino", conclui a nota.
O professor da Unesp e doutor em administração pública Alvaro Martim Guedes disse não acreditar que haverá uma alteração dos programas sociais. "Muitos estão até sob garantia legal, e na atual situação de crise, fazer alguma modificação que venha a retirar direitos ou benefícios, seria promover uma medida de alto risco político", aponta.
Ainda segundo ele, o governo Temer tem demonstrado muita cautela em suas ações. "Seria estranho conduzir-se de forma diferente em uma questão tão sensível, do ponto de vista social, como essa.
Na minha interpretação, afirmar que serão realizadas alterações em programas sociais é somente um mero jogo de poder", conclui. (ANSA)