© Divulgação / Favelagrafia
O Rio de Janeiro é a cidade com a maior população vivendo em favelas: são quase 2 milhões de pessoas, o equivalente a 22% da população. Porém, apesar das comunidades possuírem inúmeras manifestações e talentos culturais, o olhar da sociedade é geralmente o do preconceito, só vê a violência, o tráfico, as armas e ao perigo.
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Para mudar essa visão, surgiu o projeto Favelagrafia para retratar o cotidiano das favelas cariocas através dos olhos de jovens fotógrafos de nove comunidades cariocas:Anderson Valentim, do morro do Borel; Magno Neves, do Cantagalo; Jessica Higino, da Mineira; Saulo Nicolai, do Morro dos Prazeres; Joyce Marques, da Providência; Rafael Gomes, da Rocinha; Elana Paulino, do Santa Marta; Josiane Santana, do Alemão e Carlos Omar, da Babilônia.
O projeto foi idealizado pela agência de publicidade NBS Rio+Rio, e desenvolvido em parceria com a ISL Produções e patrocínio do Consórcio Linha 4 Sul, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura.
Os jovens acabaram ficaram famosos no país e no exterior, após uma foto de Anderson Valentim, cair nas redes sociais. A imagem mostrava rapazes mascarados, portando instrumentos musicais no lugar de armas.
Após a notoriedade, o Favelagrafia agora acaba de ganhar mais uma etapa, com o morro invadindo o asfalto em uma grande exposição no MAM, o mais importante Museu de Arte Moderna do Brasil.
Em entrevista exclusiva para a Sputnik, o fotógrafo, músico e design gráfico, Anderson Valentim falou sobre o trabalho transformador que o Favelagrafia se tornou. Para o fotógrafo, o projeto realmente vem conseguindo construir um novo olhar sobre as favelas cariocas.
"Geralmente o que sai na mídia hoje (de violência nas favelas) é algo muito grande só que não é 100% de verdade aquilo que existe dentro da comunidade. Existe centenas de coisas dentro da comunidade de riqueza, belezas, de artes, de pessoas trabalhando e talentosas e isso não não é divulgado. Eu acho que isso aproximou mais as pessoas a se identificar com o projeto."
Anderson ressalta que o fato da proposta ter como objetivo mostrar um olhar do morador faz a diferença para mostrar esse outro olhar das favelas do Rio. "Não só a questão da foto, mas a questão de existir um projeto que está falando o que realmente nós somos. É o nosso olhar, de quem é morador, porque sempre foi um olhar de fora nos filmes, novelas, estrangeiros. É sempre um olhar de fora para dentro. Esta é uma das primeiras vezes que está se retratando o olhar de quem vive o dia-a-dia, o cotidiano, de quem conhece realmente e isso acendeu o interesse e as pessoas se identificaram com o projeto."
Segundo o músico, para fazer as fotos cada jovem ganhou um celular para registrar as imagens de suas comunidades, uma iniciativa inovadora e que deu mais liberdade para cada um mostrar seu talento. Anderson conta que quem vai assistir a exposição tem ficado impressionado com a qualidade das fotos. "O celular tem uma diferença, porque a câmera geralmente tem essa questão de luz, abertura, diafragma, e o celular meio que exige uma coisa a mais, você tem que estar ali mais próximo e ao mesmo tempo uma praticidade. Isso tornou o trabalho um pouco mais fácil, mas exigiu uma coisa mais peculiar de cada fotógrafo de extrair sua técnica, um pouco mais difícil, mas mais enriquecedor. As pessoas as vezes não acreditam que as fotos foram retiradas de celular, tamanho a qualidade que as fotos ficaram. Quando está no celular e quando há o impresso, enrique mais a questão das cores, da textura. Quando as pessoas vão até a exposição elas conseguem ver o trabalho finalizado bruto ali mesmo, e conseguem ter uma noção da grandiosidade do projeto."
Os jovens não esperavam tanta repercussão do Favelagrafia, a partir da foto "polêmica" de Anderson Valentim e que agora roda o mundo pelas redes sociais, mas o fotógrafo diz que todos se sentem recompensados, pois conseguiram registrar a realidade deles nas favelas, sob a óticas deles e transmitir um pouco de esperança para os moradores das comunidades.
"Eu acho que conseguimos passar a mensagem de identificação mesmo. Hoje vivemos no estado do Rio de Janeiro um momento muito caótico com as questões da violência e política, e eu acho que ela (a foto dos jovens armados com instrumentos) traz um pouco de esperança de um povo que está ali com todas as dificuldades, suas desesperanças e está ali lutando. Num país onde é complicada a questão da arte, não se tem tanto valor a arte e para o artista hoje no Brasil, eu acho que aquela foto carrega alguns pesos ali e as pessoas se identificam talvez. A foto chegar nessa proporção no mundo, eu fico feliz porque de certa forma nós acreditamos que estamos no caminho certo. Esse trabalho, trabalha com a verdade. Esse sempre foi o objetivo do projeto, trabalhar com nosso olhar sem maquiar nada."
Com o sucesso do Favelagrafia, Anderson Valentim diz que a iniciativa vai ser ampliada para outras comunidades do Rio, além de lançamento de livro e documentário. "Não esperávamos a proporção que o projeto tomou. Estamos sentindo uma necessidade do projeto continuar e depois da exposição ele vai tomar um outro formato e não parar só na exposição. Estamos fomentando a ideia de ir para outras comunidades, estamos fazendo um trabalho de documentário, procurando alguns artistas e estrear uma série na semana que vem no youtube, chamado Lírico e Documentário. Pegamos artistas de dentro da comunidade e fazemos uma peça poética lírica dele e um documentário contando essa história. Vamos fazer essa corrente positiva de amor e de luta, pois tem muita coisa boa saindo das nossas comunidades."
A exposição Favelagrafia fica aberta para visitação até o dia 4 de dezembro, no pilotis do MAM, de terça a sexta 12h às 18h e sáb, dom e feriado 11h às 18h. A entrada é gratuita. Com informações do Sputnik Brasil.